Redações no Canadá enfrentam crise financeira

Feb 1, 2024 em Sustentabilidade da mídia
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A mídia do Canadá sofre com uma grande instabilidade financeira enquanto redações estão demitindo jornalistas.

Em dezembro, a Canadian Broadcasting Corporation (CBC), empresa pública de radiodifusão do país, anunciou o corte de 600 empregos devido a um déficit orçamentário de 125 milhões de dólares. Cerca de 200 postos vagos serão eliminados e a programação será reduzida.

Dentre as razões para as pressões no orçamento estão a queda na receita publicitária na televisão, concorrência crescente e aumento dos custos de produção.

"Quando vi essa notícia, eu disse que se a CBC está sendo atingida em cheio neste momento, na atual situação econômica, esse não é um bom sinal para ninguém mais", diz Jennifer Hollett, diretora-executiva do The Walrus, site jornalístico independente e sem fins lucrativos. "Você quer pensar que a empresa de comunicação pública tem mais estabilidade. Mas eles estão operando no mesmo cenário que nós, seja no jornalismo com ou sem fins lucrativos."

Um problema generalizado

A CBC não está sozinha. Veículos do país estão enfrentando pressões financeiras devido à redução das fontes de receita.

Em setembro, o Metroland Media Group, um dos maiores grupos jornalísticos do Canadá, entrou com um pedido de recuperação judicial. A medida envolve 650 demissões e o encerramento da publicação dos jornais semanais comunitários em Ontario. 

De acordo com dados do governo, mais de 450 veículos foram fechados no Canadá desde 2008. Pelo menos um terço das vagas de jornalismo no país sumiram durante esse período. Mais de 60 veículos dentre os 450 fecharam as portas a partir de 2020.

"É difícil presenciar isso porque cortes na mídia atingem todo mundo", diz Hollet. "É triste ver nossos colegas perderem seu sustento. Mesmo que você não conheça ninguém na mídia, você vai ver o impacto disso naquilo que você está lendo e, mais importante ainda, naquilo que você não está lendo." 

A Lei de Notícias Online

Em junho de 2023, o governo canadense aprovou uma lei polêmica chamada Lei C-18, também conhecida como Lei de Notícias Online. A lei obriga empresas de tecnologia como a Meta e o Google a compensar os veículos quando seu conteúdo for disponibilizado em suas plataformas. O governo citou a perda de receita publicitária como a principal razão para criar a lei.

A Meta respondeu impedindo os veículos de publicar notícias em suas plataformas, incluindo o Facebook e o Instagram.

O Google ameaçou tomar uma medida semelhante. Mas o governo anunciou em novembro que chegou a um acordo com o Google para que a empresa pague US$ 100 milhões anuais aos veículos jornalísticos no país.

"Foi um ano terrível, nada bom, bem ruim para a mídia", diz Brent Jolly, presidente da Associação de Jornalistas Canadenses. "A maior parte dos grandes veículos do país, tanto publicações em inglês quanto em francês, foi impactada por isso. É algo para termos muito cuidado." 

Jolly espera que a situação melhore para a mídia neste ano, principalmente com a Lei de Notícias Online e os recursos que vão vir de sua implementação. Ele observa que o governo também ampliou os créditos fiscais para a mídia.

"Estou tentando ser otimista e pensar que talvez o pior já tenha passado em termos de precariedade financeira. Não estou totalmente convencido de que há espaço para mais cortes em lugar nenhum", diz. "Em última análise, são os jornalistas que estão na linha de frente, são aqueles que aguentam esse infortúnio quando ele acontece." 

Futuro

A fim de melhorar a sustentabilidade, Hollett recomenda que os veículos diversifiquem seus modelos de receita e de financiamento.

"A mídia precisa continuar inovando e ir até onde as audiências estão passando seu tempo para diversificar suas fontes de receita, porque eu não acho que podemos contar só com uma fonte", diz. "Mas nós também precisamos pagar pelas notícias e investir nas notícias se quisermos ajudar o panorama de mídia."

O The Walrus arrecada fundos por meio de patrocínios, parcerias e séries de eventos. "Nós temos o Walrus Lab, que é uma agência criativa interna em que trabalhamos com marcas, e o dinheiro desse trabalho retorna para o nosso jornalismo", diz Hollett. "Também temos assinaturas e publicidade. Não somos dependentes de uma única fonte de receita."

Em 2020, com a chegada da pandemia, o The Walrus passou a fazer eventos online, explica Hollett. Esse tipo de oferta continuou sendo popular entre o público do veículo.

"É por isso que estamos aqui duas décadas depois e estamos olhando para as próximas duas décadas, porque exploramos modelos inovadores e diversificados de receita", diz. "Não somos simplesmente dependentes de anúncios e assinaturas. Eu diria que esse é o modelo tradicional do impresso."

Enquanto isso, Jolly diz que a Associação de Jornalistas Canadenses vai produzir um guia para jornalistas sobre como arrecadar fundos. Ele vai incluir recomendações de ferramentas à disposição dos profissionais para ajudar a tomar decisões embasadas sobre a melhor forma de gerir seus negócios para manter seu trabalho.

"Eu acho que o que estamos vendo cada vez mais é diferentes veículos pedindo assinaturas adicionais e tentando arrecadar fundos para contratar repórteres", diz.

Hollett concorda que não há uma única solução para sobreviver ao déficit de receitas. Ela observa que tanto pequenos veículos quanto os tradicionais estão testando caminhos para seguir adiante. 

"Eu acho que há tantos grandes desafios no mundo neste momento que a crise da mídia talvez não fique entre as 10 coisas que importam ao cidadão comum", diz. "Mas o permanente corte de vagas e a crise financeira são certamente uma ameaça à nossa democracia. Nós só temos um Canadá saudável se tivermos uma imprensa forte, saudável e independente."


Foto por Hermes Rivera via Unsplash.