Por que jornalistas têm dificuldade de cobrar pelo seu trabalho

Apr 23, 2024 em Temas especializados
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Ensinaram aos jornalistas um dogma: o jornalismo é um serviço público. Ponto.

Esse princípio inegável, que se repetiu por anos nas faculdades de comunicação, acabou se convertendo em um obstáculo moral para várias gerações, que assumiram que quem exerce esta profissão deve única e exclusivamente ao seu público e, portanto, pega mal falar de dinheiro.

"Fomos ensinados que o jornalismo é quase uma missão religiosa", comentou Alejandro Linares em um debate que começou no Twitter. "Aprendemos que é uma profissão por vocação e a pessoa sente que, se não cumpri-la, falhou como servidor público", acrescentou Francesca Díaz. "Nunca nos ensinaram a dar um valor econômico e demorou para que a gente assumisse isso com o tempo", completou Indira Rojas.

Antes de entrar na faculdade, os jornalistas já carregam esse estigma de querer estudar para seguir uma carreira de humanas a fim de fugir dos números. E essa ideia se fixou tão fundo no inconsciente que qualquer menção relacionada a finanças, Excel ou estatísticas virou um assunto inadequado. Um julgamento que só serviu para nos afastarmos da realidade.

"Essa crença tem origem na forma como fomos formados como jornalistas", explica Andrés Rojas Jiménez, jornalista venezuelano com ampla experiência em economia. "Fomos educados com a concepção de que a equipe de vendas estava de um lado e nós, jornalistas, estávamos do outro. Ficamos de fora e nunca aprendemos a vender." 

Quem se formou nas redações dos então grandes veículos, como no caso da jornalista colombiana Catalina Oquendo, cresceu pensando que já tinha sua estabilidade garantida e que a parte econômica não era uma preocupação. "Tínhamos a ideia arraigada de que o financeiro não era importante e que você tinha que estar focado no lado jornalístico."

Mas desde que o modelo de negócios da mídia começou a rachar por causa da queda de receita publicitária e os jornalistas tiveram que se converter em suas próprias empresas, a profissão precisou focar em consertar esse problema para conseguir viver bem da atividade e não ficar presa nos salários ruins das redações nem na precariedade do trabalho independente.

"Nós nos acostumamos a uma estabilidade que não existe", afirma Rojas Jiménez. "Agora você tem que sair por aí oferecendo seus serviços e isso não é fácil. Com o passar dos anos eu aprendi a precificar minha hora de trabalho. Mas antes era inconcebível. Tínhamos a ideia de que cobrar era oportunismo, que a visão do jornalismo se perde com a comercialização. A realidade agora é outra. Você tem que precificar sem incorrer em conflitos de interesse."

O jornalista colombiano Aldemar Moreno também teve que aprender a "se vender" depois de ter trabalhado por mais de 30 anos cobrindo economia e negócios para grandes veículos. "No começo, eu me sentia desconfortável cobrando porque nos ensinaram que o jornalista não deve pensar em dinheiro. Ao seguir o caminho independente, tive que buscar novos modelos de negócios. Encontrei possibilidades, mais isso implicou adotar novas práticas."

Ele diz que o primeiro passo foi aprender a estabelecer uma tarifa para a sua hora de trabalho e o segundo foi considerar os custos envolvidos para que a atividade deixe uma margem de lucro. No entanto, não é um cálculo que todos os jornalistas conseguem fazer logo de cara. Catalina Oquendo confirma.

"Muitas vezes, não sei quantas horas vou gastar para escrever uma matéria porque a criatividade não é algo imediato", confessa. "Eu fui aprendendo. No começo, eu me desgastava muito com coisas que não me davam o mesmo retorno. Agora eu doso mais o esforço. Não trabalho mais com base em matérias, mas sim com base em projetos. E fui perdendo a vergonha de perguntar sobre o pagamento, porque o pior que podem te falar é não."

O terceiro passo sugerido por Moreno é ter um discurso sobre o valor que agregamos como jornalistas. E, por último, aprender a negociar. "Nosso conteúdo contribui, dá uma visão interessante, um contexto real, discernimento... É preciso seguir convencendo que o trabalho jornalístico tem valor. Isso abre espaço para a negociação. Negociar é uma forma de socialização e estamos sendo deixados de lado. Enquanto tivermos argumentos, sempre poderemos negociar."

As novas gerações de jornalistas demonstram ter uma relação diferente com o dinheiro porque chegaram em um momento no qual o modelo de negócio dos grandes veículos ficou ultrapassado e sabem que têm que se vender em um mercado saturado de opções. "Os jornalistas mais jovens não têm esse obstáculo moral", afirma Rojas Jiménez. "Está mais claro para eles devido às circunstâncias vividas e eles lidam com as referências do mercado."

"Como professor universitário, costumo dizer aos meus alunos que desenhem um cifrão na testa", diz Romero. "Falo isso no bom sentido. Não é ganhar dinheiro pelo dinheiro. Temos que entender o modelo de negócio. Nesta economia do conhecimento, devemos saber o que eu agrego, para quê eu sirvo, quem vai pagar meu salário, de onde vai sair o dinheiro. Responder essas perguntas será fundamental para o nosso futuro."


Foto de Kenny Eliason via Unsplash.