Mulheres de comunidades ribeirinhas da Amazônia frequentemente lutam contra desafios que as impedem de acessar cuidado pré-natal fundamental, desde os períodos de maré baixa até viagens longas e caras. Mas em Abaetetuba, no Pará, cidade ribeirinha formada por 72 ilhas, a taxa de mulheres grávidas que têm acesso a tratamentos durante a gravidez melhorou. Como?
Uma série de reportagens da Amazônia Vox, veículo fundado por Daniel Nardin, bolsista do programa ICFJ Knight, explorou essa questão, lançando luz sobre o impacto da clínica flutuante da cidade.
"Sim, a região tem muitos problemas, mas também tem muitas iniciativas locais lideradas por pessoas locais que se esforçam para encontrar soluções", diz Nardin, jornalista paraense. "Por meio da perspectiva do jornalismo de soluções e da abordagem que adotamos na Amazônia Vox, eu queria apontar possíveis caminhos e exemplos, mesmo que eles tenham desafios e limitações."
Daniel Nardin, bolsista do programa ICFJ Knight, fala sobre a série de reportagens da Amazônia Vox sobre cuidado pré-natal
Após a publicação da série e do minidocumentário, a Assembleia Legislativa do Pará, citando diretamente a reportagem, apresentou um projeto de lei que pode levar mais recursos para a assistência pré-natal a mulheres ribeirinhas. O projeto ainda aguarda aprovação da Comissão de Saúde, o que deve ocorrer neste ano. Na esfera federal, há uma audiência pública sobre a questão agendada na Câmara dos Deputados.
Revelação de disparidades e destaque de progressos
Nardin fundou a Amazônia Vox em 2023. O veículo dedica-se a amplificar vozes e questões da região amazônica, bem como potenciais soluções para os problemas locais.
A série de reportagens teve início quando Nardin recebeu subsídios do Programa de Reportagem Sobre Primeira Infância, realizado no Brasil pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal e o Dart Center, da Universidade Columbia. Nardin e sua equipe começaram a buscar por áreas de necessidade. Eles queriam, especificamente, tratar de um assunto ao mesmo tempo desafiador e com soluções; o cuidado pré-natal de mulheres ribeirinhas no Pará se destacou.
"Eu verifiquei dados oficiais do Ministério da Saúde", diz Nardin. "A partir daí, analisando os números, eu busquei a 'anormalidade positiva'. Dito de outro modo, mesmo entre municípios com cobertura pré-natal baixa ou abaixo da média, eu busquei por aqueles que tinham uma tendência de crescimento ao longo dos anos, indicando que algum trabalho estava sendo feito e poderia ser investigado."

Nardin entrevista uma fonte para a série sobre pré-natal da Amazônia Vox
Mulheres na região da Amazônia têm a menor taxa de acompanhamento pré-natal no Brasil. Usando o indicador de cobertura pré-natal adequada, Nardin descobriu que "entre os cem municípios brasileiros com a menor porcentagem desse indicador, 95 são de estados da Amazônia Legal brasileira". Somente 55% das mulheres na região amazônica têm atendimento pré-natal adequado, em contraste com a média nacional de 74%.
Em Abaetetuba, no Pará, os indicadores seguem abaixo da média nacional, mas melhoraram ao longo dos anos, em função do trabalho realizado. Uma unidade básica de saúde fluvial — uma clínica médica flutuante — vem ajudando enormemente mulheres e crianças na região, conforme demonstra a reportagem de Nardin por meio de dados e depoimentos de mães e trabalhadores de saúde. A clínica é uma das 56 do tipo em funcionamento no Brasil e oferece vacinas, atendimento odontológico, dentre outros.
"Antigamente, o povo ribeirinho sofria muito, principalmente em relação à saúde... As mães consideravam os bebês algo normal, então era natural para elas não fazer exames e perdê-los", diz uma professora local que trabalha há 12 anos como agente de saúde em Abaetetuba e atende 132 famílias. "Com a chegada da unidade fluvial, as coisas melhoraram 100%."
A reportagem da Amazônia Vox destaca a relação entre o aumento de consultas pré-natal e a redução na mortalidade materna e infantil. A investigação ainda aprofunda-se no estado atual da assistência pré-natal, nas realidades das mulheres que vivem na região e nas mudanças necessárias.
A equipe de Nardin passou dois dias a bordo da unidade fluvial, observando o trabalho e ouvindo pacientes. Ele diz que o foco em soluções facilitou o processo de reportagem com autoridades do governo local.
"A administração municipal não interferiu na abordagem, forneceu dados e entendeu que, ao ser transparente e destacar os problemas juntamente com os esforços feitos, a reportagem poderia até ajudar a obter mais apoio e recursos", diz.
Impactos
Além de impulsionar o projeto de lei e a audiência no Congresso, a série e o documentário foram vistos e debatidos por milhares de pessoas no país. A reportagem também obteve reconhecimento no Brasil e internacionalmente.
Em dezembro, a Amazônia Vox recebeu a Medalha Paulo Frota de Direitos Humanos na Assembleia Legislativa do Pará em razão do foco humanitário da reportagem nas mães ribeirinhas. Também foi vencedora do Prêmio Roche na categoria jornalismo digital. Essa vitória foi a primeira de um veículo da Amazônia Legal brasileira, em uma disputa contra outros 458 inscritos, graças à sua "narrativa de alta qualidade" e "análise exaustiva das lacunas e desafios da cobertura pré-natal na Amazônia brasileira".
No programa ICFJ Knight, do ICFJ, Nardin vai focar na implementação de ferramentas e da versão em inglês do conteúdo da Amazônia Vox, aumentando o alcance da plataforma e ampliando a colaboração entre organizações de mídia internacionais e jornalistas locais. Outro objetivo de grande importância para Nardin é preparar oportunidades de capacitação para jornalistas da região, tendo em vista que a Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas de 2025 será realizada em Belém, onde ele vive e trabalha. Alinhado ao seu objetivo de apoiar pautas sobre a Amazônia feita por amazônidas, Nardin está trabalhando para desenvolver um banco de fotógrafos e produtores de vídeo locais para amplificar suas vozes e ao mesmo tempo gerar renda e oportunidades para a região.
Nardin acredita que o apoio recebido do ICFJ, por meio do programa ICFJ Knight, melhorou significativamente a visibilidade do trabalho e da credibilidade tanto de si mesmo quanto da Amazônia Vox.
"Estou confiante de que, com o ICFJ, podemos fazer muitos mais com o jornalismo que coloca as pessoas no centro, destaca problemas ao mesmo tempo em que aponta soluções e que conta histórias da Amazônia desde dentro", diz Nardin. "Isso contribui significativamente para quebrar estereótipos sobre a região, promover conhecimento e apoiar comunidades amazônidas por meio do jornalismo.
Este artigo foi originalmente publicado pelo ICFJ, organização à qual pertence a IJNet.
Foto por Bruna Leite via Unsplash.