Plataforma indiana inova na cobertura de saúde mental

Nov 30, 2022 em Temas especializados
woman walking on road in morning sun

A cobertura de saúde mental não é tão simples quanto repetir fatos — ela também requer a tarefa minuciosa de lidar com informações e histórias sensíveis. Uma cobertura responsável do suicídio, por exemplo, pode evitar o suicídio por contágio, também chamado de efeito Werther.

Problemas de saúde mental frequentemente são uma consequência de problemas sistêmicos maiores. Mais que isso, é impossível informar sobre saúde mental sem abordar como ela muda a vida das pessoas. Se é preciso cobrir o tema honestamente, a cobertura da saúde mental não pode ser feita aos moldes do jornalismo de paraquedas, no qual os repórteres tratam de um único evento por um período curto de tempo. 

Quando Tanmoy Goswami se tornou o primeiro "correspondente de sanidade" do The Correspondent  — e do mundo —, ele buscou provocar os leitores a pensarem sobre saúde mental de um novo jeito, fosse cobrindo a necessidade de reformular a atitude de empregadores em relação à saúde mental no ambiente de trabalho ou denunciando os fatores sistêmicos que transformam o autocuidado em uma arma e culpam as pessoas por seus problemas de saúde.

Em dezembro de 2020, Goswami fundou o Sanity by Tanmoy, inicialmente uma newsletter e mais tarde uma plataforma que publica histórias autênticas e universais ancoradas na natureza interseccional da saúde mental, ao mesmo tempo em que amplifica experiências próprias em fontes jornalísticas.

Transitando pela linha tênue: jornalismo ou defesa de causa?

Na condução do Sanity by Tanmoy, Goswami parte da perspectiva de que somente a expertise da experiência própria pode embasar a cobertura de saúde mental. "Postar no Twitter sobre minha experiência de depressão, ansiedade e tendência suicida foi o que me levou ao caminho que estou seguindo no momento", diz Goswami. "Eu comecei a escrever sobre saúde mental por causa da minha própria história."

Quando Goswami lançou o Sanity by Tanmoy em dezembro de 2020, os primeiros assinantes incluíam Jaclyn Schess, fundadora e CEO do Generation Mental Health. Schess acredita que a experiência pessoal é o que ajuda o Sanity by Tanmoy a desvelar temas do jornalismo de saúde mental. "Ninguém mais que está falando de saúde mental está prestando atenção às determinantes sociais, econômicas, políticas e éticas do mesmo jeito que o Sanity. O site está construindo um corpo de conhecimento que muitas pessoas no cenário global de saúde mental precisam ver", diz Schess.   

O fato de o veículo discutir saúde mental "com clareza e um estilo lúcido, sem muitos jargões" é importante, de acordo com Amrita Tripathi, fundador e editor do The Health Collective, que cobre saúde mental e doenças mentais de uma perspectiva indiana. "O Sanity está ajudando a expandir a conversa sobre saúde mental na Índia e no Sul Global", diz.

Centrando na experiência própria

Jornalistas frequentemente ouvem que "você não é a história". E por uma boa razão. Mas quando jornalistas estão informando sobre sua própria experiência, os especialistas podem ser eles mesmos.

"Essa é a tensão central do meu trabalho", diz Goswami, explicando que frequentemente ele não consegue se desvincular da história sobre a qual está escrevendo. "Se pensarmos no jornalismo como esse exercício de se distanciar das coisas, então isso nunca vai ser jornalismo. E estou em paz com isso."

As pautas do Sanity adotam essa abordagem única. Um exemplo é a matéria que explora a conexão entre psiquiatria e sistemas policiais. "Essa reportagem se destaca para mim como uma das melhores contribuições do Tanmoy, tendo em vista que [a matéria] liga problemas sociais de um jeito que muitas pessoas no cenário da saúde mental precisam ver", diz Schess. "[Ela está centrada] em torno de experiências próprias e de pessoas que foram excluídas dessa conversa." 

O que estava faltando na cobertura de muitos veículos sobre saúde mental era "o conforto de saber que a pessoa que está escrevendo a matéria de fato entende como é a experiência do mundo pra mim a maior parte do tempo", acrescenta Goswami.

Desafiando a ortodoxia

abordagem de Goswami diverge da ideia de que fontes com autoridade deveriam ser somente especialistas tradicionais — acadêmicos, pesquisadores, consultores, analistas — e não pessoas com suas próprias experiências, neste caso com problemas de saúde mental. Essa prática perpetuou uma cultura de "ir atrás de aspas" dominada por gigantes das relações públicas, que conseguem oferecer uma perspectiva privilegiada em vez de uma abordagem mais cuidadosa que busca ativamente por histórias de grupos e fontes marginalizadas ou sub-representadas.

"Eu acho que [a especialidade vinda da experiência própria] também estimula a reportagem responsável. Repórteres podem se sentir bem inseguros na falta de fontes e perspectivas de experiência própria. Eles podem usar linguagem estigmatizante, que é muito danosa", diz Schess. Embora seja possível informar com sensibilidade sobre certos assuntos sem a experiência própria, esse conhecimento pode ajudar a adicionar nuance e profundidade à reportagem.  

Consequentemente, o Sanity by Tanmoy está ajudando a preencher uma lacuna que a grande mídia frequentemente não consegue preencher. "A grande mídia parece não ter o tempo ou o espaço — pense nos deadlines apertados, que não favorecem conversas com nuance — para a cobertura detalhada sobre saúde mental e doenças mentais", diz Tripathi.

A economia da sanidade

Comandar um veículo centrado na experiência própria é uma batalha constante entre a paciência e o estresse de entregar algo para a audiência. Pessoas com problemas de saúde mental têm menos "dias ensolarados", de acordo com Goswami, o que traz limitações. "O Sanity tem muita margem para reportagem de campo. Como as restrições de recursos e a minha doença me dão apenas uma quantidade limitada de energia a cada mês, não tenho conseguido ter esse equilíbrio." 

O Sanity é totalmente financiado por leitores e respeita a privacidade dos usuários. Isso é intencional: interseccionalidade, especialidade vinda da experiência própria e autonomia de financiamento externo sempre foram centrais para a ética do veículo. 

Assegurar recursos de anunciantes nunca esteve em questão para Goswami. "Quanto mais você expande o seu círculo de dependência, mais você precisa se responsabilizar por coisas sobre as quais você não tem controle. Além disso, se o objetivo real desse trabalho é ser focado no leitor, então a extensão natural desse experimento era perguntar: 'os leitores podem sustentar o site?'." 

O  Sanity by Tanmoy é um protótipo que nos mostra como uma editoria como a de saúde mental pode ser conduzida com cuidado. Mesmo assim, Goswami observa que comandar uma empreitada centrada tão próxima da identidade de uma pessoa "é tão exaustivo e repleto de ansiedade quanto recompensador." 


Foto por Emma Simpson via Unsplash.