A mídia do Irã que dribla a censura para chegar ao público

por Devin Windelspecht and Stratton Marsh
Jan 9, 2025 em Temas especializados
Morality police in Iran before a poster of Iran's leader as a woman takes off her headscarf

Este recurso faz parte do nosso Kit de Ferramentas de Mídia no Exílio, produzido em parceria com a Rede de Veículos de Mídia Exilados (NEMO) e com o apoio generoso do Fundo Emergencial Joyce Barnathan para Jornalistas.


Há quase duas décadas, a Zamaneh Media leva à população do Irã informações valiosas sobre o país, um dos ecossistemas de informação mais fechados do mundo. O veículo, que opera diretamente da Holanda e cujo nome significa "tempo" em persa antigo, é uma das plataformas de mídia que cobre o Irã com maior visibilidade atualmente, com uma cobertura em persa e inglês de assuntos como execuções em massa em prisões, trabalho infantil e o tratamento dado a imigrantes afegãos.

"Enquanto uma organização jornalística, nós temos algo que muitas organizações de defesa de direitos não têm, por exemplo, alcance", diz Joris van Duijne, diretor-executivo da Zamaneh Media à época desta entrevista.

O governo iraniano é um dos mais repressivos do mundo em termos de liberdade de imprensa, com o país ocupando a posição 176 de 180 nações no índice de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras. Trinta e cinco jornalistas encontravam-se detidos pelo governo iraniano até setembro de 2024, na maioria das vezes com base em leis vagas e arbitrárias, como ofensa a líderes religiosos e políticos.

Embora uma lei de 1985 proíba expressamente a censura no Irã, na prática a liberdade de imprensa foi severamente restringida no país e autoridades instigaram várias medidas de repressão à imprensa ao longo dos anos. Após protestos de abrangência nacional em 2022 em resposta ao assassinato de uma jovem iraniana, Mahsa Amini, pela polícia da moralidade, a repressão se intensificou

Nós conversamos com van Duijne sobre como a Zamaneh Media evoluiu desde a sua fundação em 2005, o papel que ela desempenha na cobertura de pautas internas do Irã para o mundo exterior e os desafios enfrentados para operar em um dos ambientes mais restritivos à liberdade de imprensa do mundo.

Evolução da mídia exilada iraniana

Com poucas organizações de mídia iranianas operando dentro ou fora do país em 2005, a Zamaneh Meida preencheu uma lacuna crítica quando foi lançada.

Em 2004, diante das ameaças à liberdade de imprensa no Irã, o parlamentar holandês Farahnaz Karimi, de origem iraniana, apresentou uma moção de apoio à mídia iraniana. A Zamaneh Media foi um dos projetos criados como resultado da moção, inicialmente como um serviço de rádio. 

Desde o começo, a jovem redação usava ondas curtas de rádio para contornar a censura do governo e entregar informações diretamente aos iranianos. Quando o governo começou a bloquear o sinal da Zamaneh Media, a resposta do veículo foi mudar constantemente a frequência de rádio usada. No entanto, isso aumentou o custo e a dificuldade da operação.

"Transmitir via rádio foi ficando cada vez mais caro. Nós tínhamos que manter mais e mais frequências. A partir de certo ponto, se você muda as frequências várias vezes no dia, acaba tendo problema para que as pessoas te encontrem", diz van Duijne. 

A Zamaneh Media lançou seu site em 2006, e nos anos seguintes foi eliminando gradualmente o sinal de rádio para operar primariamente como uma plataforma digital. As prioridades de conteúdo mudaram conjuntamente: o veículo deixou de fazer atualizações factuais para passar a produzir reportagens especiais sobre filosofia, arte, cultura, política e direitos humanos no Irã. 

A mudança, explica van Duijne, permitiu que a redação redirecionasse recursos e equipe, deixando de competir com outros veículos por furos para publicar reportagens de formato longo. 

"No começo, quando não havia nada mais [no cenário de mídia exilada iraniana], nós precisávamos servir todo mundo", diz van Duijne. "Em um cenário de mídia em constante mudança no Irã, tivemos que começar a redefinir nosso propósito [...] e afirmar que se este é o nosso papel, então este é nosso papel."

Servindo audiências no Irã

A principal fatia de audiência da Zamaneh Media — dois terços, de acordo com van Dujine — é composta por iranianos dentro do Irã. Manter-se a par do que está acontecendo no país é um grande desafio para a redação, que se esforça para informar esses leitores.

"Como manter uma conexão próxima com o que está acontecendo diretamente no local é a parte delicada", diz van Duijne. 

