Redações locais dos EUA reinventam editorias para criar engajamento

Jul 26, 2021 em Engajamento da comunidade
mesa vista do alto com vários laptops

"É hora de lançar soluções criativas para aumentar equipes e recursos sem sacrificar a qualidade — e fazer isso com um olho num futuro incerto", diz o trecho de um relatório do American Press Institute sobre como redações locais podem se recuperar e prosperar em 2021. Bons exemplos desse trabalho não são difíceis de encontrar nos Estados Unidos.

Uma redação local que está lidando com esse desafio é a do The Seattle Times. Quando o veículo decidiu formar uma nova equipe de reportagem, editores recorreram a líderes comunitários para conselhos sobre quais tópicos eles gostariam que tivessem uma cobertura mais profunda. 

A resposta, esmagadoramente, foi a falta de habitação. Dados do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos sustentam essa resposta: entre 2019 e 2020, Seattle e o condado de King tiveram a terceira maior taxa de aumento da população em situação de rua no país.

Esse retorno resultou na criação do Projeto Sem-teto, uma editoria que combina jornalismo vigilante, narrativas poderosas e matérias de jornalismo de solução. Subsídios do Starbucks, da Universidade de Washington e de outros doadores locais ajudaram a financiar as reportagens.

Esta foi a terceira equipe do Seattle Times financiada pela comunidade. As duas primeiras focaram em educação e trânsito. "Elas também surgiram ao descobrirmos os assuntos que as pessoas gostariam de saber mais a respeito. Nós buscamos conselhos e apoio dos nossos leitores", diz Anna Patrick, editora de engajamento do Projeto Sem-teto. 

Ao dar início a editorias inovadoras, ela dá as seguintes dicas:

  • Tenha certeza que você tem recursos e repórteres para fazer a ideia funcionar — é o primeiro ponto
  • Tente obter apoio por meio de financiamento da comunidade local
  • Converse com as pessoas. Descubra o que elas querem e o que precisam saber. Pergunte com o que elas mais se importam
  • Crie um plano de reportagem para entregar a informação

"Eu recomendo fortemente engajar a comunidade desde o início. Você vai ter muito mais sucesso desde o início", diz Patrick.

 

[Leia mais: Como usar dados para entender as necessidades dos leitores]

 

O jornal vencedor do Pulitzer tornou-se um líder no desenvolvimento do financiamento comunitário para o jornalismo de interesse público, um caminho viável para expandir os recursos da redação. Em junho, o Seattle Times anunciou subsídios de US$ 1,1 milhão do Ballmer Group, uma organização filantrópica nacional, para desenvolver uma equipe de reportagem sobre saúde mental e comportamento. A doação vai manter mais de 20 vagas na redação.

O American Press Institute aconselha o seguinte para começar a assegurar recursos para expandir uma equipe de reportagem local:

  • Candidate-se agora a oportunidades de financiamento de estagiários, repórteres e bolsas para aumentar sua equipe no fim deste ano ou daqui a um ano. Esses programas normalmente funcionam com antecedência;
  • Considere uma vaga financiada pela comunidade ou uma equipe como o Equity Lab do The Sacramento Bee;
  • Exercite a criatividade com eficiência. Por exemplo, se a edição exige mais trabalho em determinadas horas do dia, considere contratar editores experientes para trabalhar meio período ou experimente uma semana de quatro dias de trabalho;

Reimaginando editorias tradicionais

De acordo com especialistas de mídia, a inovação é vital para o futuro do jornalismo local. Em artigo do Poynter Institute, Kristen Hare cita uma "reinvenção" das editorias tradicionais, com uma mudança em direção aos interesse dos leitores e uma cobertura que "capture um senso de pertencimento".

"A chave é pensar sobre quem é impactado, para quem a informação importa e com o que as pessoas mais se importam, e então fazer o trabalho em torno daquilo que elas precisam saber", escreveu Hare, que registrou o encerramento de mais de 70 redações durante a pandemia. A maioria eram pequenos veículos semanais com fortes laços comunitários.

Num sentido muito parecido, Pablo Boczkowski, professor na Northwestern University School of Communications, aconselhou jornalistas a "ouvirem e serem guiados" em um artigo do Nieman Lab. "Para prosperar na terceira década do século 21, o jornalismo precisa parar de conceber a audiência à sua própria imagem. Ele precisa encontrar as pessoas onde elas estão em vez de encontrá-las onde gostaria que elas estivessem", ele escreveu.

 

[Leia mais: O jornalismo precisa aumentar o interesse das mulheres pelas notícias] 

 

Aqui está a boa notícia: há muitas editorias inovadoras para servir de modelo e inspirar mudanças na cobertura local. Os exemplos abaixo são apenas uma amostra:

  • O Minneapolis Star Tribune criou uma editoria dedicada a boas notícias chamada Tribune’s Inspired. "Era algo que os leitores queriam muito", diz Gail Rosenblum, a editora responsável. Ela descreve a reação do público como "acima das expectativas", com "muitas pessoas escrevendo toda semana para elogiar o conteúdo"
  • A editoria UpSide, do Philadelphia Inquirer, foi inspirada por um leitor que escreveu para o editor-executivo perguntando: "seria possível você considerar publicar somente boas notícias durante um dia inteiro?"

"A Upside está sendo muito bem recebida pelos nossos leitores, especialmente durante a pandemia", conta Evan Benn, diretor de projetos especiais e eventos editoriais do Inquirer. "Muitas pessoas estavam isoladas, preocupadas e agarrando-se a alguma coisa boa. Recebemos um fluxo contínuo de comentários dos leitores que admiram as matérias." 

  • Entre os exemplos de editorias de boas notícias estão também: The Optimist, uma newsletter do Washington Post; o Good News, do The Today Show; e o "Good News", editorias com nome semelhante do Microsoft News e do HuffPost
  • Com uma abordagem mais séria, a Gannet, detentora do USA Today e de mais de 260 veículos locais, adicionou ou realocou jornalistas para 60 novas editorias, muitas delas sobre raça e justiça social. No USA Today, elas tratam de habitação e serviços sociais, oportunidades econômicas, desigualdade no esporte e raça no entretenimento e na cultura pop

"Editores de engajamento também terão que fazer trabalho externo, coordenando grupos focais e conduzindo a comunicação digital com os grupos tratados na cobertura", escreveu Nathan Bomey, do USA Today, quando as mudanças foram anunciadas.

Em maio, a Gannet lançou um projeto de um ano de duração sobre a história racial nos Estados Unidos: "Nunca antes contada: a história perdida das pessoas não brancas".


Sherry Ricchiardi é PhD e co-autor do guia do ICFJ para cobertura de desastres e crises e instrutor internacional de mídia que já trabalhou com jornalistas em todo o mundo sobre cobertura de conflitos, trauma e questões de segurança.

Foto por Marvin Meyer no Unsplash.