Pouco depois do Hamas atacar Israel, em outubro de 2023, e em meio à subsequente invasão de Israel a Gaza, o grupo iemenita Ansar Allah — também conhecido como os Houthis — começou a lançar mísseis contra Israel e a atacar e sequestrar navios no Mar Vermelho.
Com o avanço das hostilidades, informações falsas aumentaram. "O alcance da desinformação na mídia do Iêmen é enorme", diz Farouq Al-Kamali, fundador da plataforma de verificação de fatos Yoopyup. "Essa desinformação assume diferentes formas: desinformação sobre política, segurança, economia e religião, baseadas na natureza do conflito em curso no Iêmen, em que complexidades religiosas, políticas, militares e econômicas estão entrelaçadas."
Nesse ambiente, iniciativas de verificação de fatos no Iêmen se dedicam a combater a desinformação e fornecer à audiência informações factuais. Saiba a seguir como elas estão fazendo isso.
Hakikah
A desinformação no Iêmen relacionada à guerra vem assumindo formas diferentes, incluindo imagens falsas, números exagerados sobre baixas e declarações alegando falsamente o sucesso de ataques militares contra forças multinacionais no Mar Vermelho.
A crise impôs novos desafios para iniciativas como a plataforma de verificação de fatos Hakikah.
Lançada em 2021, a Hakikah usa uma metodologia de verificação de três passos que consiste em identificar quem são os fornecedores originais da informação, coletar detalhes sobre as fontes do conteúdo falso e usar ferramentas como o DataViewer do YouTube e o Fake News Debunker do inVID e do WeVerify para avaliar a autenticidade de fotos e vídeos.
"Nós trabalhamos voluntariamente e tentamos acompanhar todos os acontecimentos relacionados ao Iêmen. Trabalhamos para combater todos os rumores e notícias enganosas desde 2021", diz Mohammed Mahroos, editor-chefe da Hakikah.
Em agosto, por exemplo, várias contas iemenitas fizeram publicações no X alegando que o porta-aviões Eisenhower, dos EUA, anteriormente estacionado no Mar Vermelho, havia sido alvo de um ataque de mísseis do Iêmen. No entanto, a Hakikah identificou releases de imprensa da marinha dos EUA explicando que, na verdade, o porta-aviões havia deixado o Mar Vermelho em junho.
Em outubro, sites de notícias iemenitas e contas nas redes sociais publicaram uma foto alegando que aviões de guerra dos EUA e da Grã-Bretanha haviam lançado ataques na capital iemenita, Sana’a. Usando a busca reversa de imagens do Google, a Hakikah descobriu que a foto era de um ataque aéreo de Israel em Beirut, no Líbano.
Sidq
A Sidq, criada em 2019, usa inteligência de fonte aberta, verificação direta com funcionários do governo e especialistas e visitas a locais para confirmar eventos que aconteceram em campo. A plataforma tem como objetivo monitorar e corrigir informações imprecisas publicadas em sites de notícias e nas redes sociais, incluindo documentos fabricados e declarações falsas atribuídas a figuras políticas.
Em agosto, contas nas redes sociais postaram um vídeo que afirmava que um ataque Houthi havia atingido um navio cargueiro panamenho no Mar Vermelho. A equipe da Sidq usou a busca reversa de imagens do Google e descobriu que o vídeo era, na verdade, da explosão de um tanque de armazenamento no litoral da Nigéria em fevereiro de 2022.
Em outubro, várias contas nas redes sociais postaram uma suposta fala atribuída a um porta-voz militar dos Houthi afirmando que o grupo tinha suspendido os ataques nas rotas marítimas internacionais no Mar Vermelho. A Sidq rastreou a declaração original feita pelo porta-voz e descobriu que tal afirmação não havia sido feita. A plataforma publicou imediatamente a verificação em seu site e perfis nas redes sociais.
A Sidq também tem uma seção no site na qual os seguidores podem denunciar casos de desinformação para que a equipe verifique.
Yoopyup
A Yoopyup, lançada no fim de 2023, foca na verificação de fatos e investigação de fontes abertas relacionadas ao Iêmen, ao mesmo tempo em que acompanha a divulgação de notícias nas redes sociais e em sites populares como Saba Net e Al-Masirah TV. A plataforma analisa e verifica conteúdo multimídia sobre questões que impactam a harmonia social, moldam a opinião pública ou incitam medo e terror.
Em outubro, contas do X postaram a foto de um drone, alegando que o equipamento era de propriedade dos Houthis. Usando a busca reversa de imagens do Google, a equipe revelou que a imagem era, na realidade, de um drone chinês chamado Twin-Tailed Scorpion, portanto não utilizado pelos Houthis.
Também em outubro, o porta-voz dos Houthis anunciou, em um pronunciamento televisionado, que eles haviam atacado com drones o navio porta-contêineres Megalopolis no Mar Arábico. A Yoopyup usou ferramentas de fonte aberta para rastreamento de navios, como VesselFinder, MarineTraffic e SHIPINFO, e determinou que a afirmação era incorreta e que, na verdade, o navio havia cruzado o Mar Arábico em segurança e atracado no porto de Salalah, no Sultanato de Omã, no dia seguinte.
Desafios da verificação de fatos no Iêmen
Apesar do trabalho dessas e de outras plataformas, muitas organizações de mídia do Iêmen não consideram a verificação de fatos necessária, diz Mahroos. "As instituições de mídia não estão interessadas em contratar verificadores de fatos; a maioria das plataformas de verificação do Iêmen operam voluntariamente."
A jornalista e verificadora de fatos Sakeena Mohammed reforça que a maioria dos veículos não levam a sério a verificação de fatos. "Eles enxergam o processo de verificação como uma forma de entretenimento, embora seja uma necessidade."
De acordo com Mahroos, a falta de equipes de verificação na mídia contribui ainda mais para a disseminação da desinformação. O acesso instável à internet no Iêmen também continua sendo uma barreira. "A verificação de fatos exige uma conexão de internet forte porque usamos ferramentas de busca reversa para imagens, vídeos e textos", diz Mahroos.
Foto por Mohammad Hadi via Pexels.