Jornalistas trans lamentam poucas pautas para além do “mês da visibilidade” 

Автор Fabio Leon
Feb 8, 2022 в Diversidade e Inclusão
Mão com a bandeira trans

Dia 29 de janeiro é comemorado o Dia Nacional da Visibilidade Trans no Brasil. A data tem como objetivo promover reflexões sobre a cidadania das pessoas travestis, transexuais (homens e mulheres trans) e não-binárias (que não se reconhecem nem como homens nem como mulheres). A transfobia (aversão ou discriminação contra a população trans) é uma realidade cruel, que leva pessoas trans a abandonarem os estudos e enfrentarem dificuldades de inserção no mercado de trabalho, por exemplo.  

Entretanto, jornalistas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+ têm demonstrado um misto de preocupação e insatisfação à quase inexistência de pautas, debates, iniciativas e/ou projetos midiáticos que extrapolem o mês de janeiro. Para eles, perdem-se oportunidades para discutir a consolidação de soluções ou políticas públicas que deveriam ser permanentes.

O jornalista Caê Vasconcelos possui textos publicados no site jornalístico Ponte Jornalismo, não apenas focando questões de transgeneridade, mas também abordando temáticas ligadas à Segurança Pública e ao Sistema de Justiça. Hoje faz parte da assessoria de imprensa da Companhia das Letras. Homem trans, bissexual e cria da periferia zona norte da cidade de São Paulo, é autor do livro-reportagem "Transrresistência: Pessoas trans no mercado de trabalho".

Na Ponte, Vasconcelos se dedicou por mais de um ano a montar uma editoria sobre diversidade de gênero. Ele ainda não se identificava como homem trans. Mas percebeu que estava cada vez mais se sentindo confortável com aquele universo. Foi um tempo importante profissionalmente e também pessoalmente. Atuar na produção deste conteúdo, lhe serviu como uma espécie de terapia para as suas próprias decisões.

Pautas sem esteriótipos 

Vasconcelos enxerga que criar pautas em relação a minorias sociais apenas em datas simbólicas é um complicador. Embora sejam importantes, artigos datados podem acabar reforçando estereótipos dependendo da narrativa.  “Queremos mostrar que existem pessoas trans que fazem coisas incríveis durante o ano todo e não apenas ficar ensinando como a sociedade deve nos chamar e tratar. Não queremos ficar todo o dia 29 de janeiro falando apenas de morte e violência contra nós”, diz Vasconcelos.    

“Se as pessoas não procuram jornalistas trans em outras datas para se trabalhar com outros temas que não sejam identidade de gênero e sua transição, como vou considerar isso uma prioridade? Nunca foi sobre o que eu faço e, sim, sobre o que sou”, diz Razhel Alec da Silva, de 24 anos, estudante do quinto período de Relações Públicas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Ele é estagiário de comunicação na ONG Casa Fluminense e do YOUCA Brasil, uma instituição que trabalha com temáticas ligadas à juventude, localizada em Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Lá ele ainda atua como educador social.

Também homem trans, desde que descobriu sua identidade de gênero Silva já buscava a Comunicação como meta profissional. Infelizmente, sempre teve consciência de que não importasse a área que escolhesse atuar, sofreria, em menor ou maior escala, transfobia e racismo.

Representatividade importa

Vasconcelos afirma que um outro problema é a desproporcionalidade dentro das redações em relação a pequena quantidade de profissionais lgbtqia+ diante da maioria cisgênero.

“Você precisa argumentar uma pauta com um editor ou chefe de redação que é bem mais velho que você, que também vem de uma maioria que é cisgênero, heterossexual, branca (homens e mulheres) que não possui uma vivência periférica", avalia Vasconcelos. "Como eu vim de veículos independentes, com um viés mais progressista, com uma linha editorial favorável aos Direitos Humanos, eu consegui, com menos dificuldades, emplacar pautas do que colegas que estão nos veículos tradicionais". 

Para Silva é importante usar seu trabalho para ser um instrumento de outras vozes parecidas com a dele. "Ano passado escrevi o artigo - 'Desacompanhados pelo SUS', sobre a transição de homens trans, passando pela hormonização. Escolhi homens trans periféricos, gordos e pretos, por semelhança física e racial. Eu me via nas histórias deles, senti o drama de ter falta de grana pra ir a clínica para fazer as consultas".

Mas quais as perspectivas possíveis para dar suporte e visibilidade que são restritos justamente em função dos critérios jornalísticos de seleção de pautas e notícias? A resposta não é tão simples, mas precisa de um debate constante. Vasconcelos considera que o jornalismo precisa falar de gênero e da pluralidade que cerca todas as especificidades de pessoas trans, tomando sempre o cuidado para que não haja exclusão de determinadas  identidades em função de algumas categorizações.

Em 2020, Vasconcelos divulgou um texto que, infelizmente, ainda se mantém atual. “Quando falamos em cobertura midiática de direitos LGBTs ainda falhamos muito como jornalistas. Quer um exemplo simples? Quantos jornalistas ainda usam o termo homofobia para falar da opressão de todas as pessoas LGBTs? Quantos ainda usam o termo gay para falar de mulheres? Parece coisa pouca, mas dar o nome certo é importante. Vamos, então, dar os nomes certos. É preciso colocar gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis, não-bináries, intersexo, agêneros dentro das redações. Sempre lembrando que corpos LGBTs são também corpos negros e periféricos. O jornalismo não sabe escrever sobre corpos trans. E sabe por quê? Por que não há pessoas trans nas redações”.


Foto: Canva pictures

 

 


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