Tensões geopolíticas e guerras estão dominando o noticiário no mundo todo. Essa cobertura contínua é essencial, mas outros ângulos também merecem atenção, afirma Lola García-Ajofrín, jornalista multimídia espanhola.
"Quando todo mundo está cobrindo um problema, você pode agregar valor fazendo perguntas e olhando para os elementos que estão faltando", diz. Por exemplo, como as sociedades previamente divididas por conflitos começaram a se reconciliar? Essa pergunta deu origem a uma matéria sobre um esquema de troca de correspondências entre estudantes franceses e seus vizinhos europeus logo após a Segunda Guerra Mundial.
"Se há 100 jornalistas, o trabalho de 99 deles é apontar o problema. Mas há 1% de nós que precisa chegar e dizer 'o que vamos fazer a respeito disso?' É aí que entra o jornalismo de soluções. Isso é o que me empolga", diz Oliver Balch, jornalista britânico radicado em Portugal.
O jornalismo de soluções diz respeito a "reportagens rigorosas e convincentes sobre respostas a problemas sociais", de acordo com a Solutions Journalism Network (SJN). Tendo em vista esse critério, uma matéria de soluções deve se basear em quatro pilares:
- Como é a resposta
- Evidência do impacto da mesma
- Limitações da resposta
- Ideias para outras pessoas
Grandes veículos, como o New York Times e a BBC, têm programas ou editorias de soluções, enquanto outros fazem jornalismo de soluções sem rotulá-lo como tal. Paralelamente, há veículos especializados dedicados a essa abordagem, como Positive News, Reasons to be Cheerful e Next City.
Isso traz oportunidades para freelancers explorarem temas com pouco espaço na mídia. Mas pode ser complicado encontrar ideias sólidas, definir o formato certo e fazer uma sugestão de pauta bem-sucedida. Balch e García-Ajofrín, juntamente com Tina Rosenberg, cofundadora da SJN, compartilharam conselhos sobre como fazer isso.
Os principais pontos estão a seguir:
Busque ideias de pauta com cuidado extra
Repórteres que estão em busca de ideias de pautas de soluções precisam ter cuidado extra.
"Muitos provedores de soluções estão tentando fazer a ideia deles decolar e você não vai querer se ver como parte da estratégia de marketing ou de arrecadação de fundos dessas organizações", diz Balch, especializado no papel dos negócios na sociedade, e que escreve regularmente para o Financial Times e a Reuters, entre outros. "Eu me sinto muito mais confortável quando identifico o assunto do que quando a ideia me é apresentada por um interesse pessoal, mesmo se eu estiver de acordo com esse interesse", diz. Em vez disso, boatos ou o aval de terceiros "valem ouro".
Rankings e premiações voltados para negócios, projetos ou organizações de destaque podem ser um bom ponto de partida para pesquisa adicional, acrescenta Balch. Ele também mantém contato com umas poucas agências de comunicação e relações públicas que são mais seletivas com seus clientes — e que podem inclusive sugerir organizações que não estão em sua lista de clientes.
Qualquer suposta solução precisa ter um histórico. "Não pode ser só uma ideia e provavelmente não pode estar em um estágio muito inicial", diz Balch. Um fundador com uma ligação pessoal forte com o problema que ele está focando também pode trazer credibilidade.
Comece com o problema e encontre o caso atípico positivo
Freelancers devem ir atrás do que a SJN chama de pautas de "desvios positivos", aconselha Rosenberg, ex-colunista do New York Times e vencedora do Pulitzer Prize.
"Você pode começar com 'ouvi falar sobre essa resposta interessante a um problema', o que provavelmente é o caminho seguido por 90% das pautas de soluções. 'Olha só essa ONG legal fazendo algo interessante' ou 'olha esse programa do governo que está funcionando bem'", diz. "Mas um outro jeito de fazer isso, e é o que eu prefiro, é se perguntar 'qual é o problema? Então vamos olhar os dados pra ver quem está se saindo melhor nesse problema'."
Por exemplo, em vez de usar um banco de dados sobre taxas de crimes para falar sobre as áreas mais afetadas do país, olhe para as áreas com as taxas mais baixas de crimes ou aquelas com quedas significativas. "O que foi feito ali? Isso dá uma pauta?"
