Carolyn Thompson estava trabalhando em uma empresa de consultoria no Canadá, mas logo percebeu que não amava o seu trabalho e decidiu procurar algo novo. Em 2009, ela foi selecionada para um estágio de jornalismo na África do Sul e sua vida mudou completamente.
“Fui à África do Sul por seis semanas e trabalhei num jornal. Eu tive muita sorte de conviver com este incrível editor que me guiou no jornalismo”, disse ela. "Essa foi a minha primeira experiência com jornalismo."
Quando o estágio terminou, Thompson voltou ao Canadá, onde fez mestrado em jornalismo na Universidade Carleton, em Ottawa. Durante o programa, ela retornou à África e fez estágios em Ruanda, Burundi e República Democrática do Congo por meio da Iniciativa de Ruanda, uma parceria entre a Faculdade de Jornalismo e Comunicação de Carleton e sua contraparte na Universidade Nacional de Ruanda. O programa, iniciado em 2006 e encerrado desde então, era uma parceria de ensino e treinamento que oferecia inúmeras oportunidades de intercâmbio para estudantes e professores.
Após o término do treinamento, Thompson retornou ao Canadá para trabalhar em um jornal, mas logo decidiu viajar para o Sudão do Sul para trabalhar como instrutora de uma iniciativa semelhante, onde ela poderia dedicar um quarto de seu tempo ao trabalho freelance. No entanto, a repressão da mídia no país a levou a se mudar para o país vizinho Quênia, onde vive desde 2017.
Thompson trabalha como freelancer em jornalismo de dados, reportando principalmente sobre política, direitos humanos e migração. Seu trabalho já apareceu na CBC, Al Jazeera, Washington Post e mais. Seu projeto jornalístico imersivo de 2019, Controlling the Ebola outbreak, é um jogo que orienta os leitores pela complexidade do surto de ebola, levando-os a fazer escolhas com base nos diferentes caminhos que escolherem.
Este ano, Thompson foi selecionada para uma bolsa de três meses da News Corp Media do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês). Nós conversamos com ela enquanto passava alguns dias em Washington para uma sessão de treinamento antes de ir para Nova York para trabalhar com o laboratório de ciências da mídia do Wall Street Journal.
Thompson falou com a IJNet sobre jornalismo freelance, como ela trabalha em projetos de dados tão grandes e conselhos para jovens jornalistas.
IJNet: Foi difícil fazer a transição do trabalho no Canadá para a África oriental?
Thompson: Eu sempre acho difícil fazer a transição para um novo ambiente de reportagem, especialmente quando você está mudando para um lugar em que não fala o idioma e não tem o contexto que os jornalistas dessa região têm. Realmente, é bastante desafiador.
No começo, eu trabalhava como instrutora e fazia freela nas horas vagas, por isso tinha muitos contatos que eram da região que tinham muita experiência e com quem eu pude trabalhar. Agora, a maioria dos projetos que faço são colaborativos, o que, para mim, é uma maneira muito mais eficaz de me assegurar de ter em consideração coisas que não conheço e agregar valor com jornalismo de dados.
Muitos dos projetos que realizamos são projetos de jornalismo de dados maiores e trabalho para fornecer a parte dos dados. Colaboro com jornalistas quenianos ou sudaneses e tento trabalhar junto para ter uma experiência de reportagem mais rica.
Como você começou a fazer jornalismo de dados?
Antes de me tornar jornalista, eu tinha um trabalho financeiro para uma empresa de consultoria. Com isso, aprendi um pouco de contabilidade e sempre gostei de números e de matemática quando estava na escola. Quando eu fiz meu mestrado, havia um curso de métodos de pesquisa e reportagens ministrado por alguns jornalistas investigativos canadenses realmente incríveis, e uma das unidades que eles ensinavam era sobre dados. Percebi que era algo em que realmente me interessava, porque gosto muito do jornalismo com base em evidências, que é mais concreto e profundo e com muitas nuances.
Como você acessa os conjuntos de dados necessários?
Na região em que trabalho, principalmente no Sudão do Sul, há muitos dados, mas há desafios porque nem sempre são atualizados, podem não ser precisos ou não estar acessíveis ao jornalista. Contamos muito com agências internacionais que os coletam -- agências da ONU ou ONGs que estão coletando dados sobre questões específicas --, mas também fazemos muita coleta de dados por conta própria.
Para uma matéria, usamos uma pesquisa por telefone celular para coletar dados de pessoas em todo o país. Também usamos imagens de satélite para tentar avaliar situações no terreno e criamos conjuntos de dados usando as imagens que temos.
Eu uso alguns conjuntos de dados do governo. Por exemplo, o governo, em colaboração com uma instituição da ONU, tinha um conjunto de dados de preços de alimentos. Conseguimos fazer um cálculo sobre quanto os preços dos alimentos estavam aumentando com base nesses dados.
O maior desafio é descobrir como ser transparente sobre a origem dos dados e o que realmente mostra ou não e também como avaliar se os dados são confiáveis ou não o suficiente para serem usados. Às vezes, temos a tendência de pensar que os números são oniscientes e perfeitos e, na verdade, existem muitas falhas na maneira como são reunidos ou o que realmente representam.
Qual foi a inspiração para criar o jogo jornalístico imersivo sobre o surto de ebola?
O ebola é um tópico realmente difícil de abordar porque há muita complexidade. Existem muitos fatores que tornam tudo muito, muito complexo: fatores políticos, sociais, médicos. É uma questão grande e assustadora, mas é muito real e afeta muitas pessoas. E há muita desinformação sobre esse tópico.
Pensamos muito em como poderíamos usar os dados para contar histórias sobre o ebola, então, a partir de uma colaboração com outros jornalistas, criei uma equipe com jornalistas quenianos e um jornalista congolês.
O estilo “escolha sua própria aventura” serve muito bem porque permite que as pessoas se envolvam com os tópicos de seu interesse. Acabamos dividindo-o entre seções -- uma para resposta e outra para vítimas -- o que permite ver a perspectiva do lado que você prefere.
Que conselho você daria para aspirantes a jornalistas?
A maneira de obter sucesso, especialmente como freelancer, geralmente é tentar encontrar novas maneiras de contar histórias e maneiras únicas de pensar sobre o que suas reportagens devem fazer. Encontre um nicho ou área de interesse em que possa se concentrar e que seja diferente. Para mim, o jornalismo de dados tem sido uma maneira de fornecer um valor a mais do que a maioria das pessoas na região está produzindo, e isso significa que eu sou capaz de encontrar histórias que outras pessoas não estão necessariamente reportando ou pensar em histórias de uma maneira diferente, porque tenho um método de pesquisa diferente à minha disposição.
Às vezes, as pessoas ficam um pouco pessimistas em relação ao ofício, mas eu não penso assim. Existem muitas maneiras de contar histórias realmente interessantes e inovadoras.
Imagem: captura de tela do jogo do projeto "Controlling the Ebola outbreak".