Site do Cazaquistão faz verificação de fatos em tempos de crise

Sep 8, 2022 em Reportagem de crise
Factcheck.kz

Invasão da Rússia à Ucrânia, protestos no Cazaquistão, revolução em Belarus. Eventos dessa magnitude geram sociedades mais polarizadas. 

Jornalistas por trás do projeto cazaque Factcheck.kz acreditam que esforços aprimorados para verificar fatos podem superar a polarização.

Baixo letramento de mídia no Cazaquistão 

O Factcheck.kz é a primeira iniciativa de checagem de fatos da Ásia Central. Sua história começou em 2014, após a Primavera Ucraniana. O jornalista e editor cazaque Adil Jalilov viajou até o país para presenciar com seus próprios olhos o que estava acontecendo. Quando voltou ao Cazaquistão, ficou chocado ao ver como as pessoas interpretaram os acontecimentos de um jeito totalmente diferente.

"Eu vi todo mundo brigando por causa do ocorrido. As manifestações na Ucrânia eram distantes, mas nós somos o quintal da Rússia, em certo sentido. Somos muito vulneráveis à propaganda russa, principalmente fora das grandes cidades", diz Jalilov.   

Sabendo que as baixas taxas de letramento de mídia são um problema no Cazaquistão, Jalilov buscou por um "farol no jornalismo": publicar fatos. Ao observar o método de verificação de fatos, percebeu que era exatamente o que precisava.   

"Sou um jornalista das antigas e hoje acho o jornalismo clássico chato. Gosto muito mais da verificação de fatos", diz Jalilov. "Todo mundo precisa de habilidades básicas de checagem de fatos. É como [saber como] escovar os dentes."

Jalilov trabalha no jornalismo desde meados dos anos 1990. Ele já foi chefe da publicação online Vlast e da plataforma de direitos humanos Voice of Central Asia. Hoje, comanda o centro de jornalismo internacional MediaNet e é fundador e diretor do Factcheck.kz.  

Para lançar o Factcheck.kz, Jalilov trabalhou em conjunto com outras redações e organizações de checagem de fatos internacionais. Ele também reuniu e treinou uma equipe editorial.  

"Os melhores especialistas nessa área na ex-União Soviética [trabalham] na Ucrânia e na Geórgia. Nós escolhemos uma redação ucraniana: a Stopfake, que organizou para nós uma série de reuniões com os principais verificadores de fatos", diz Jalilov.

Trabalhar sem um "protetor"

Não foi fácil conseguir financiamento para o Factcheck.kz, mas com a ajuda da Soros Foundation, o projeto foi lançado em março de 2017. 

"A primeira coisa que minha equipe fez foi perguntar qual eram os nossos limites: quem é intocável [na nossa cobertura]. Qualquer jornalista da era pós-soviética entenderia isso. Eu respondi: "vamos tentar não ter medo de ninguém", explica Jalilov. "Eles me perguntaram: 'isso é possível? Temos alguém conosco? [alguma organização para proteger contra pressões externas]' Eu disse: 'não, mas nós vamos fazer parte de uma rede internacional de verificação de fatos'".

International Fact-Checking Network (IFCN) é formada por algumas das melhores organizações de checagem de fatos do mundo, observa Jalilov. O Factcheck.kz é uma delas, apesar do perigo que envolve trabalhar no Cazaquistão. Os editores recebem cartas e telefonemas com ameaças. Durante a pandemia, grupos anti-vacina ameaçaram repetidamente incendiar a redação.

"Eu falo para todo mundo: somos parte de uma rede que inclui organizações do mundo todo e todas elas vão nos apoiar, incluindo o The Washington Post," diz Jalilov.

Expandindo a audiência

Em seu primeiro ano, o Factcheck.kz realizou mais de uma dúzia de oficinas em cidades do Cazaquistão, com lotação máxima. O veículo também treinou equipes editoriais em outros países da Ásia Central, incluindo Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão.

Atualmente, o projeto realiza pesquisas de opinião, oferece cursos de verificação de fatos e organiza sessões de treinamento com especialistas. A equipe editorial produz materiais sobre letramento de mídia para jovens estudantes e manuais para professores. O site inclui artigos que resumem sua metodologia de checagem de fatos.

"Às vezes eu recebo prints de conversas entre vizinhos em que as pessoas usam as nossas publicações como referência quando estão discutindo", diz Jalilov. "O parlamento também é um leitor ativo. Há pouco tempo nós descobrimos que os parlamentares parabenizam uns aos outros se o Factcheck.kz confirma que um parlamentar não cometeu nenhum erro em seu discurso." 

