A culpa é do estagiário?

Автор Karol Bandeira
Mar 28, 2022 в Jornalismo básico
Estagiária e dois chefes

O estágio representa, na maioria das vezes, o primeiro contato com a carreira profissional. Mas em uma redação de jornal, o papel do estagiário vai muito além do previsto no contrato e diversos jornalistas em formação ficam no escuro e precisam desvendar por conta própria como colocar em prática o que é aprendido em sala de aula. 

Prova de fogo

João Carlos Teles, por exemplo, foi um dos muitos estudantes de jornalismo pegos de surpresa no primeiro contato prático com a profissão. Na experiência inaugural como estagiário na redação do Jornal de Brasília, Teles conta que, pouco tempo após a contratação, se viu assumindo as funções de um repórter. “Pensei: caramba, eu e o jornalista que está do meu lado estamos fazendo a mesma coisa. A diferença é que só tenho dois meses de experiência, e ele anos”, lembra o graduando. 

Atualmente, na Rede Globo Brasília, Teles se sente bem mais preparado para fazer o que é exigido pelos superiores. Com três anos de experiência em quatro redações, o estagiário destaca que, apesar de cada uma ter suas particularidades, todas têm algo em comum: são ambientes propícios para o aprendizado e que permitem erros. “Uma redação definitivamente não é um escritório. Nós conversamos e aprendemos juntos", avalia Teles. "Para nós, estudantes, o clima de redação é sensacional. Eu consigo ver o que o jornalista está fazendo e como ele trabalha, posso me inspirar e aprender com ele.”

Há mais de dez anos trabalhando como jornalista, o repórter da Folha de S. Paulo Matheus Teixeira lembra como se fosse ontem dos sufocos que passou como estagiário no Correio Braziliense. Sufocos, para ele, necessários e que contribuíram para sua formação profissional. 

Aprender sobre abordagem

Teixeira conta que o jornal publicava todos os dias um obituário de falecidos da cidade – que ficava a cargo dos estudantes. “Tinham semanas em que eu ia todo santo dia ao cemitério abordar pessoas que estavam enterrando seus familiares e amigos para fazer o obituário”, diz Teixeira. A presença dele, na maioria das vezes, não era bem recebida pelos familiares enlutados. Alguns ficavam irritados com a ‘insensibilidade’. “Esta função acabou me ajudando muito na técnica de abordagem”, diz Teixeira.

Para o ex-responsável pela seção do obituário, é “imprescindível” ter contato com a redação como estagiário. “É no estágio que você aprende muito com os profissionais mais velhos, é no estágio que você conhece profissionais que podem te indicar futuramente e é no estágio que você vai viver uma redação de jornal e vai ter certeza se é isso que quer.”

Buscar fazer a diferença

O processo no início pode ser chato. Afinal, o estagiário pode ter que escrever e cobrir o que não gosta. Para Teles, neste momento é importante que o estudante consiga achar uma brecha para fazer a diferença. “Faça o exercício de ser um jornalista como os outros jornalistas contratados pela redação. Leve sugestão de pautas para a reunião, se coloque à disposição para fazer uma entrevista e outras atividades”, aconselha o estagiário aos novatos. 

A estudante de jornalismo Ana Clara Alves concorda com o colega que a chave é ser proativo. Para Alves, estagiária da Globo desde 2020, o estágio é um momento especial que os futuros jornalistas têm para errar, aprender e se desenvolver e, por isso, é necessário ousar e mostrar vontade de somar ao ambiente. “Vontade de aprender e se renovar é importante. Mesmo que a redação seja ‘quadradona’, você pode ser um diferencial e ir para acrescentar naquele ambiente.”

Hoje, com mais experiência, Teles gostaria que tivessem contado a ele lá atrás que o estagiário de jornalismo não faz o que idealizou na faculdade – e está tudo bem! Afinal, é importante ter calma, respeitar o processo e tentar extrair todo o conhecimento que o jornal pode oferecer. “Ficar só fazendo notinha é super chato, mas no começo é o que você vai fazer”, diz o estudante. 

O que as redações querem

Se você tiver a chance de passar por uma redação durante a faculdade de jornalismo, agarre-a. Mesmo que a vontade não seja trabalhar em uma futuramente. A dica vale, inclusive, para os estudantes interessados em assessoria de comunicação. Você precisa saber como funciona o outro lado da profissão e como é a rotina das pessoas que vão lhe abordar futuramente.

Quase formada, Alves acredita que os estudantes que não têm essa experiência chegam mais crus ao mercado. No estágio, aprendemos a lidar com a pressão do dia a dia e nos adaptamos ao funcionamento de um veículo. “A gente fica mais confiante para o mercado de trabalho e mais focado a encarar os desafios”, fala. 

“Os bons jornalistas precisam, mais do que escrever um bom texto, ser bons com o olhar”, falou um professor da universidade a Teles. A frase marcou o estudante.  Ele considera que as redações buscam pessoas que saibam enxergar as pautas. “O que as redações querem hoje são pessoas versáteis, que tenham um alcance especial do que pode se tornar uma boa matéria”, explica Teles.

Teixeira, repórter da Folha, ressalta ainda a importância de estar interessado, ser curioso, antenado e, claro, estar bem informado. “O básico de um bom jornalista é estar por dentro do que está acontecendo”, ressalta o profissional. “A grande dica é ser uma pessoa disposta porque para se destacar, tem que estar disponível.” A disposição é praticamente um consenso. Se você quer trabalhar em uma redação, tem que estar ciente de que jornalistas extrapolam o horário muitas vezes. Este detalhe, para Teixeira, é algo que muitos jornais observam antes da contratação. 

Minha experiência

Há pouco tempo faço estágio no jornal Metrópoles, em Brasília. Antes dele, passei um ano e seis meses na redação do Correio Braziliense, onde comecei cobrindo Serviço Público e depois transitei por diversas editorias. Diferentemente da experiência de Teles, que foi colocado à prova como se fosse um jornalista experiente, eu me frustrei um pouco no primeiro estágio justamente por não ter sido mais testada. 

Em Serviço Público e Concursos, me sentia muito presa ao mesmo assunto. Não é sempre que seus chefes vão deixar você dar pitaco nas pautas ou lhe dar liberdade para se aventurar na escrita. Até porque as matérias precisam estar de acordo com a linguagem do jornal e talvez eles não considerem que você tenha esta noção. Ao passar por Diversão e Arte, senti que tinha menos credibilidade ainda. Escrevia, enfim, sobre algo que gosto, mas com direito a fazer apenas uma notinha após a outra. Se tivessem me dado mais confiança, teria chegado bem mais preparada nas outras editorias. Fica de aprendizado – afinal, é sobre isso que falamos durante todo o texto, né?