A expansão e atuação da Rede de Jornalistas Pretos

27 juil 2025 dans Diversidade e Inclusão
Diversidade

Tudo começou com um grupo no Whatsapp. O mesmo lugar demonizado por abrigar grupos de desinformação da extrema direita foi o ponto de partida há seis anos para a jornalista Marcelle Chagas reunir colegas em torno da diversidade nas redações e colaboração entre jornalistas negros. “Eu passei por redações, rádio Roquette Pinto, fui apresentadora, diretora executiva. Ficava olhando em volta e dizendo gente, não tem ninguém parecida comigo”. 


Lugar de desabafo e solidariedade

Em pouco tempo o grupo contava com 200 pessoas negras. “A gente via muito pessoas buscando recolocação com currículo ótimo, com experiência. Perguntas sobre o quanto cobrar e sobre a falta de investimento no negócio jornalístico. Colegas que não tinham dinheiro para manutenção de sites, colegas passando necessidade e denúncias de racismo”, explica Chagas. 


O grupo era um lugar de desabafo seguro para troca de experiências e apoio. “Eu mesma já fui vítima de racismo em plena Sapucaí, no carnaval. Imagina, um lugar supostamente democrático”. Ela conta ser a única jornalista em que os seguranças ficaram todos os dias de desfile cobrando o crachá e questionando a presença dela ali. “No último dia, o cara me barrou de novo. E a lágrima caiu. Eu entrei chorando, tive que ir para o banheiro. É o tipo de situação que você sabe o nome e ser resiliente não é suficiente”, conta Chagas.


Do Whatsapp para ONG

Mas o espaço no WhatsApp ficou pequeno para os projetos que fervilhavam na cabeça de Marcelle Chagas e assim o grupo passou a atuar como uma organização não-governamental: a Rede de Jornalistas Pretos pela Diversidade na Comunicação, uma comunidade com conexões e intercâmbios com países como França, Moçambique e Libéria.  “A gente organizou investimento em educação, como por exemplo, preparação de currículo, bolsa de telejornalismo, e temos nossa mídia, espaço para mostrar o trabalho de jornalistas negros”. 

Curso
Curso da Rede JP em parceria com a UFRJ


Manual de Boas Práticas Antirracistas

Entre os marcos da Rede, o mais recente foi o lançamento do Manual de Boas Práticas Antirracistas, gratuito e que pode ser adquirido online. “O manual faz parte do nosso olhar de educação, quando começamos a pensar que alguns termos estavam sendo modificados da sua origem no contexto digital”, explica Chagas. “A gente fala sobre condutas, palavras e ferramentas. Inclusive, é um material para levar a reflexão e em constante discussão, que provavelmente vai ganhar outras edições. Ele foi criado para ser rápido, de fácil leitura”.


Segundo Chagas, o manual vem num momento importante de discussão do contexto digital que reproduz tantas desigualdades. “Vimos recentemente organizações abrindo mão das questões de diversidade, as big techs analisando o que é preciso filtrar, a gente vê um período muito conturbado. Então a gente lança esse projeto, que já vem de uma construção, num momento importante”. 


Num Brasil com baixo número de professores negros nas universidades, o testemunho de que professores universitários estão usando o manual criado pela Rede de Jornalistas Pretos tem deixado a equipe orgulhosa. “É importante os professores brancos fazerem parte deste trabalho”, pontua Marcelle. Os organizadores destacam que embora seja uma visão antirracista, o material não é só para pessoas negras, mas para ser consumido de forma geral.


Comunihub – um LinkedIn especial

Além do Manual, a rede pensou como co-criar materiais e co-criar ações e por isso montou recentemente a plataforma Comunihub – que funciona num ambiente em que o jornalista negro consegue trabalhar de forma mais objetiva. “A gente consegue refinar a busca por jornalistas próximos e de perfis de entrevistados. A pessoa que participa consegue ter um perfil profissional para se cadastrar e enviar para empresas, além de se conectar com outros jornalistas negros para conseguir mostrar seu trabalho. Uma espécie de Linkedin próprio”, explica Chagas.

Premio
Premiação Mais Admirados Jornalistas: Flávio Carranca, Valdice Gomes, Fábio Soares, Katia Brasil e Marcelle Chagas


Fortalecimento de narrativas negras

Além disso, Chagas foi a responsável pela criação do GriôTech, um projeto digital desenvolvido pelo Instituto Peregum e colaboração da Mozilla Foundation, que busca potencializar narrativas negras e fortalecer a presença de tecnologias centradas em justiça racial. A intenção é promover a equidade digital, a soberania tecnológica e a justiça racial no ecossistema digital.

A questão da visibilidade é uma constante preocupação: através de ações como premiação para trabalhos de jornalistas negros e de valorização dos profissionais. O último pilar que a Rede fortaleceu foi o de advogacy, para políticas públicas junto ao governo federal.

Ainda no próximo mês será lançada a iniciativa REPCONE, dentro do ComuniHub. Apoiado pelo Fundo ELAS+ e também em parceria com a Mozilla Foundation, o projeto vai promover ações de cibersegurança, formação e resposta rápida a ataques digitais voltados a comunicadoras negras e periféricas em toda a América Latina.

O próximo projeto já está na mesa de discussão: desenvolver um guia de saúde mental. "Ainda temos muitos planos", garante Chagas.


Foto: Canva