Moçambique, país da região da África Austral, conta com cerca de 727.620 pessoas portadoras de algum tipo de deficiência, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), através do censo mais recente, de 2017.
Concretamente, o país contabiliza mais de 68 mil pessoas com deficiência auditiva e muda. Para além disso, há também mais de 58 mil portadores de cegueira. Os demais números dizem respeito a outras estirpes de deficiência.
Em Moçambique, o acesso à informação está previsto na Constituição da República, que diz que todo o cidadão, independentemente da sua origem, condição, económica e social tem o direito de obter informação sempre que assim o desejar. Embora o país possua este instrumento legal que advoga o direito à informação, os desafios para o cumprimento do mesmo ainda são enormes. Muitas pessoas ainda não são devidamente informadas, sobretudo as que enfrentam algum tipo de deficiência.
Se por um lado o acesso à informação está aquém do desejável, por outro as acções para reverter o cenário são ainda escassas. Mas há em Moçambique ventos de esperança. Um projecto nasceu com o objectivo de levar informação a quem algum dia esteve na lista de excluídos. Estamos a falar da TV SURDO.
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Tal como o nome sugere, a TV SURDO é uma plataforma de produção de conteúdos destinados a pessoas com deficiência. Criada em 2008, a TV SURDO tinha, a princípio, o objectivo de produzir conteúdos apenas para pessoas com deficiência auditiva. Mas também contempla quem tem deficiência visual.
Financiamento internacional
A televisão funciona como uma produtora, sendo os seus conteúdos veiculados em três estações televisivas cujas sedes estão na cidade de Maputo, a capital moçambicana. O conteúdo também está disponível num canal do YouTube. De acordo com Sérgio Albuquerque, gestor de suporte da Associação TV SURDO, entidade mentora da iniciativa televisiva, entre percalços e superações, os conteúdos da televisão tiveram sua primeira exibição no ano de 2015.
A difusão dos conteúdos nas estações televisivas só veio acontecer cinco anos depois da criação da iniciativa e houve razões. "No começo tivemos dificuldades. Tínhamos a ideia e vontade de realizá-la, mas a equipa ainda carecia de muitos recursos, técnicos e materiais", explica Albuquerque.
O gestor lembra-se que, no início, a equipa do projecto, sequer, tinha uma cámera de filmar. Recorda-se de várias portas batidas, para obter apoio financeiro no sentido de viabilizar a produção de conteúdos. Entretanto, a ajuda sempre tardava a chegar.
Os conteúdos da TV SURDO puderam ser veiculados, graças ao financiamento de uma plataforma de fortalecimento dos meios de comunicação, uma iniciativa do governo dos Estados Unidos de América. Daí, o projecto ganhou pernas para andar e hoje caminha firme. "Há vários parceiros, entre nacionais e internacionais, que se identificaram com o projecto e resolveram financiar a iniciativa", diz Albuquerque.
Primeiro e único projeto inclusivo de mídia no país
A TV SURDO surgiu com o intuito de tornar a informação cada vez mais inclusiva, especialmente num contexto em que os canais de televisão tradicionais, na sua maioria, excluem pessoas com algum tipo de deficiência. Os telejornais da maioria dos canais não incluem língua de sinais, onde alguém aparece gesticulando. Actualmente, algumas televisões prestam tal serviço, mas só nas comunicações à nação sobre medidas restritivas contra a COVID-19
Os conteúdos da TV SURDO são apresentados de forma híbrida. Para além da narração em língua portuguesa, eles incluem a legenda e língua de sinais. Assim, quem não vê, pode ouvir. E quem não ouve e nem fala tem a possibilidade de receber a informação através das línguas dos sinais.
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Albuquerque considera que a iniciativa está a ter um impacto positivo no dia-a-dia das pessoas cujas deficiências constituem uma barreira para se informar. "É o primeiro e único projecto de informação inclusiva que existe no nosso país. Sentimo-nos presentes na vida de cada um quando percebemos que foi oportuno levar conteúdos inclusivos a quem muito precisava".
Questionamos Albuquerque sobre o que levou aos mentores da iniciativa a optar por produzir conteúdos de forma híbrida, quando a primeira ideia tinha como objectivo informar apenas pessoas com surdez. Ele diz que o tempo foi a melhor resposta ao trabalho que faziam. A equipa foi percebendo que conteúdos sem narração, por exemplo, excluíam a quem não pode ver, mas pode ouvir.
Conteúdos que realmente interessam
A TV SURDO faz questão de oferecer ao público conteúdos que tocam na alma de cada um. Por isso as edições dos programas da TV SURDO levam ao público informações sobre saúde, educação e bem-estar.
O trabalho é minucioso e cada integrante da equipa de produção sabe bem como contribuir. Que o diga o jornalista e cadeirante Abdul Remane. "É um prazer fazer parte deste elenco. Eu sou deficiente físico e sinto na pele o que muitos enfrentam por portar necessidades especiais", diz Remane, um dos jornalistas moçambicanos mais premiados pelo seu contributo na luta pela informação inclusiva.
Foto-montagem com imagens da TV Surdo no YouTube.