Vamos repensar o jornalismo cidadão

por Ben Colmery
Oct 30, 2018 em Diversos

É tempo de finalmente entender direito o jornalismo cidadão.

Essa foi uma das conclusões principais de uma reunião com inovadores de notícias, o "Aumenta o Volume: Dando voz para o jornalismo cidadão" no Centro Bellagio da Fundação Rockefeller Center na Itália, em outubro. O consenso foi de que todos nós temos chamado "jornalismo cidadão" do nome errado todos estes anos. É hora de mudar isso. Esse termo não serve mais.

O problema com "jornalismo cidadão" é que insulta jornalistas profissionais, pagos, rigorosamente treinados, igualando-os com pessoas que muitas vezes têm apenas um pouco de treinamento ou mesmo nenhum treinamento. Além disso, incentiva as organizações de notícias a pensarem que os cidadãos podem ser uma alternativa mais barata para jornalistas profissionais, o que pode degradar a qualidade do jornalismo. Isto, por sua vez, coloca os jornalistas cidadãos em uma posição econômica desconfortável, porque algumas organizações acreditam que eles não devem ser pagos. E colaboradores de conteúdo não pagos são considerados explorados por muitos.

Em termos de jornalismo, a expressão "jornalista cidadão" confunde uma simples fonte de informação com ser um hábil agregador, analisador e filtro de informação. Editorialmente, é muitas vezes uma mistura de ativismo com objetividade de modo que coloca em conflito tanto um como o outro.

Mas se não usamos "jornalistas cidadãos", como devemos chamá-los?

Um dos termos meus favoritos no Centro Bellagio veio de Harry Surjadi, que foi bolsista do Knight International Journalism Fellowship na Indonésia. Ele está lançando redes de cidadãos em toda a Indonésia para monitorar a implementação de projetos-piloto REDD+ destinados a promover a gestão sustentável das florestas e aumentar as reservas de carbono florestal. Ele capacita as pessoas com ferramentas do jornalismo para se tornarem condutores de informações em suas comunidades. Ele os chama de "corretores de informações". No entanto, não acho que "corretor" se aplique a todas as circunstâncias.

Então me dei conta que devemos repensar o jornalismo cidadão.

O problema é que estamos tentando definir pessoas de diferentes localidades, culturas, políticas, religiões, línguas, economia, níveis educacionais e objetivos pessoais como se coubessem na visão estreita de uma única profissão. Além disso, isso cria um segmento separado de todos os outros na audiência de notícias, como se apenas um subconjunto do público apelidado de "jornalista cidadão" devesse produzir conteúdo.

Em vez de definir o cidadão, devemos definir a plataforma ou mercado em que o jornalismo existe. Vamos pensar nisso como um ecossistema de notícias e informações, o que necessariamente inclui os cidadãos como componentes fundamentais para a descoberta da verdade. Definir o jornalismo e o ecossistema dessa maneira convida as pessoas e permite que elas se tornem atores que devem ser incorporados no processo de notícias. Não os trata como se fossem algum grupo singular e definível fora da organização de notícias. Afinal, a verdade não pode vir apenas de jornalistas e fontes habituais, mas de todas as fontes no ecossistema.

Pense em todos os modelos impulsionando a inovação nos dias de hoje. Empresas como a Apple, e cada vez mais aqueles adotam o modelo de Lean Startup, integram seus departamentos de engenharia, design e marketing para desenvolver produtos. O movimento de tecnologia de fonte aberta permite que qualquer pessoa com um computador possa contribuir ao código. Jornalistas hackers agora prosperam num mundo antes composto por hackers e jornalistas. A própria democracia é fundada com base na ideia de que o todo é melhor quando cada uma das muitas partes tem uma voz.

Inovação trata em grande parte de quebrar as definições que nos separam. Isso é muito mais facilmente realizado quando definimos o espaço, ao invés de definir as pessoas nesse espaço. É essencialmente o que a Apple, o movimento de código aberto, os jornalistas de hackers e a democracia têm feito para mudar o mundo. Definir os indivíduos é como você cria um processo, não a inovação.

Enquanto profissionais que analisam e integram informações, as organizações de notícias e os jornalistas estão em uma posição privilegiada para inovar e conduzir este ecossistema de notícias e informações. Então, vamos construir o jornalismo como um ecossistema, ao invés de um produto, que abrange a inovação, onde as organizações de notícias, jornalistas, políticos, empresários, ativistas, moradores da cidade, moradores rurais, os experts em tecnologia e os analfabetos tecnológicos, e outras pessoas comuns são todass seminais para a geração e distribuição de uma imagem mais completa da verdade. Isto significa evoluir toda a operação para não mais ver o público como algo de fora e não mais definir cidadãos como jornalistas cidadãos. "Jornalista cidadão" é excludente, frusta a inovação e insulta a todos no processo.

Aqui estão alguns bons exemplos do que poderia ser:

  • Uganda Speaks - A Al Jazeera usa SMS e Ushahidi para envolver os cidadãos em Uganda para obter suas opiniões sobre Joseph Kony.
  • SeenReport - Uma plataforma móvel que muitas organizações de notícias têm usado para acessar a notícia impulsionada pelo cidadão.
  • Rádio Participativa na África - Um projeto que incorpora agricultores na criação de conteúdo de notícias para dirigir a segurança alimentar.
  • Mi Panama Transparente - Usa mapeamento online para envolver os cidadãos na reportagem sobre crime ecorrupção.

Ben Colmery é vice-diretor do programa Knight International Journalism Fellowships do ICFJ.

_Imagem usada com licença Creative Commons no Flickr via lucyb_22_