Periferias Plurais: jovens narram suas comunidades com apoio do ICFJ

Sep 12, 2022 em Engajamento da comunidade
Banner de propaganda do projeto

“Me pergunto como é a criação de branco. Eles aprendem a viver ou a sobreviver? Será que a mãe branca avisa que nunca pode correr com a carteira na mão mesmo que esteja atrasado? Que a ‘roupa de favelado’ pode trazer dor de cabeça?” Esse é um trecho da crônica A menina do Morro da Formiga, de Nielly Vitória, publicada através do Periferias Plurais, projeto em que jovens das periferias de Curitiba escrevem para o Plural, jornal independente e local da cidade.

A ideia é retratar as periferias por outra perspectiva, além das notícias de crimes, amplamente divulgados. Rogerio Galindo, coordenador do projeto e sócio do jornal, informa que os jovens atuam como “correspondentes" de vila, para mostrar como é a vida nessas regiões.

Contemplado pelo programa Acelerando a Transformação Digital, uma iniciativa do ICFJ em parceria com o Meta Journalism Project, o projeto contou com oficinas gratuitas de jornalismo para os jovens selecionados e com a mentoria da jornalista Graciela Selaimen.

“Junto com a nossa mentora, indicada pelo ICFJ, bolamos um curso em três fins de semana. A ideia era repassar conceitos básicos de jornalismo. Falamos sobre texto, foto, vídeo, ética, a importância do jornalismo independente e do jornalismo de periferia. Tivemos conversas muito legais sobre o jornalismo atual e redes sociais”, explica Galindo.

Em três meses, a mentoria atuou na exploração de novas parcerias e financiamentos e na experimentação de diferentes linguagens com os jovens das periferias. “Foi fascinante observar a abertura da equipe do projeto à experimentação e exploração de novas conexões e possibilidades de fazer jornalismo”, destaca Selaimen.

Participantes do Periferias Plurais
Participantes do projeto "Periferias Plurais" (Foto: divulgação Plural)

 

Sem a bolsa, o programa não vingaria

A vontade de cobrir as periferias vem desde o início do Plural, em 2019. Galindo conta que o jornal procurou parcerias, mas que só conseguiu realizar o projeto com os recursos do programa Acelerando a Transformação Digital, do ICFJ. Foram 15 mil dólares muito bem aplicados. pelo Periferias Plurais, que também contou com o apoio da Associação de Jornalismo Digital (Ajor).

Os jovens selecionados recebem uma bolsa mensal de R$ 500,00 e escrevem dois textos por mês para o jornal. A bolsa garantirá a duração do projeto até boa parte do ano que vem, mas Galindo pretende captar recursos para continuar com o projeto. “Apesar de sermos pequenos ainda, temos conseguido resultados bem bacanas, de audiência e de influência na vida da cidade. Em grande parte, graças a parcerias como essa”.

Do Morro da Formiga e da Vila Torres para o mundo

Nascidas e cridas nas periferias de Curitiba, Nielly Vitória e Mariana Pinheiro  têm muito o que contar. Hoje, escrevem para o Periferias Plurais e trazem o seu olhar sobre a realidade da comunidade. “A periferia nunca vai ser verdadeiramente vista se outros veículos não tomarem essa mesma iniciativa de colocar gente que é de dentro das comunidades para escreverem sobre suas questões", diz Pinheiro. "Você pode ler muito e estudar por anos, mas nada substitui a vivência e experiência em primeira pessoa”. Ela tem 21 anos e é moradora da Vila Torres. Seu primeiro texto publicado no jornal fala do desconforto e da potência de quem cresceu sendo discriminada.

“As pessoas não esperam que as crias da periferia sejam capazes de juntar algumas palavras bonitas e complicadas para escrever para um jornal, por exemplo. Acontece que quando se tem uma base forte numa família matriarcal, como acontece com boa parte das famílias de onde eu venho, é difícil que te tirem o orgulho de ser quem você é, com todas as características do lugar onde nasceu e cresceu”. (Mariana Pinheiro)

Pinheiro, que se define como uma mulher lésbica, faz faculdade de Produção Cênica, ama dança e pretende ser escritora. Apesar de escrever desde os 13 anos, nunca tinha tido coragem de mostrar seus textos. O contato com jornalistas experientes e as oficinas a encorajaram a aceitar o desafio.  “Foi como uma enorme porta se abrindo. Conversamos e tivemos trocas significativas com profissionais de várias áreas do Plural e parceiros, exercícios práticos e dicas valiosas para nos ajudar a seguir com esse projeto”.

Criada no Morro da Formiga, Nielly Vitória, a dona do texto que abre esta matéria, pretende fazer Psicologia Social e Serviços Sociais, é voluntária numa instituição que encaminha jovens para vagas de emprego e tem como principal referência sua mãe. “Desde sempre e para sempre, a minha mãe é minha inspiração de pessoa, de ser humano, de mulher. Ela aguentou muita coisa e deu a melhor educação e vida para mim e para meu irmão”. A jovem conta que foi a escrita que a ajudou a passar por fases difíceis. Ela se diz surpresa e empolgada com a repercussão do seu texto e deseja ganhar o mundo. “A menina do Morro da Formiga tem vários sonhos e quer conquistar o mundo. Uma das minhas maiores vontades é fazer graduação fora. Independente de muita coisa que aconteceu e acontece eu quero sentir que o mundo é pequeno para mim”.


Foto: Cartaz de inscrição para o projeto