A pluralidade de vozes na mídia árabe pode ser a causa da polarização profundamente enraizada na região, de acordo com um painel de especialistas organizado pelo United States Institute of Peace (USIP).
Seja acreditanto que a Primavera Árabe é uma experiência fracassada ou uma transição democrática necessária para uma região muito atormentada pelo autoritarismo, é difícil descartar a influência da mídia. Desde que uma onda de protestos varreu partes do Oriente Médio e Norte da África, em 2011, a mídia -- tradicional e nova -- foi creditada em unir as pessoas e animar uma esfera pública anteriormente embrutecida, contribuindo para a derrubada dos governos.
Hoje, a relação entre mídia e política no mundo árabe é muito mais complicada. O surgimento de grupos novos e em disputa levou a uma proliferação de organizações de mídia. À luz disso, podemos dizer que a mídia tem refletido com sucesso a liberdade pela qual as pessoas lutaram? Pode contribuir para a estabilidade política e coesão social? Em suma, a mídia está unindo ou dividindo as pessoas na região?
Um painel de peritos buscou responder essa pergunta: Alexandra Buccianti, gerente de projeto da BBC Media Action; Marc Lynch, professor de ciência política e relações internacionais na Universidade George Washington; e Joyce Karam, chefe de redação do Al Hayat em Washington.
Aqui estão algumas conclusões mais importantes da discussão:
Novo jogo, mesmos jogadores
A mídia social foi elogiada por seu potencial democrático durante a Primavera Árabe. Armada com seus telefones celulares, cidadãos comuns em toda a região foram para o Twitter e Facebook para fornecer cobertura em tempo real, não filtrada de eventos da rua. Isso levou a uma pluralidade e diversidade de vozes antes impensável no mundo árabe.
No entanto, os governos também desenvolveram conhecimento de mídia social.
De acordo com Buccianti, um ponto importante a considerar é "a rápida capacidade de adaptação dos regimes árabes na mídia social -- ou para reprimir o espaço online ou inundá-lo com os seus apoiadores."
O mesmo pode ser dito sobre a mídia tradicional, Karam acrescentou. Apesar da proliferação dos meios de comunicação na região, a narrativa subjacente permanece inalterada. Organizações de notícias continuam a refletir os interesses políticos de seus donos. Tanto é assim que se tornou cada vez mais difícil entender qualquer um dos conflitos em curso. "Você vê que, antes e durante a guerra do Iêmen, pouco está sendo perguntado", disse ela. "Trata-se de um problema de propriedade, censura e polarização."
De pluralidade de mídia a câmeras de eco
Ao invés de promover a coesão social e política, a mídia no mundo árabe está sendo usada para separar as pessoas mais profundamente em seus diferentes campos ideológicos.
"Se você vai até a seção de comentários em qualquer jornal", disse Buccianti, "você percebe rapidamente que estamos expostos a ideias seletivas e tendemos a ir para as ideias com as quais concordamos."
Apesar de não ser algo único da região, Lynch notou que esse efeito de câmara de eco é muito mais pronunciado no mundo árabe. O resultado é um ambiente cada vez mais polarizado, onde "todo mundo fica limitado a suas próprias trincheiras e [não] interage uns com os outros."
Karam concordou com este ponto, demonstrando como o clima político fraturado na região é reforçado pela cobertura da mídia: "Se você olhar para a cobertura da guerra civil síria na Al Jazeera, vai ouvi-los chamar a insurgência de 'rebeldes'. Quando você liga no al Mayadeen (apoiado pelo Irã) ou al Manar (braço de mídia do Hezbollah), os rebeldes são chamados de "terroristas". Os mesmos problemas estão sendo repetidos e você não sabe no que acreditar."
O que é mais preocupante, de acordo com Lynch, é a incapacidade do público fora do mundo árabe em separar notícias parciais e imparciais.
"Você tem espaços de mídia nacional ricos, densos e contestados", explicou. "Mas há apenas um pequeno número de pontes e tradutores dessas comunidades para o Ocidente e os EUA. Assim, quando as pessoas pensam que estão recebendo acesso direto, são agrupadas com as pessoas que estão traduzindo o ponto de vista do seu grupo. É uma visão valiosa, mas necessariamente parcial."
Há mais na mídia árabe que política
Para entender melhor o papel da mídia no mundo árabe, os palestrantes enfatizaram a importância de programação não-política. "Não fique muito preso a política", Lynch observou em seu discurso de encerramento. Talk shows, programas de debate, esportes, teatro e entretenimento também são muito populares no público árabe e têm o potencial de promover a coesão social.
Programas de comédia, Buccianti acrescentou, também desencadearam uma discussão útil. Ela menciounou o satirista egípcio Bassem Youssef, que chegou à fama após a revolução de 23 de janeiro.
Esse tipo de programação é muitas vezes ignorado em estudos da mídia árabe, de acordo com Buccianti e Lynch, mas é "exatamente este grupo que ao longo do tempo se tornou a base de movimentos sociais importantes."
Fatima Bahja é uma coordenadora de pesquisa e propostas do Centro Internacional para Jornalistas.
Imagem principal de Fatima Bahja