A audiência do site teve um pico durante a pandemia e chegou a receber até 200.000 visitas diárias. Hoje, o site tem entre 1,5 e 2 milhões de visitantes únicos mensais, além de 30.000 seguidores no Instagram e mais de 13.000 no Telegram. A publicação planeja parcerias com veículos menores do Cazaquistão para ampliar mais sua audiência.

O site é totalmente financiado por doadores que não têm ligação com o governo. "Não quero me tornar dependente. Não me iludo com o nosso presidente e governo autoritário, sob o qual a noção de liberdade de expressão perdeu totalmente seu valor", diz Jalilov. "Para eles, a mídia é uma ferramenta de propaganda."

Métodos de verificação de fatos

Jornalistas precisam ter cuidado especial quando trabalham em sociedades polarizadas. A verificação de fatos precisa e efetiva é especialmente necessária em cenários assim.

Um exemplo é a invasão da Rússia à Ucrânia. "Nós fizemos uma pesquisa com a empresa de monitoramento de opinião pública Demoscope e ficamos chocados: cerca de 70% dos cazaques aprovam a guerra. Percebemos que a propaganda russa afetou a percepção de mundo das pessoas em um grau catastrófico", diz Jalilov.

Para impulsionar a checagem de fatos, jornalistas podem usar motores de busca para verificar texto, fotos, vídeos e links. "Jornalistas usam apenas metade do poder dos sites de busca. Você precisa saber como ajustar esses sistemas e usá-los para além da busca avançada. Não use só o Google; em alguns casos, o Yandex e outros sistemas ajudam muito", diz Jalilov. 

Jornalistas também podem tirar proveito de novas ferramentas para detectar deepfakes e vídeos adulterados, além de serviços que medem alcance e engajamento de audiência. Um exemplo é a ferramenta de análise de conteúdo Popsters.  

"Imagine que uma notícia foi divulgada. Você encontra a conta que publicou primeiro a informação usando um motor de busca. Você verifica o alcance e engajamento da conta e faz uma lista de possíveis seguidores que espalharam a informação. Você pode ver se isso aconteceu artificialmente checando o horário da publicação; pode ser falsa se várias fontes divulgaram a informação, por exemplo, às nove da manhã", explica Jalilov. 

Ele acrescenta que essas ferramentas são bem básicas, e quando usadas em conjunto podem ser muito efetivas. "É importante não só buscar uma imagem ou vídeo, mas verificar o horário da publicação. É importante ser capaz de analisar arquivos multimídia. É importante saber dizer se um editor de imagens foi usado e entender a lógica por trás dele, o que exatamente estavam tentando alterar."

Por fim, use formas simples de verificação quando possível. "Uma vez me perguntaram sobre um objeto desconhecido instalado no teto de um prédio aqui perto. Eu tirei uma foto e fiz uma busca de imagem no Google. Era uma estação básica de 5G", explica.

“Colocamos a verificação de fatos na moda outra vez”

Com relação ao acontecimentos no Cazaquistão em janeiro de 2022, Javilov está convencido de que eles provocaram grandes mudanças no país. Tudo começou com protestos, seguidos por violência nas ruas e violência policial.

"Os acontecimentos de janeiro — abomináveis, sangrentos, incompreensíveis — mudaram muito as coisas no país. Muitas pessoas foram baleadas, crianças foram mortas dentro de carros. Teve o caso de uma menina que tinha sete marcas de tiros", diz Javilov.

Mas algo mais fundamental mudou também. As pessoas não querem mais viver como antes. Elas exigiram mais liberdade. Isso é um desafio para verificadores de fatos: os leitores entram em contato com mais frequência com pedidos de verificação de informação em assuntos controversos", observa Jalilov. "Entendemos que nossa missão é assegurar que a lógica triunfe sobre a emoção e que as pessoas pensem direito." 

Quando lançou o Factchek.kz, Jalilov compartilhou sua missão de unir falantes de russo e cazaque. "Espero que tenhamos nos tornado um farol, um ponto de referência para muitos veículos. Se rotulamos algo como verdade ou manipulação, as pessoas confiam em nós", diz Jalilov. "Abrimos uma janela para o mundo civilizado da verificação de fatos — definimos as bases e colocamos a checagem de fatos na moda outra vez."


Imagem: captura de tela da página inicial do Factcheck.kz.

Este artigo foi originalmente publicado no nosso site em russo.