Veículos criam estratégias para existir acessibilidade no jornalismo

Dec 20, 2021 em Diversidade e Inclusão
Ajudante e pessoa cega

A informação jornalística chega da mesma forma para todos? Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, indicam que há 6,978 milhões de brasileiros com deficiência visual. Isto é, cerca de 3,4% da população do país com 2 anos ou mais de idade declararam ter muita dificuldade ou não conseguir enxergar de modo algum.  

Mariana Baierle entende muito bem a situação. Ela é jornalista com deficiência visual e atualmente é concursada como técnica administrativa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Anteriormente passou por experiências em diferentes redações jornalísticas de Porto Alegre. “Eu noto que o mercado de trabalho quando a gente se apresenta como uma pessoa com deficiência ainda é bem restritivo, falta empatia e compreensão por parte dos gestores e da equipe de RH e contratantes”, diz. Para ela, uma das maiores dificuldades foi a de colegas enxergarem um profissional desse tipo com suas habilidades e potencialidades, para além da deficiência. 

Como consumidora de informação, Baierle acredita que os sites jornalísticos não se preocupam com a questão da acessibilidade, de modo geral. “Há muita resistência de gestores, então, muitas vezes eu vejo essas iniciativas de forma muito pontuais e que precisam ser mais institucionalizadas. As plataformas poderiam pensar tudo de uma forma mais integrada. Um vídeo com legenda pode ajudar muito, tanto aqueles que enxergam quanto os que não, por exemplo”, acredita.

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Nove organizações jornalísticas independentes do Nordeste e a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) vão tentar contribuir para a solução desse problema com o projeto Acessibilidade Jornalística: um problema que ninguém vê, selecionado na edição 2021 do Google News Initiative Innovation Challenge. O objetivo é oferecer uma solução integrada para o problema da falta de conteúdo jornalístico de qualidade e acessível para pessoas cegas e com baixa visão.

Além da instituição de ensino, participam do projeto as organizações jornalísticas Marco Zero Conteúdo (PE), Mídia Caeté (AL), Olhos Jornalismo (AL), Retruco (PE), Diadorim (PE), Saiba Mais (RN), Agência Eco Nordeste (CE), Revista Afirmativa (BA) e a newsletter Cajueira (NE).

A ideia surgiu no mestrado no curso de Indústrias Criativas da jornalista Mariana Clarissa na Unicap. Ela trabalha na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude de Pernambuco e conta que as conversas com o seu gestor, que é uma pessoa com deficiência visual, a fizeram refletir sobre o consumo de informação para esse grupo. “Então levei essa questão para o meu mestrado com o objetivo de criar um projeto para área do jornalismo que fosse um agregador de notícias para pessoas com deficiência”, explica.  

A jornalista Carolina Monteiro foi a responsável em fazer a ponte do trabalho do mestrado para a participação na disputa do Google. Carolina também é diretora da Escola de Comunicação da Unicap e uma das fundadoras da Marco Zero Conteúdo e viu potencial no trabalho de Mariana Clarissa. "A gente pensou em como poderia dar mais escala para o projeto no sentido de, além de viabilizar, também ampliar o que ela já tinha feito. E aí surgiu a ideia de criar uma rede de veículos aqui do Nordeste, porque também tem a perspectiva de fortalecer o jornalismo independente na região”, afirma. Também foi decidido oferecer no projeto para o desafio do Google além do aplicativo agregador de conteúdo acessível, também uma ferramenta online que faça o diagnóstico de sites em termos de acessibilidade, e que sugira soluções. 

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Atualmente, duas das três etapas do projeto estão em andamento. A primeira é a pesquisa qualitativa com pessoas que vivem com deficiência visual sobre como elas consomem conteúdos jornalísticos. “Também estamos rodando um formulário para ouvir organizações jornalísticas do País inteiro, e como elas pensam - ou não pensam - as questões de acessibilidade”, diz. Paralelamente, também já está sendo trabalhada a etapa de desenvolvimento das ferramentas com uma equipe de programação e design. O projeto começou oficialmente no dia 24 de agosto e deve ser realizado em um ano. 

A terceira etapa é justamente quando se começa a produzir conteúdo acessível para o aplicativo curador. “Inicialmente, os conteúdos que vão estar disponíveis de maneira totalmente acessível nesse aplicativo serão os produzidos por essas oito organizações independentes aqui do nordeste”, diz Carolina. A ideia é ampliar no futuro o número de veículos e conteúdos. 

Uma questão importante é em relação a como a disseminação da desinformação atinge o grupo de pessoas com deficiência visual. Segundo Carolina, as pesquisas estão indicando que é uma situação parecida no sentido de exposição. “O que muda da experiência de quem tem alguma deficiência visual e quem não tem é a facilidade maior que quem tem nenhum tipo de deficiência de checar. Para eles, já é muito mais difícil, porque os sites não são acessíveis. E eu falo não só dos deficientes visuais, mas também os deficientes auditivos, não tem tradução em libra nos principais jornais do Brasil, por exemplo”, conclui.


Foto: Canva Imagem