Veja como outras pessoas estão resolvendo problemas similares
García-Ajofrín já trabalhou em vários países e muitas vezes leva uma mentalidade global para o seu trabalho. Atualmente ela coordena o projeto transfronteiriço Pulse, no jornal espanhol El Confidencial.
Seja qual for o problema, olhe para o exterior e você normalmente vai descobrir que "alguém achou ou tentou achar uma solução. É uma bela forma de olhar para o problema de um jeito diferente", diz. Por exemplo, após as enchentes mortais na Espanha em 2024, ela explorou o sucesso do sistema de monitoramento de enchentes na Áustria e na Tchéquia.
Pergunte-se como
Para García-Ajofrín, a palavra mágica a ser usada na hora de desenvolver uma pauta é como — e é uma palavra que ela usa inclusive quando está cobrindo um problema. Quando estava cobrindo os problemas causados pelo aumento da população de ursos na Romênia, ela perguntou aos entrevistados como as comunidades estavam respondendo à situação. Em uma cidade, muitos mencionaram a abordagem incomum da "coexistência", o que acabou virando uma pauta de soluções.
Considere formatos alternativos
O jornalismo de soluções nem sempre significa uma análise extensa; um perfil ou entrevista são formas diferentes de cobrir respostas bem-sucedidas, diz Balch. Esses formatos não só são mais rápidos de produzir como também significa que "você pode ser subjetivo desde o início" ao centrar-se na perspectiva do entrevistado.
"Se você acreditar na fonte e na paixão dela, você estará sendo apenas um canal para que a voz dela seja ouvida", diz. Particularmente, se esta for uma voz que raramente recebe atenção, "isso é algo muito positivo que eu posso fazer como jornalista".
Ao longo dos anos, os projetos de García-Ajofrín incluíram jogos interativos focados em soluções e quadrinhos. Este último foi o formato escolhido para uma matéria que ela supervisionou sobre como comunidades em favelas brasileiras estavam respondendo à pandemia de Covid-19. Em partes, isso se deveu a limitações práticas, já que à época não era possível filmar ou fotografar os moradores. Mas o formato de quadrinhos também deu a oportunidade de enquadrar sutilmente os moradores como heróis, um papel no qual eles raramente são vistos.
Para freelancers interessados em produzir jornalismo de soluções além de um texto tradicional, a SJN oferece recursos para a produção de podcasts, programas de TV, posts em redes sociais e livros focados em soluções.
Orientações para sugerir pautas de soluções
A parte mais difícil do jornalismo de soluções é despertar o interesse dos editores, de acordo com Balch. "Há toda uma indústria de relações públicas que quer promover boas notícias, por isso há hesitação, resistência e relutância que são naturais por parte dos editores para não cair nessa armadilha", diz.
Como, então, garantir que a sua sugestão seja convincente?
(1) Adicione contexto
Pode levar tempo para ganhar confiança e provar que você não está sugerindo uma peça publicitária. Uma forma de deixar isso claro, segundo Balch, é explicar por que a solução não é perfeita ou por que o contexto é complicado.
"Contextualize para que o editor esteja ciente de que você sabe que há várias respostas em curso. Explique que essa é uma delas e o porquê de você estar destacando-a", diz Rosenberg. "Não apresente a solução como a única possível ou mágica."
E talvez você nem chame a sugestão de uma pauta de soluções. "É melhor quando o veículo que publica a matéria rotule-a como tal, mas a maioria das redações ainda não chegou nesse ponto. Muitos podem estar — erroneamente — cautelosos com o termo", diz.
(2) Lembre-se dos fundamentos
Certifique-se de incluir os três componentes de qualquer boa pauta, diz Rosenberg:
- Por que essa pauta?
- Por que agora?
- Por que eu?
(3) Tenha em mente que o tempo investido na pauta tem seu valor
Investir tempo na pesquisa de uma pauta é um trabalho duro, principalmente quando não há garantia de que ela será executada. Mas Rosenberg acredita que o trabalho quase sempre dá retorno.
"Se não virar uma pauta, tudo bem: você descobriu aquilo. Se virar uma pauta, você vai escrever a respeito para algum lugar", diz. "Sempre vai ter alguém que vai aceitar a sua pauta."
Foto por Lala Azizli via Unsplash.