Para realizar o trabalho de reportagem, a Zamaneh Media trabalha com jornalistas iranianos exilados que mantêm fontes e conexões dentro do país. O arranjo exige que a redação regularmente procure por jornalistas que estão saindo do país, como aqueles que deixaram o Irã após os protestos de 2022. "Você de certa forma depende de sangue novo que tem uma ligação direta com o Irã porque com o passar do tempo as pessoas não entendem o que está acontecendo por lá", diz van Duijne. 

Manter um fluxo consistente de jornalistas que deixaram o país recentemente em sua rede também ajuda a Zamaneh Media a assegurar que sua linguagem esteja atualizada com a forma como se comunica no país atualmente. Jornalistas que são parte da segunda ou terceira geração de imigrantes iranianos, muitos dos quais deixaram o país logo após a Revolução de 1979, não falam da mesma forma que os iranianos que vivem no país hoje, diz van Duijne, inclusive no que diz respeito à escolha de palavras e gírias.

Considerações relativas à segurança 

A Zamaneh Media constantemente avalia e reavalia protocolos de segurança para garantir a proteção de seus repórteres e fontes, e também em resposta aos esforços do governo iraniano de reprimir seu trabalho de reportagem.

A "primeira linha de defesa" do veículo é compartimentar fontes e repórteres, assim, caso um deles esteja em risco, isso não coloca toda a rede em risco, diz van Dujine. "Os jornalistas não sabem sobre as fontes uns dos outros. As fontes não sabem da existência umas das outras." 

Ao mesmo tempo, a redação adaptou sua infraestrutura de segurança online para continuar operando diante de ataques DDoS contra o site. Há uma década, esses ataques tomavam o veículo de surpresa, mas isso não acontece mais. "Nós sofremos ataques DDoS, porém isso não nos afeta mais. É uma questão de configurar sua infraestrutura de forma que podem tentar o máximo que quiserem, mas vão falhar", diz van Duijne.

A saúde psicossocial dos jornalistas também se tornou uma prioridade crescente para a Zamaneh Media, prioridade esta que foi ficando cada vez mais viável com o reconhecimento de sua importância cada vez maior por parte dos doadores. 

"É mais fácil nos dias de hoje acrescentar um projeto de saúde psicológica em um orçamento de projeto para fornecer esse tipo de apoio aos nossos jornalistas", diz van Dujine. "Como resultado, recentemente nós conseguimos oferecer acesso a especialistas em trauma. Isso abarca tanto o tipo de trauma pessoal que as pessoas ouvem durante o trabalho de reportagem quanto a reportagem sensível ao trauma."

Honestidade é um pilar fundamental que sustenta os esforços de segurança da Zamaneh Media. Jornalistas devem saber que, apesar de todos os esforços da equipe para mantê-los em segurança, há um risco inerente assumido ao trabalhar para o veículo, explica van Duijne. 

"Seja muito claro sobre o que você pode e não pode fazer", diz. "Certifique-se de que as pessoas tenham informações de segurança muito detalhadas. Além disso, elas devem estar cientes do que significa trabalhar para a Zamaneh Media e dos riscos existentes para familiares."

Financiamento no exílio

A maior parte do financiamento da Zamaneh Media vem de subsídios e outras fontes externas. Essas fontes, no entanto, são inflexíveis e destinadas a projetos de reportagem ou iniciativas específicas. Para diversificar esse financiamento e permitir mais flexibilidade na cobertura, a Zamaneh Media recorreu a fontes alternativas de receita.

Obter receita por meio da publicidade de produtos é impossível devido a sanções internacionais do Irã. Modelos de programas de membros ou assinaturas também não são opções. Em vez disso, a Zamaneh Media começou a vender anúncios para organizações de direitos humanos e provedores de notícias que valorizam o acesso que o veículo tem a audiências difíceis de alcançar dentro do Irã. O veículo também oferece serviços de tradução persa-inglês. 

No momento, essas fontes de receita correspondem a cerca de 7% do faturamento da Zamaneh Media. Van Duijne espera que essa fatia cresça para 20% no futuro. 

Para jornalistas exilados que consideram começar seus próprios veículos, van Dujine tem alguns conselhos: comece trabalhando e construindo sua identidade como um jornalista exilado agora e o financiamento virá. "O que eu vejo muito entre jornalistas que começam nessa área é 'vamos atrás do financiamento primeiro e depois vem minha trajetória'", diz. "Comece construindo já essa trajetória, porque é ela que você vai usar para garantir seja qual for o financiamento necessário para começar escalar a operação no futuro."