5 pontos-chave para cobrir temas ambientais relacionados à Europa e América Latina

Feb 18, 2025 em Jornalismo investigativo
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A Europa e a América Latina são dois continentes unidos por mais de cinco séculos de história não linear, conflitiva, cheia de tensões e idas e vindas. Atualmente, apesar do peso estratégico da América Latina para o Velho Continente ter diminuído em comparação com outras regiões do planeta, segundo especialistas, o volume de intercâmbio comercial, os vínculos políticos e sociais, a circulação legal e ilegal de mercadorias e a presença de interesses estrangeiros em diferentes territórios faz com que os assuntos relacionados com a Europa na América Latina e vice-versa claramente se mantenham na agenda e sejam mais que válidos. 

Por isso, reunimos a seguir algumas condições para se ter em conta ao fazer a cobertura desses assuntos, principalmente os de ordem ambiental. São pautas que começam em um lado do oceano e terminam — ou continuam — do outro, o que implica várias complexidades na hora de realizar a investigação jornalística.

1. Segurança em primeiro lugar

A famosa frase serve para insistir no essencial, que é a segurança. Fazer pautas de investigação que comprometem de fato ou potencialmente o interesse de empresas, inclusive transnacionais, com alianças locais mais ou menos sólidas e com o poder político e econômico ao seu lado, supõe níveis de risco elevados. Além disso, a América Latina é uma região altamente insegura para o jornalismo investigativo, principalmente aquele voltado para a proteção de recursos e do território. É essencial ter consciência de quais são os perigos antes, durante e depois da investigação e sua publicação. É preciso saber quais garantias o veículo para o qual você trabalha oferece (se for o caso), quais são os recursos materiais e legais ao seu alcance para você se proteger e minimizar vulnerabilidades, como reagir a situações que se pode prever e, sobretudo, identificar quais riscos é necessário correr.

2. Desregionalização

Em um mundo mais interconectado do que nunca, as cadeias de suprimentos são muito extensas e complexas. Isso faz com que variem bastante as condições que atravessam um produto em sua viagem desde o ponto de partida (a origem da matéria prima) até o consumidor: custos, preços, garantias, meios, suportes, riscos, regulações... Os bens percorrem um longo caminho antes de serem comercializados. Dessa forma, o papel produzido por uma empresa finlandesa pode sair de uma floresta uruguaia ou o couro usado em carros de luxo italianos pode ser de vacas que pastam no Paraguai. Cada elo dessas longas cadeias compreende custos e benefícios assimétricos, vazios legais e falta de transparência.

3. Distorções regulatórias

Cada Estado aplica leis próprias dentro do território demarcado por suas fronteiras. No caso da União Europeia, soma-se o fato de que, como um bloco, a região está sujeita a regulamentações válidas em todos os Estados-membros. No entanto, quando se trata de operações que ocorrem em países fora do bloco, a aplicação de leis, regulamentações e protocolos pode passar para um terreno menos firme. Há empresas europeias que operam em território americano sob condições que gerariam penalidades em seus países, mas que se beneficiam de vazios legais e da corrupção de autoridades locais. Por essa razão, uma reportagem em profundidade não pode abrir mão da consulta exaustiva de documentos, padrões e regulamentações às quais está sujeita a operação das empresas que são objeto da investigação nem das normas vigentes no território em questão. (Evidentemente, a questão jurídica não esgota a análise, visto que pode haver atividades protegidas por leis ou regulamentações que são injustas ou legítimas; mas essa é uma outra discussão.)

4. Assimetria temporal

Andrés Malamud, especialista em política internacional, aponta o fato de que a pauta ecológica na Europa é uma demanda pós-industrial, enquanto na América Latina é um fenômeno da força do crime organizado em uma realidade pós-industrial. Por outro lado, a Europa foi um continente historicamente turbulento até relativamente pouco tempo atrás. Até a metade do século XX, a região viveu guerras, fomes e genocídios. Oitenta anos depois, está à beira de uma guerra com a Rússia; já a América Latina é a região geopoliticamente mais estável do mundo, mesmo sendo economicamente turbulenta e politicamente instável.

5. Três assuntos do momento

  1. Nos últimos 20 anos, os EUA dispensaram grande parte das drogas importadas da América Latina. Assim, surgiram rotas de narcotráfico da América Latina para a Europa via África. O crime organizado representa uma nova conexão entre os dois continentes e uma ameaça mais complexa na medida que se ramifica e se torna mais sofisticado.
  2. O acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul foi finalmente assinado em dezembro de 2024, após 25 anos de negociações, mas ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos de ambos os blocos antes de entrar em vigor. O caminho não é simples: há críticas de alguns países, desde setores como o agrícola na Europa e o industrial na América do Sul. Estamos falando de uma zona de livre comércio de 700 milhões de pessoas. Em 2023,o intercâmbio comercial entre os dois blocos chegou a US$ 110 bilhões. O acordo abre um universo de temas — que pode ser ainda maior se ele for ratificado — para monitorar e investigar.
  3. Em anos anteriores, houve inspiração latino-americana em movimentos progressistas europeus que chegaram ao poder, como o Podemos. Agora, ao pensar nas ressonâncias atuais entre um lado e outro do Atlântico, destaca-se o efeito das direitas latino-americanas sobre o ambiente político da Europa, principalmente na Espanha, pelos seus vínculos particulares com a América Latina, marcados por uma comunidade linguística e uma herança cultural, além do laço mais forte: milhões de imigrantes latino-americanos estabelecidos na Península.

*Este artigo e os programas de intercâmbio e capacitação nos quais ele se baseia foram possíveis graças ao apoio do programa Professional Development for Environmental Journalism, parte do Earth Investigations Programme do Journalismfund Europe e do Fórum Pamela Howard da IJNet em espanhol. O trabalho foi organizado por Late, Mirada Colibrí e Ruido Photo.

Imagem por Beate Vogl via Pexels.