Comunicação da pandemia exige união de esforços e mensagens direcionadas aos diferentes públicos, concluem especialistas

Автор Marina Monzillo
Mar 22, 2021 в Reportagem sobre COVID-19
Sinal na rua dizendo "Coronavírus, previna-se"

Em parceria com a nossa organização-matriz, o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês), a IJNet está conectando jornalistas com especialistas em saúde e líderes de redação por meio de uma série de seminários online sobre COVID-19. A série faz parte do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde do ICFJ.

Este artigo é parte de nossa cobertura online sobre COVID-19. Para ver mais recursos, clique aqui.


“Rumo aos 3 mil mortos por dia: o que mais podemos fazer?”, o tema do webinar do Fórum de Reportagem sobre a Crise Global de Saúde, que marcou um ano de pandemia de COVID-19 no Brasil refletiu a situação crítica que o país se encontra. O evento, realizado em 17 de março, entretanto, trouxe uma mensagem de perseverança e analisou o trabalho de comunicação feito por jornalistas e divulgadores científicos até aqui e como ele pode melhorar e impactar mais a população na hora da avaliação dos riscos e tomadas de decisão. 

Para debater, foram convidados: Gabriel Alves, jornalista, colaborador da Folha de S.Paulo e biomédico e doutor em ciências pela Unifesp; Larissa Reis, doutoranda em genética e biologia molecular pela UFRGS e divulgadora científica pela Rede Análise COVID-19 e da União Pró-Vacina; Luisa Massarani, jornalista e pesquisadora em divulgação científica e coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública em Ciência e Tecnologia (Fiocruz); e Mary-Jane Spink, doutora em psicologia social pela Universidade de Londres e professora da PUC-SP. 

 

 

Veja a seguir os principais pontos da conversa. 

Balanço da cobertura jornalística 

  • Alves abriu a conversa dando sua opinião sobre o que foi feito em termos de cobertura de imprensa ao longo do último ano. “Minha avaliação é positiva. Existe o bom e o mau jornalismo, mas conseguimos fazer muita coisa importante. No começo da pandemia, com os casos na China e Itália, já se via o debate nos jornais de como seria quando [a COVID-19] chegasse ao Brasil; não havia outro espaço onde essa discussão acontecesse de forma pública”, disse ele, que também lembrou das reportagens que explicavam o fenômeno exponencial da transmissão do vírus e a importância de conter o avanço dos casos naquele primeiro momento. “Falamos muito sobre como se projetava o futuro, hidroxicloroquina, azitromicina, tratamento precoce, o que tem ciência por trás, o que não tem, o que falta. Houve um esforço enorme que funcionou bem. Apesar do malabarismo feito pelo governo federal para esconder os dados das mortes, foi um consórcio de veículos de imprensa, de grupos diferentes, que se juntou e começou a dar luz e deixar isso uniformizado”, comentou. O jornalista, entretanto, chamou a atenção de que há pontos a melhorar, como a maneira de fazer a informação chegar a certos públicos. “Tentar penetrar a casca que, às vezes, as pessoas carregam por ideologia política ou outras.”  

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  • Massarani disse considerar complexa a questão de “penetrar a casca” da população. Ela, que participa de estudos relacionados à circulação do conhecimento, destacou aspectos importantes. “Tem o próprio ritmo da ciência. Quando o vírus chegou, havia desconhecimento da própria ciência e, ao mesmo tempo, uma produção de artigos imensa. Os pré-prints ganharam uma presença imensa. Como o jornalista fala de um pré-print, que é fundamental, mas tem uma série de incertezas?”, indagou. A jornalista e pesquisadora também comentou sobre a confusão causada pela politização da discussão. “Não dá para dizer que, na cobertura de ciência, não se fala de política. Não existe isso. Penetrar a casca, é claro que a gente quer, mas temos de entender que as pessoas estão nessa confusão de informações e que, muitas vezes, elas não são necessariamente contra as vacinas, a percepção delas está mais complexa.” 

