Jornalistas moçambicanas: a luta para quebrar estereótipos de gênero nas redações

May 5, 2025 em Diversidade e Inclusão
Radialista

Um relatório sobre gênero na mídia em Moçambique, da organização não-governamental H2N, publicado em 2023, aponta que a presença feminina nas redações estagnou em 27% de mulheres e 73% de homens, sendo a imprensa escrita a que tem menos mulheres.

“Nós fizemos uma análise que cobria 60 órgãos de mídias no país. É um número grande e o resultado foi assustador. As mulheres quase não estão, e se elas não estão muito bem representadas,  as suas vozes não são ouvidas. Não só ao nível da mídia como tal, mas o que a mídia vai reportar”, diz Sheynise Musé, coordenadora da H2N.

As mulheres moçambicanas têm que lidar com a batalha da invisibilidade por conta das barreiras históricas e culturais. E inseridas em um ambiente político complicado, o papel delas se tornou crucial na promoção dos direitos humanos e da transparência em vários níveis. É preciso enaltecer o esforço das jornalistas moçambicanas que mesmo com os desafios diários da profissão, conseguiram se destacar e se esforçam em abrir caminhos para as futuras gerações de jornalistas mulheres.

Preconceito que começa em casa

Rosa Nguane, é um dos exemplos de jornalistas moçambicanas de sucesso. Com experiência de mais de 40 anos, ela se destaca como uma das poucas dentro do jornalismo esportivo do país. E passou por preconceito até dentro de casa no início da profissão: "Eu quando disse ao meu pai que queria ser jornalista ele disse que era profissão de brincadeira e perguntou se eu não queria ser bancária, engenheira agrônoma, mas eu insisti e ele me apoiou. Mas a coisa piorou quando eu decidi ser jornalista esportiva, que é a minha especialidade”.

Conceição Matende é jornalista da Rádio Alemã DW e também lidou com o preconceito por parte da família. “O jornalismo naturalmente não obedece horários, e muitas vezes você deixa filhos e marido para ir pra rua, por isso, em algum momento a nossa família tem preconceito. Ainda há quem diga que o jornalismo não foi feito para mulheres, mas já estamos a quebrar estas barreiras.”

A batalha pela equidade de gênero

O trabalho em campo nunca foi tranquilo para Nguane. "Quando comecei era um pouco estranho, porque como jornalista esportiva frequentava muitos lugares onde só haviam homens. E quando eu chegava tinha sempre um que dizia para os outros se vestirem porque estava vindo uma mulher", lembra ela. E tinha ainda o trabalho de convencer as mulheres atletas a darem entrevista. "Eu achava absurdo querer falar sobre o desempenho de uma atleta, mas ter que falar com o treinador”.

Ela se entristece de ver tantos casos de assédio, inclusive sexual, que as repórteres sofrem ainda hoje.  "As meninas que querem ser jornalistas tem que ultrapassar muitos e ferozes obstáculos e depois têm que trabalhar o dobro que os homens para serem reconhecidas”, diz. Atualmente, Nguane trabalha na Agência de Informação de Moçambique e faz um trabalho de apoiar jovens jornalistas em Nampula, norte do país, que enfrentam barreiras de gênero para ingressar na profissão.

O discurso de Nguane é sempre o de encorajar as mulheres. “O jornalismo é uma atividade que requer sensibilidade, capacidade de compaixão, pensar e sentir pelo outro e entender as emoções do próximo e essas qualidades e virtudes encontramos nas mulheres". 

A batalha pela pauta

Matende considera que mesmo as mulheres que têm hoje mais espaço nas redações de Moçambique, estão constantemente em teste. "Ainda que sejamos competentes e capacitadas, temos  sempre que provar que somos. Por exemplo, na reunião de pauta temos que apresentar propostas mais convincentes do que as dos homens para que sejamos confiadas a coberturas quer sejam de sociedade ou de política”.

Nguane considera que a situação está um pouco melhor, mas se lembra bem como era injusta a distribuição de pautas quando começou na profissão. "Os assuntos das crianças, dos órfaos e mulheres, isso ficava para as repórteres. Enquanto que assuntos de economia, finanças, política, isso era assunto para os homens", diz ela. "Então a nossa guerra sempre foi conseguir ter oportunidade e mostrar que somos capazes de escrever uma história sobre política, economia e desporto, e não ficar conformadas”.

As vozes das que não têm voz

“Nós as mulheres jornalistas somos vozes das que não têm voz. Então também com jornalistas fazemos advocacia para os direitos e proteção das meninas e mulheres que são um grupo vulnerável no país", explica Ângela Fonseca, jornalista investigativa e especialista em gênero. "A de se notar que a medida que aumentou o número de mulheres jornalistas, começou também a ganhar importância pautas como casamentos prematuros, violência baseada no gênero e educação de meninas".

Segundo Fonseca, o jornalismo de gênero em Moçambique abriu espaço para que os homens também falem sobre os assuntos das mulheres. “Hoje a mídia aborda muitos temas sobre mulheres, o acesso ao emprego, a violência baseada no gênero, empreendedorismo, a questão das doenças ginecológicas, a participação política das mulheres", celebra Fonseca. "Antes isso era impossível porque nós, as mulheres, não estávamos lá para falar e, ainda que estivéssemos, éramos muito poucas e sem capacidade para influenciar as nossas demandas”.

O caminho da igualdade

Segundo Musé, para ultrapassar as desigualdades de oportunidades na mídia, o país precisa despertar e passar a olhar para os desafios das mulheres com maior atenção. Há necessidade urgente de políticas e práticas nas redações que aumentem oportunidades de emprego para mulheres e a implementação de programas de formação que visem quebrar esteriótipos. 

"As redações devem ter políticas contra o assédio sexual e garantia de uma ambiente seguro para as mulheres e que as denúncias de crimes sexuais tenham segmento e desfecho”, diz Musé.  "Sonho em ver as mulheres nas redações ocuparem espaços de liderança sem que sofram qualquer influência da figura masculina", complementa Fonseca.


Foto: Canva