Apesar dos riscos, jornalistas russos continuam a fazer cobertura local

por Leyla Latypova
Jan 23, 2023 em Notícias locais
Russian journalist with Press helmet

O jornal russo independente Zvezda, com sede na cidade de Perm, usa de forma consistente a palavra "guerra" em sua cobertura sobre o conflito na Ucrânia — um desafio às leis de censura que punem linguagem direta como essa com multas exorbitantes e até processo criminal.

Apesar dos riscos, parte da equipe do veículo permanece dentro da Rússia.

Mas o pequeno veículo não sobreviveu ileso à repressão política do país nesse período de guerra: o site do jornal e sua página na popular rede social russa VKontakte foram bloqueados em março, gerando um colapso na receita publicitária.

"Nós não temos um revisor, então às vezes os leitores apontam erros gramaticais", disse o editor-chefe do Zvezda, Stepan Khlopov, em uma entrevista ao The Moscow Times. 

"Tudo bem. A verdade é mais valiosa!".

Quase 11 meses depois de o presidente russo Vladimir Putin ordenar a entrada de tanques na Ucrânia, a mídia regional da Rússia ficou ainda mais rigidamente controlada, com autoridades bloqueando ou processando quem viola as leis de censura da guerra. Mas uns poucos veículos independentes sobrevivem — seja em um formato bem mais reduzido ou no exílio.

Veículos locais são particularmente vulneráveis à pressão financeira.

Mesmo uma multa relativamente baixa pode causa problemas enormes para publicações que já sofrem para pagar as contas, de acordo com Sergei Lapenkov, chefe da Aliança de Publicações Regionais Independentes (AIRP na sigla em inglês), com sede na Rússia, que representa 36 veículos independentes do país.

"Para um veículo jornalístico regional, uma multa de 1.5 milhão (cerca de R$ 113.000) é basicamente uma sentença de morte", diz Lapenkov.

Mas os riscos de sentenças de prisão e perseguição política também são muito reais.

Algumas publicações locais escolhem fechar por antecipação, ao julgarem inaceitável pedir que seus jornalistas se arrisquem a serem presos.


					Staff of media outlet Zvezda before the Russian invasion of Ukraine.					 					Courtesy photo

Equipe do Zvezda antes da invasão russa à Ucrânia. Foto: divulgação.

 

Talvez a baixa mais notável tenha sido a do site de notícias Znak.com, com sede em Ecaterimburgo, que fechou em março.

Mas outros veículos regionais também fecharam, incluindo a agência de notícias do extremo oriente russo Sakh.kom, em dezembro; o UGRAPRO da Sibéria, em março; e a ProVladimir, uma publicação com sede na cidade de Vladimir, perto de Moscou, em outubro.

"Trabalhar sob essas circunstâncias é difícil e perigoso", escreveu em junho Irina Samokhina, chefe da editora Krestyanin, em uma carta de despedida aos leitores que explicava a decisão de encerrar as atividades de um dos jornais independentes mais populares do sul da Rússia.

O jornal Krestyanin, que foi criado pelo pai de Samokhina em 1991, tinha uma tiragem semanal de 13.700 exemplares antes de ser fechado.

"Não conseguimos mais dar a todos a oportunidade de expressar seu ponto de vista, não podemos publicar as opiniões críticas dos nossos leitores sobre o governo", escreveu Samokhina.  

Como muitos de seus equivalentes nacionais mais bem financiados, alguns veículos regionais evacuaram suas equipes para o exterior e estão tentando continuar seu trabalho fora do país.

Dentre eles estão veículos locais importantes como o Lyudi Baikala, da Sibéria, e o Pskovskaya Gubernia, do nordeste da Rússia. 

O Groza, site comandado por estudantes com sede em Cazã, na república do Tartaristão, decidiu levar a maior parte da sua equipe para o exterior por segurança, apesar de alguns funcionários terem ficado na Rússia.