  • Reis apresentou como positivos o esforço dos jornalistas de buscarem cientistas e divulgadores científicos para falarem na mídia, dando espaço para eles, e também a aproximação da ciência com a população durante este período: “Foi um movimento nunca visto antes, de cientistas saírem de seus laboratórios e irem para a divulgação. Essa aproximação deve ser um dos alicerces da nossa sociedade”. Por outro lado, ela falou sobre o jornalismo predatório, da  pressa em divulgar informações que, muitas vezes, são fruto de trabalhos não revisados. “Veiculam como verdade absoluta. Como as paradas estratégicas da vacinação. Causam estranhamento e reforçam o negacionismo, mas é o contrário, mostram a transparência do processo”, disse. “Às vezes, o jornalismo tem de dar um passo atrás e segurar a maneira que vai noticiar isso, porque causa um estrago no trabalho de divulgação científica que estamos tentando fazer.”

  • Spink contribuiu analisando que a casca de um jovem de 18 anos que está louco para sair e ir à balada é muito diferente da casca de um bolsonarista que, por razões políticas, se recusa a tomar vacina. “Uma mensagem não pode ser homogênea, servir pra todo mundo, teria que descer aos grupos específicos que a gente quer convencer. A gente fez isso na prevenção da Aids, muito bem; temos esse know how”, falou. “E tem de descer pra vida real, envolver lideranças comunitárias, psicólogos sociais. Os jornalistas e os divulgadores não dão conta dessa complexidade. É preciso juntar forças com a comunidade.” 

Públicos diferentes, mensagens específicas

  • Alves afirmou que targeting é um conceito comum no marketing, mas o jornalismo não aprendeu a fazer tão bem isso. “É um desafio. Na internet, o que dá pra saber é se a pessoa clicou e quanto tempo ficou na página. Com essa limitação, produzir conteúdo requer empatia. Como a maior parte do público vai se beneficiar dessa mensagem, qual a dor dele?”, comentou. Para o jornalista, o ofício ainda tem muito de arte. “Arte no sentido de construir sua obra. Você não tem todas as informações possíveis, testes sobre em qual caminho o leitor vai sair mais bem informado”, explicou. Massarani completou falando que, na comunicação, a intenção é muito diferente da recepção e a variedade de formatos de conteúdo é importante para atingir as diferentes audiências. 

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  • Reis contou que a Rede Análise COVID-19 tem mais de 70 pesquisadores voluntários do Brasil todo, pessoas da química, da física, do direito, da psicologia, diferentes áreas que conseguem, segundo ela, trazer sua visão e ajudar a furar um pouco a bolha. “A gente não consegue atingir todos os públicos, somos cientistas, temos uma linguagem mais acadêmica, apesar de estarmos sempre em processo de desconstrução, mas acabamos atraindo quem minimamente tem interesse em ciência, saúde. Atingir quem mais precisa, os mais vulneráveis, quem não tem celular e internet, é difícil. E isso vem de encontro com as estratégias governamentais ou a falta delas, já que a pandemia foi diminuída e negligenciada.”  

Caminhos para melhorar a comunicação

  • Spink explicou que a maneira de melhorar a comunicação não é só entender de ciência, mas compreender o impacto que tudo isso está tendo na vida pessoal e saúde mental da população. “Tem uma questão importante é a hierarquia de riscos, e aí entra o fator econômico, obviamente. Qual é o maior risco, não conseguir dinheiro para viver ou se expor ao SARS-CoV-2?  Para a psicóloga, lidar com a hierarquia de riscos é tentar minimizar o risco, promover medidas de proteção. 

  • Cada um dos participantes resumiu os caminhos que enxergam para aprimorar a comunicação com a população. “É importante tentar desmentir os boatos e não confundir isso com questionamentos da ciência, que tem uma maneira própria de ser produzida, verificada e comprovada. Quando for comunicar, tem de ser muito honesto sobre o grau de evidências”, contribuiu Alves. Massarani mencionou persistência, união de esforços e finalizou com uma frase do Barão de Itararé: “O Brasil é feito por nós, então vamos desatar os nós”.  Reis trouxe a importância dos investimentos perenes em educação, ciência e tecnologia, não apenas quando a bomba estoura. E Spink concluiu que enquanto o público for passivo, dificilmente atingiremos o objetivo de divulgar ciência. “Precisamos tentar transformar o receptor de passivo para partícipe nesse processo todo,” disse.


Marina Monzillo é jornalista freelancer com 20 anos de experiência em diversas áreas, como cultura, turismo, saúde, educação e negócios

Imagem sob licença CC no Unsplash por Nathana Rebouças