Naeemah* foi uma de mais de 43.000 pessoas que reportaram estupro ou abuso sexual na África do Sul no ano passado. Por duas semanas, ela não quis sair de casa na Cidade do Cabo. Tanto o estupro como o exame forense foram experiências que ela descreveu como traumáticas.
Com isso em mente, a organização de notícias sul-africana Health-e News lançou uma ferramenta de texto que permite que sobreviventes de estupro compartilhem suas histórias, acessem serviços de aconselhamento e assinem uma petição pedindo mudanças.
O projeto faz parte do financiamento recentemente concedido pelo impactAFRICA, uma iniciativa do Code for Africa e do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês) que apoia o jornalismo inovador em toda a África.
Sobreviventes podem usar a ferramenta, chamada de Izwi Lami (Minha Voz), para receber uma lista de serviços de apoio sem ter que sair de casa, dando-lhes a informação que precisam para avaliar melhor suas opções.
O Health e-News trabalhou com o GroundSource para desenvolver a plataforma de mensagens de texto, que é gratuita e anônima para usuários. Sobreviventes em toda a África do Sul podem escrever para o número 38006 para participar de conversas automatizadas, mas monitoradas, onde podem deixar palavras de encorajamento para outros sobreviventes na África do Sul. Também recebem uma lista de serviços de apoio a trauma nas proximidades (conhecidos como centros de cuidados Thuthuzela).
"A verdade é que eu adoraria [ter tido] uma ferramenta como essa", disse Naeemah. Ela fez parte de um grupo de sobreviventes de estupro que trabalharam com o Health e-News para testar a ferramenta, em colaboração com o Rape Crisis na Cidade do Cabo, que ajuda vítimas de trauma sexual.
A ferramenta foi desenvolvida como uma resposta aos altos níveis de violação relatados na África do Sul. As estatísticas oficiais mostram que dezenas de milhares de estupros são reportados todos os anos, e isso é apenas para os casos que foram comunicados -- o número real provavelmente é muito maior.
Além disso, a cobertura da mídia local sobre estupro geralmente só se concentra nos casos mais terríveis e extremos, com pouca análise mais profunda sobre por que a violência sexual se tornou um problema endêmico no país.
Como parte do Izwi Lami, o Health-e News também fez parceria com diferentes organizações de mídia, realizou diversas entrevistas de rádio, entrou em contato com capitães de policiais de todo o país e distribuiu cartazes educacionais em clínicas, postos de polícia e escolas. Mais matérias detalhadas sobre a crise da violência sexual no país foram escritas, orientando sobreviventes para o serviço de mensagens.
Essas são algumas das razões pelas quais o centro desta campanha é o jornalismo de serviço. Não se trata apenas da necessidade de produzir uma cobertura maior e melhor de sobreviventes de estupro, trata-se de facilitar a conexão uns com os outros. Sobreviventes são capazes de deixar palavras de encorajamento para outras sobreviventes compartilhadas através das mídias sociais.
Esses testemunhos ajudam a humanizar as estatísticas de estupro que vemos tantas vezes, e esperamos que ajude outras sobreviventes a perceber que não estão sozinhas em sua recuperação.
O Health e-News também trabalhou com sobreviventes para promover a mudança de políticas. A ferramenta Izwi Lami inclui uma campanha de advocacia: quem usa a ferramenta podem assinar uma petição, pedindo que todos os centros de saúde 24 horas providenciem pacotes de cuidados para todas as sobreviventes de agressão sexual. Isso significa que sobreviventes nas áreas rurais não devem ter que percorrer distâncias longas para acessar os serviços de emergência que precisam.
Esse pacote de cuidados incluiria aconselhamento, medicamentos anti-retrovirais, vacinas contra o tétano e hepatite, pílula do dia seguinte e um exame forense completo. O Health-e se inspirou em iniciar esta campanha de advocacia depois de ler um relatório de 2016 do Doctors Without Borders. O relatório descobriu que, do número estimado de mulheres que são estupradas todos os anos no município de Rustenburg, na África do Sul, 95 por cento não busca ajuda de um profissional de saúde. É acesso e o conhecimento dos serviços de saúde que o Health-e tentou promover nos seus cartazes distribuídos em todo o país.
O objetivo a longo prazo do Health-e é potencialmente se associar a uma agência governamental ou a uma organização não-governamental, a fim de continuar a manter o Izwi Lami como um recurso para sobreviventes. Uma pesquisa está atualmente em andamento para construir um mapa para o site que irá mostrar onde estão localizados os centros para vítimas de estupro e que permitirá que sobreviventes avaliem os serviços que receberem lá.
Em última análise, no centro da campanha de Izwi Lami está a necessidade urgente de convidar sobreviventes para uma conversa nacional sobre violência de gênero e oferecer as ferramentas que precisam para sua recuperação.
As palavras de incentivo de Naeemah para outras sobreviventes falam ao cerne da campanha: "Você é como uma árvore, e eles podem cortá-la, todos os seus galhos até o toco, mas você crescerá novamente. Essas raízes ainda estão lá."
*O sobrenome foi omitido por motivos de privacidade.
Kim Harrisberg é jornalista multimídia do Health-e News na África do Sul. Sua reportagem sobre casas sul-africanas lideradas por avós para o Al Jazeera recebeu o prêmio de "Melhor Engajamento da Audiência" da iniciativa de jornalismo de dados impactAFRICA data em 2017.
Imagem principal sob licença CC no Flickr via Michael Scheinost