De um lado, empresas e jornalistas experientes reclamam de estudantes que não estão preparados para as novas rotinas das redações digitais. Por outro, os alunos querem experiências reais e professores que estejam vivenciando as novas ferramentas de trabalho do mundo online. E no meio de tudo isso surge a pandemia, com a adoção do estudo remoto. Os dois lados têm suas razões. Mas será que falta uma ligação maior entre estes pontos para que o jornalismo possa contar com profissionais mais preparados para o mercado?
Agravamento com a pandemia
As aulas presenciais foram substituídas pela online e, somado a tantas outras questões, o relacionamento pessoal ficou prejudicado. É o que diz Luiz Couto, no terceiro período da Universidade Veiga de Almeida - UVA, no Rio de Janeiro. “Em função da pandemia, sinto falta de uma maior interação entre colegas e professores, tanto na amizade e networking, como de aprendizagem”, diz Couto.
O estudante Guilherme Freling, no quarto período da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), considera que o estudo remoto por causa da pandemia dificulta até mesmo uma avaliação melhor do que os professores podem oferecer como aprendizado.
Estudantes precisam ler mais
Guilherme não descarta a responsabilidade do estudante nesse processo entre o estudo e a parte prática do jornalismo. “Observo que os estudantes consomem pouco conteúdo jornalístico, lendo pouco jornal, vendo poucos programas de TV, escutando pouco rádio e isso acaba influenciando e gerando discussões que são focadas em temas muito abstratos, diferente do que imaginava", diz Freling. "Queria algo mais concreto e no que acontece no dia a dia de uma redação”.
O estudante Adriano Cornélio, da Faculdade Pinheiro Guimarães (RJ), também sente falta de mais engajamento por parte dos estudantes. "Sinto falta dos centros acadêmicos de estudos e a observo falta de interesse de alguns alunos em buscar mais conhecimento para complementar e agregar o ensino superior".
Daniela Oliveira, professora de graduação e coordenadora a Agência UVA, confirma a opinião dos dois estudantes. “Eles têm pouca experiência com leitura, leem pouco. Precisam ler não só livros, mas consumir veículos jornalísticos. Onde já se viu jornalista que não consome notícia? Leitura e escrita têm que andar de mãos dadas”, reforçou.
Fernando Ewerton, coordenador do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta que essa fragilidade e dificuldade são oriundas do ensino médio. “Erros de concordância, construção de frases, ortografia etc são dificuldades estruturais na educação brasileira e tentamos corrigir na Universidade. O uso correto do idioma é a base do jornalismo”.
Mudança na grade curricular
Mudanças na grade curricular já foram adotadas em algumas universidades, para melhorar a formação dos alunos. Fernando Ewerton explica que na UFRJ o currículo do bacharelado de Jornalismo foi separado da Comunicação Social, a partir de 2019. “No ano seguinte à mudança, tivemos que suspender as aulas presenciais em função da pandemia, então é difícil avaliar”.
Segundo Ewerton, relatos de professores mostram que a mudança vem se apresentando como positiva, pela inclusão de aulas de jornalismo desde o primeiro semestre. Na visão do coordenador, turmas que passaram para esse formato já apresentam algumas características positivas. “O novo currículo vai possibilitar uma formação mais completa, com um novo conjunto de ferramentas e oportunidades”.
Para Oliveira, muitos cursos – por exigência do MEC – são focados no jornalismo clássico. “Por um lado é ótimo, mas o mercado mudou por conta da revolução que a cultura digital trouxe para a nossa área profissional. Em função do mercado, muitos egressos acabam trabalhando com produção de conteúdo para marcas, comunicação corporativa, marketing on e off line, branding, RP etc”.
Maria Paula Moreira, que cursa jornalismo na Universidade Federal de Goiás (UFG), acredita que é preciso adaptação e mudanças na grade curricular por causa das novas tecnologias. “Na Faculdade ainda temos matérias obrigatórias, como jornalismo impresso, que foi incluída em outra época em que esse formato era popular. Não acho que deveria ser excluída, mas era importante sair da grade obrigatória", diz Moreira. "Por outro lado, ver que o webjornalismo passou a ser uma matéria que tem que ser cursada vai de encontro ao contexto atual, com a era da informação digital”.
O que falta?
Universidades privadas e públicas estão buscando alternativas e sinalizando os problemas na formação. Ivana Bentes, professora e pesquisadora da Escola de Comunicação e do programa de pós-graduação da UFRJ, acredita que um dos grandes problemas do ensino de jornalismo, atualmente, é a falta de conhecimento na ciência de dados, análise e interpretação de algoritmos de conteúdo e redes sociais. E aponta o jornalismo investigativo como uma área que precisa de mais atenção. “Tudo que diz respeito a esse campo do jornalismo de dados na produção de conteúdo é relevante. São ferramentas imprescindíveis. Precisamos de laboratórios nesta área e uma escola voltada a este campo”.
Para Ewerton, são muitas ofertas de tecnologia no mercado e é preciso se familiarizar com as mais diferentes plataformas e novas linguagens. “É um grande desafio que a tecnologia trouxe e têm impacto na formação dos estudantes”.
Alguns projetos em andamento, como o da Agência UVA, através de parcerias com empresas, buscam levar o mundo real para dentro da sala de aula. O estudante Luiz Couto, que participa do projeto, disse que expandiu seus horizontes, percebendo como é o ritmo real do trabalho e o dia a dia do jornalista. Freling, por exemplo, contou que só aprendeu o que era realmente uma reunião de pauta quando participou de uma. “Cheguei na reunião com uma ideia, mas vi que apresentar uma pauta era muito além disso”.
Para Leda Costa, professora adjunta da Unicarioca e professora de programa de pós-graduação da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), este dois mundos precisam dialogar mais. “É preciso preparar o aluno para o atual momento do mercado, mas, dentro da graduação, também é necessário que a formação possa proporcionar um desenvolvimento de um senso crítico”. Ela explica que é preciso conciliar a formação profissional e humana. “Existe uma crença de que existe pouca dedicação dos alunos, mas nessa hora o professor precisa perguntar a eles o porquê disso”, avalia a professora.
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