Uma série australiana experimenta com vídeo vertical

por Corinne Podger
Oct 1, 2019 em Jornalismo multimídia
Gemma Bird Matheson e Charlotte Nicdao no 'Content'

A emissora nacional da Austrália está no meio de uma experiência tão nova de contar histórias que teve que inventar um nome para ela.

O "Content" da Australian Broadcasting Corporation (ABC) é uma comédia em sete partes sobre uma aspirante a influenciadora chamada Lucy, que se torna uma sensação na internet depois de se filmar sobrevivendo a um acidente de carro.

“Para nós, é um programa de comédia vertical, mas outras pessoas chamam de 'drama da vida no modo retrato''”, explica Que Minh Luu, produtor executivo da ABC, que adorou a ideia de uma história contada da perspectiva de um smartphone sugerida pela empresa de cinema independente Ludo Studio

Todos os elementos da história são contados em primeira pessoa do telefone, usando vídeos e fotos capturados na tela, postagens em mídias sociais, videochamadas e pesquisas no Google e no Tinder.

"É um pouco como a narrativa de filmes perdidos, mas contada inteiramente a partir do telefone. Sentimos que havia uma história a ser contada sobre a maneira como usamos nossos telefones, como são integrados em nossas vidas e sobre os segredos que eles guardam, que somente eles podem contar ”, diz Luu.

 

Screengrabs from ABC's 'Content' series
Captura de tela da série "Content".

 

O programa também foi projetado para ser visualizado no smartphone e está sendo publicado em plataformas usadas pelo público jovem: Instagram, YouTube, Facebook e Twitter.

O “Content” representa uma das várias iniciativas em andamento na Austrália para fornecer mais conteúdo móvel e social primeiro. De acordo com o Australian Bureau of Statistics, o país possui mais aparelhos registrados do que pessoas, e a porcentagem de audiências acessando a mídia social no celular continua a crescer. Em agosto, por exemplo, sete editoras grandes chegaram a um acordo para criar conteúdo exclusivo para o Facebook, incluindo noticiários originais do Facebook Watch.

Embora fosse óbvio para a ABC e o Ludo que uma série vertical para dispositivos móveis fosse uma ótima ideia, levar o público e os financiadores a entender e apoiar o conceito levou quase dois anos.

Depois de meses de grupos de foco de audiência, o Ludo criou um exemplo de episódio, que convenceu a Screen Australia e Screen Queensland a se juntar ao ABC com o financiamento.

Fazer a série também levou tempo, já que os cineastas do Ludo enfrentaram os desafios desconhecidos do novo formato, diz Meg O'Connell, produtora executiva do Ludo.

"A série é uma mistura de ação ao vivo e animação, e as pessoas podem não perceber que quase nada é captura de tela", acrescenta ela.

Um dos clipes animados é a cena do acidente de carro no centro da história. Um clipe do acidente recebeu quase cinco milhões de visualizações no Twitter, com os espectadores debatendo se era real ou não, o que levou a Agence France-Presse a fazer uma verificação e um tuite do animador do Ludo, Benjamin Zaugg, mostrando como foi feito.

Indo contra a tendência atual de publicar toda a série de sete episódios de uma vez, o "Content" é carregado duas vezes por semana entre 3 e 28 de setembro.

Isso foi feito em parte para tirar proveito do algoritmo do Facebook, que recompensa os visitantes repetidos de uma marca, mas também para dar ao público tempo para digerir o novo formato e a história, e ter liberdade para falar sobre os episódios sem risco de spoilers.

O diretor de estratégia de mídia social da ABC, Scott Gamble, diz que o "Content" faz parte de uma estratégia mais ampla da emissora pública para alcançar públicos mais jovens com "conteúdo adequado para plataformas de terceiros onde eles decidem gastar seu tempo."

"Semelhante à realidade virtual, acho que há potencial na experiência imersiva de uma série como  'Content' para contar notícias e histórias reais de entretenimento", diz ele. Por exemplo, Gamble aponta para um vídeo de 2016 da BBC Media Action que captura elementos da crise europeia de refugiados ao imaginar que o telefone do espectador é realmente um telefone de refugiado. É um "bom exemplo de uma abordagem semelhante em um contexto de notícias — usando a perspectiva de primeira pessoa para aumentar a empatia, permitindo que o espectador se ponha no lugar do outro".

Angela Stengel chefia o Content Ideas Lab da ABC, que supervisionou a produção do programa, e diz que o novo programa leva o vertical para áreas que não foram exploradas ainda pelos noticiários, mas que podem ser no futuro.

"As organizações de notícias sempre foram rápidas em experimentar novas ferramentas e plataformas, como o vídeo vertical", diz Stengel. "Não se trata apenas de fotografar em um formato diferente: é uma experiência íntima e pessoal em que você tem um relacionamento diferente com os personagens, sendo realmente puxado para o mundo deles."

"Vejo o 'Content' fazendo para o vídeo vertical o que o 'Serial' fez para o podcasting", acrescenta ela. "Essa abordagem ao formato pode ser aplicada a histórias noticiosas e ficcionais."


O “Content” é feito pelo Ludo, com financiamento do ABC, Screen Australia e Screen Queensland. A série pode ser assistida no YouTube aqui.

A imagem principal mostra Gemma Bird Matheson como Lucy e Charlotte Nicdao como Daisy nos bastidores, criando o "Content" da ABC. Crédito da imagem: Mia Forrest.