 


					The staff of Groza, an online student-run media outlet from Kazan.					 					Courtesy photo

Equipe do Groza, veículo online de estudantes em Cazã. Foto: Divulgação.

 

"No Tartaristão, nós éramos o segundo [veículo] na fila [para ser fechado] depois do Idel.Realii", diz Leonid Spirin, editor-chefe do Groza, se referindo ao projeto de mídia que faz parte da rede Radio Free Europe/Radio Liberty, financiada pelo governo dos Estados Unidos.  

"Eu pensei que eles definitivamente viriam atrás de nós mais cedo ou mais tarde", disse Spirin ao The Moscow Times.

Para apurar notícias do exterior, a maioria dos veículos regionais exilados continua a depender da cobertura de jornalistas dentro da Rússia, de acordo com Viktor Muchnik, editor-chefe do projeto de mídia regional Govorit NeMoskva, lançado em outubro.

Muchnik, ex-chefe do canal independente TV2, na cidade siberiana de Tomsk, deixou a Rússia em março, depois de o canal ter sido fechado.

O Govorit NeMoskva, que no momento só está disponível nas redes sociais — no Telegram o canal tem mais de 15.000 assinantes — reúne notícias regionais de toda a Rússia.

Embora sempre importantes, as redes sociais se tornaram críticas para que jornalistas exilados mantenham o acesso à audiência no país — principalmente se seus sites tiverem sido bloqueados.

Muchnik afirma que viver fora da Rússia não impactou negativamente a precisão da informação que ele e sua equipe publicam.

"A nossa força sempre esteve no entendimento profundo da nossa região", disse Muchnik ao The Moscow Times.

"Eu não acho que esse entendimento se atrofiou nos meses vividos no exterior." 

Não importa o destino dos veículos regionais, financiamento continua sendo uma dor de cabeça constante.


					Viktor Muchnik, editor-in-chief of Govorit NeMoskva.					 					Courtesy photo

Viktor Muchnik, editor-chefe do Govorit NeMoskva. Foto: Divulgação.

 

A realocação para o exterior frequentemente significa que as publicações se tornam dependentes de subsídios estrangeiros imprevisíveis. Enquanto isso, aquelas que permanecem na Rússia sofrem com o declínio da receita publicitária e do aumento dos custos do papel, impressão e distribuição causado pela ruptura da economia durante a guerra.

Para o Zvezda, da cidade de Perm, a queda na receita de anúncios relacionada à guerra fez com que o veículo fosse forçado a cortar a sua redação de 10 funcionários para apenas três.

"Eu disse às pessoas: 'sem ressentimentos, mas nós não conseguimos manter o mesmo nível de pagamento de antes', e as aconselhei a tomarem uma decisão sobre seu futuro", diz Khlopov. 

Porém, muitas equipes editoriais locais acreditam que têm o dever de continuar contando aos seus leitores se não o que está acontecendo na linha de frente, ao menos como a guerra atual na Ucrânia está mudando a Rússia. 

Alguns acreditam que o seu trabalho evita que alguns russos caiam na propagando pró-Kremlin.

"Muitos desses veículos [regionais] são tão próximos das pessoas e tão queridos por elas que um editor-chefe de um jornal local pode ter muito mais autoridade em uma cidade do que o prefeito", disse Lapenkov ao The Moscow Times

Govorit NeMoskva faz coro com a opinião de Lapenkov. Ele acredita que o jornalismo regional não só é importante hoje como vai ser fundamental para o processo de "reagrupamento" de uma Rússia nova e democrática quando o atual regime acabar.

"É importante ter uma conversa agora sobre interesses locais, quanto imposto estamos pagando aqui e agora, o que nós precisamos e o que nossos vizinhos precisam", diz Muchnik.

"Se tem uma coisa que é necessária na mídia [russa] hoje é, na minha opinião, jornalismo local."


Este artigo foi originalmente publicado no The Moscow Times e republicado na IJNet com permissão do autor.

Foto por Klaus Wright via Unsplash.