O podcast narrativo de não-ficção — produção em que a história e o personagem ganham centralidade — tem conquistado os ouvidos dos brasileiros nos últimos três anos. Prova disso é a presença deles nas recentes listas de podcasts em destaque em plataformas de streaming.
As oportunidades para quem quer investir no formato, sobretudo de forma independente, estão apenas começando a surgir no Brasil, em comparação aos Estados Unidos, por exemplo, onde este tipo de conteúdo é feito desde os anos 1990. O This American Life (TAL), referência mundial nesse meio, é de 1995.
Conversamos com três podcasters que fazem parte desta comunidade que está ganhando fôlego. A seguir, conheça a experiência de Bia Guimarães, do 37 Graus e Cochicho, Rodrigo Alves, do Vida de Jornalista, e Joana Suarez, do Cirandeiras Podcast. Os jornalistas dão dicas em três áreas: planejamento, roteiro e sustentabilidade financeira.
Planejamento: entenda seu público-alvo
Guimarães sugere buscar boas referências e definir o público-alvo na etapa de planejamento. Especificamente sobre as referências, ela faz engenharia reversa de outros programas, ou seja, analisa com detalhes todas as partes de episódios referenciais. Isso ajuda na produção de programas mais criativos.
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“Não é possível escrever um romance sem ter lido muitos romances e o mesmo se aplica para o podcast narrativo”, afirma Guimarães. Vale registrar que algumas produções disponibilizam os roteiros finalizados para qualquer pessoa acessar, como o Praia dos Ossos, da Rádio Novelo.
Ter em mente o perfil de um ouvinte ideal auxilia na definição dos rumos do projeto. “É muito importante saber para quem você está falando, ainda mais o podcast que é uma coisa intimista”, recomenda Alves, do Vida de Jornalista, podcast que tem um nicho: jornalistas e estudantes de jornalismo.
Já o Cirandeiras Podcast tem como público-alvo pessoas interessadas na questão quilombola, ribeirinha e indígena. Isso porque, a cada episódio, a produção narra a história de uma mulher envolvida nestas causas, diz Suarez.
Roteiro: tenha uma estrutura natural
O caráter intimista do podcast narrativo passa pela construção do roteiro, processo central neste tipo de produção. A ideia é transportar quem está ouvindo para dentro da história e isso exige um texto estruturado, explica Guimarães, sendo o desafio costurar, por meio da narração, entrevistas, sons e trilha sonoras. O 37 Graus busca fazer isso, contando histórias com um “pé na ciência”.
Um roteiro bem construído não significa, contudo, que a improvisação deve ser deixada de lado. Pelo contrário, quanto mais natural for a narração, melhor é para quem está ouvindo. Diferente de uma reportagem tradicional de rádio, o podcast narrativo busca contar uma história como se fosse uma conversa entre amigos.
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No Cirandeiras, o roteiro mescla as experiências das próprias apresentadoras com o tema de cada episódio. “Misturamos a história da entrevistada com a sua luta, com dados sobre o tema e trazemos também um pouco da gente, da nossa pessoalidade explica Suarez, que lidera o programa ao lado da jornalista Raquel Baster. A entrada do narrador como parte da história também aparece no 37 Graus e no Vida de Jornalista.
Depois de uma temporada composta por programas de entrevistas, o Vida de Jornalista investiu em episódios narrativos na segunda temporada. “As histórias vão caminhando como se fosse um documentário”, diz Alves, que produziu a série documental Memórias, finalista do Prêmio Vladimir Herzog, na categoria Produção Jornalística em Áudio. Para ele, que faz todas as etapas dos processos do podcast sozinho, é preciso ir testando recursos diferentes para encontrar os que mais funcionam.
Sustentabilidade financeira: diversifique suas fontes de receita
Para tirar seus projetos do papel, os produtores independentes adotam uma estratégia híbrida de financiamento. O 37 Graus, por exemplo, tem feito seus episódios graças a aprovação em editais, entre eles o Google Podcasts creator program. Além disso, Guimarães e a cofundadora do podcast Sarah Azoubel produziram uma série chamada Epidemia, que conta a história de grandes surtos no mundo. A produção despertou interesse da Folha de S.Paulo, que comprou o conteúdo, gerando receita para o projeto. “As formas de financiamento vão surgindo com o crescimento do podcast narrativo no Brasil”, avalia a jornalista.
“Existem editais em várias áreas que não são necessariamente para podcast, mas que cabe um projeto deste tipo. Pensar no podcast como o produto final para uma seleção de bolsas de reportagem também é uma boa opção”, salienta Suarez, que já foi selecionada por editais, programas de bolsa para repórteres e também teve, como Alves, seu podcast indicado na edição de 2020 do Prêmio Vladimir Herzog.
O financiamento coletivo também faz parte da estratégia de sustentabilidade financeira do Cirandeiras, mesma ferramenta adotada pelo Vida de Jornalista. “Hoje, todos os gastos do podcast são cobertos pela campanha, inclusive equipamentos”. Alves indica esse modelo para quem não está ligado a uma empresa: “Ser bancado pelos ouvidos oferece independência editorial.”
Plataforma reúne informações sobre podcasting
Para fomentar a comunidade de podcasters, Guimarães e Azoubel lançaram o Cochicho, um espaço online que apresenta dicas, oportunidades e reflexões sobre os processos que envolvem a produção de um podcast narrativo.
O site agrega entrevistas com produtores, lista com dicas e artigos de opinião. “Eu e a Sarah sempre conversamos que não tínhamos onde aprender no Brasil. Era difícil encontrar material em português e mais do que isso, sempre sentimos falta em ter algo com a nossa cara, refletindo o nosso cenário, nossas demandas”, conta Guimarães. “O espaço está aberto para quem quiser contribuir.”
Jeferson Batista é um jornalista e antropólogo brasileiro. Baseado em Campinas, São Paulo, colabora como freelancer para diferentes veículos e conta histórias sobre ciência, religião, diversidade e direitos humanos.
Imagem principal: print de logos do Cirandeiras, Vida de Jornalista, Cochico e 37 Graus.