"É hora de lançar soluções criativas para aumentar equipes e recursos sem sacrificar a qualidade — e fazer isso com um olho num futuro incerto", diz o trecho de um relatório do American Press Institute sobre como redações locais podem se recuperar e prosperar em 2021. Bons exemplos desse trabalho não são difíceis de encontrar nos Estados Unidos.
Uma redação local que está lidando com esse desafio é a do The Seattle Times. Quando o veículo decidiu formar uma nova equipe de reportagem, editores recorreram a líderes comunitários para conselhos sobre quais tópicos eles gostariam que tivessem uma cobertura mais profunda.
A resposta, esmagadoramente, foi a falta de habitação. Dados do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos sustentam essa resposta: entre 2019 e 2020, Seattle e o condado de King tiveram a terceira maior taxa de aumento da população em situação de rua no país.
Esse retorno resultou na criação do Projeto Sem-teto, uma editoria que combina jornalismo vigilante, narrativas poderosas e matérias de jornalismo de solução. Subsídios do Starbucks, da Universidade de Washington e de outros doadores locais ajudaram a financiar as reportagens.
Esta foi a terceira equipe do Seattle Times financiada pela comunidade. As duas primeiras focaram em educação e trânsito. "Elas também surgiram ao descobrirmos os assuntos que as pessoas gostariam de saber mais a respeito. Nós buscamos conselhos e apoio dos nossos leitores", diz Anna Patrick, editora de engajamento do Projeto Sem-teto.
Ao dar início a editorias inovadoras, ela dá as seguintes dicas:
- Tenha certeza que você tem recursos e repórteres para fazer a ideia funcionar — é o primeiro ponto
- Tente obter apoio por meio de financiamento da comunidade local
- Converse com as pessoas. Descubra o que elas querem e o que precisam saber. Pergunte com o que elas mais se importam
- Crie um plano de reportagem para entregar a informação
"Eu recomendo fortemente engajar a comunidade desde o início. Você vai ter muito mais sucesso desde o início", diz Patrick.
[Leia mais: Como usar dados para entender as necessidades dos leitores]
O jornal vencedor do Pulitzer tornou-se um líder no desenvolvimento do financiamento comunitário para o jornalismo de interesse público, um caminho viável para expandir os recursos da redação. Em junho, o Seattle Times anunciou subsídios de US$ 1,1 milhão do Ballmer Group, uma organização filantrópica nacional, para desenvolver uma equipe de reportagem sobre saúde mental e comportamento. A doação vai manter mais de 20 vagas na redação.
O American Press Institute aconselha o seguinte para começar a assegurar recursos para expandir uma equipe de reportagem local:
- Candidate-se agora a oportunidades de financiamento de estagiários, repórteres e bolsas para aumentar sua equipe no fim deste ano ou daqui a um ano. Esses programas normalmente funcionam com antecedência;
- Considere uma vaga financiada pela comunidade ou uma equipe como o Equity Lab do The Sacramento Bee;
- Exercite a criatividade com eficiência. Por exemplo, se a edição exige mais trabalho em determinadas horas do dia, considere contratar editores experientes para trabalhar meio período ou experimente uma semana de quatro dias de trabalho;
Reimaginando editorias tradicionais
De acordo com especialistas de mídia, a inovação é vital para o futuro do jornalismo local. Em artigo do Poynter Institute, Kristen Hare cita uma "reinvenção" das editorias tradicionais, com uma mudança em direção aos interesse dos leitores e uma cobertura que "capture um senso de pertencimento".
"A chave é pensar sobre quem é impactado, para quem a informação importa e com o que as pessoas mais se importam, e então fazer o trabalho em torno daquilo que elas precisam saber", escreveu Hare, que registrou o encerramento de mais de 70 redações durante a pandemia. A maioria eram pequenos veículos semanais com fortes laços comunitários.
Num sentido muito parecido, Pablo Boczkowski, professor na Northwestern University School of Communications, aconselhou jornalistas a "ouvirem e serem guiados" em um artigo do Nieman Lab. "Para prosperar na terceira década do século 21, o jornalismo precisa parar de conceber a audiência à sua própria imagem. Ele precisa encontrar as pessoas onde elas estão em vez de encontrá-las onde gostaria que elas estivessem", ele escreveu.
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Aqui está a boa notícia: há muitas editorias inovadoras para servir de modelo e inspirar mudanças na cobertura local. Os exemplos abaixo são apenas uma amostra:
- O Minneapolis Star Tribune criou uma editoria dedicada a boas notícias chamada Tribune’s Inspired. "Era algo que os leitores queriam muito", diz Gail Rosenblum, a editora responsável. Ela descreve a reação do público como "acima das expectativas", com "muitas pessoas escrevendo toda semana para elogiar o conteúdo"
- A editoria UpSide, do Philadelphia Inquirer, foi inspirada por um leitor que escreveu para o editor-executivo perguntando: "seria possível você considerar publicar somente boas notícias durante um dia inteiro?"
"A Upside está sendo muito bem recebida pelos nossos leitores, especialmente durante a pandemia", conta Evan Benn, diretor de projetos especiais e eventos editoriais do Inquirer. "Muitas pessoas estavam isoladas, preocupadas e agarrando-se a alguma coisa boa. Recebemos um fluxo contínuo de comentários dos leitores que admiram as matérias."
- Entre os exemplos de editorias de boas notícias estão também: The Optimist, uma newsletter do Washington Post; o Good News, do The Today Show; e o "Good News", editorias com nome semelhante do Microsoft News e do HuffPost
- Com uma abordagem mais séria, a Gannet, detentora do USA Today e de mais de 260 veículos locais, adicionou ou realocou jornalistas para 60 novas editorias, muitas delas sobre raça e justiça social. No USA Today, elas tratam de habitação e serviços sociais, oportunidades econômicas, desigualdade no esporte e raça no entretenimento e na cultura pop
"Editores de engajamento também terão que fazer trabalho externo, coordenando grupos focais e conduzindo a comunicação digital com os grupos tratados na cobertura", escreveu Nathan Bomey, do USA Today, quando as mudanças foram anunciadas.
Em maio, a Gannet lançou um projeto de um ano de duração sobre a história racial nos Estados Unidos: "Nunca antes contada: a história perdida das pessoas não brancas".
Sherry Ricchiardi é PhD e co-autor do guia do ICFJ para cobertura de desastres e crises e instrutor internacional de mídia que já trabalhou com jornalistas em todo o mundo sobre cobertura de conflitos, trauma e questões de segurança.
Foto por Marvin Meyer no Unsplash.