Para o fact-checking ir além dos já convencidos: alie-se a atores inesperados

Mar 31, 2023 em Combate à desinformação
asdasda

Quem se dedica em tempo integral à verificação de fatos teme ser lido pelas mesmas pessoas de sempre: pesquisadores, profissionais especializados em alguns temas, advogados de direitos humanos, ativistas e outras pessoas preocupadas com o fenômeno da desinformação. Para transcender este círculo de pessoas convencidas, as alianças são inevitáveis.

Foi o que explicou Laura Zommer, diretora do Chequeado e cofundadora da rede Factchequeado, em uma fala sobre alianças e comunicação estratégica contra a desinformação, como parte do ciclo de conferências Empowering the Truth, realizado pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ na sigla em inglês).

Zommer defende que o impacto sem alianças é "muito pouco eficiente", mas que as alianças podem inclusive serem com grupos ou pessoas que não se buscaria tradicionalmente.

"É preciso pensar em alianças mais amplas e diversas para chegar às pessoas que estão sofrendo com a desinformação e não estão vindo até nós. Se estamos trabalhando com desinformação de saúde, por que não trabalhar com associações médicas?", explicou Zommer.

Factchequeado, que se encarrega de desmentir informações para a audiência latina nos Estados Unidos, viu essa possibilidade e se aliou à Associação Médica de Pediatras do país. 

"Nas consultas, chegam pais que não querem determinados tratamentos porque viram nas redes algumas desinformação sobre assuntos ligados a vacinas ou outros tratamentos que ficam marcados como negativos", contou Zommer.

Aliar-se com o "outro"

Zommer explica que, quando estávamos na escola, e em uma dinâmica nos pediam que fizéssemos duplas, ficávamos chateados quando escolhiam para nós a pessoa com quem devíamos trabalhar. Mas ao longo desse processo, era possível ver coisas que não se poderia ver com outras pessoas, e nos informamos sobre coisas que jamais ficaríamos sabendo, porque a desinformação circula em tribos ou comunidades que não se falam entre si.

"É claro que a gente acha melhor escolher quem se parece com a gente, mas se nossa ideia é sermos legítimos em contextos polarizados, queremos ser legítimos para os dois lados. Isso também implica fazer alianças com grupos que não necessariamente compartilham toda nossa forma de ver o mundo", comentou.

A colaboração com grupos inesperados pode ajudar os verificadores de fatos a compreender melhor como as notícias são difundidas e interpretadas em diferentes comunidades e grupos sociais. Isso pode ser especialmente útil quando se trata de combater a desinformação propagada através de grupos fechados ou comunidades online.

Para que esse tipo de aliança tenha sucesso, explicou Zommer, é preciso definir bem as expectativas, fixas regras claras e atribuir papéis. "Em uma colaboração, se a aliança for bem-sucedida, ganha-se mais do que se cede."

Podem ser cantores, igrejas ou grupos comunitários. A experiência de Laura Zommer mostra que é preciso ter a mente aberta e transcender os grupos tradicionais com os quais o jornalismo se alia. "É preciso estar mais disposto a ser um pouco mais arriscado", acrescentou.

Ao final de sua fala, Zommer apresentou uma lista de projetos de verificação de fatos ao redor do mundo que estão criando alianças com outras organizações para potencializar seu alcance. Estas são algumas das organizações:

  • Re-verso: aliança de veículos e empresas de tecnologia liderada pelo Chequeado para lutar contra a desinformação durante as eleições na Argentina;
  • Factchequeado: aliança de veículos latino-americanos que serve comunidades nos Estados Unidos. Tem mais de 41 aliados em 16 estados;
  • CrossCheck: projeto de jornalismo colaborativo que nasceu na França para combater a desinformação durante as eleições de 2017. Mais de 37 redações fizeram parte do projeto;
  • Projeto Com Prova: iniciativa colaborativa de 41 veículos brasileiros;
  • Coronavirus Fact Alliance: 100 verificadores de todo o mundo se uniram para publicar, compartilhar, desmentir e traduzir fatos sobre a pandemia da COVID-19. Foram feitas mais de 117 mil verificações;
  • #UkraineFacts: aliança contra a desinformação sobre a guerra na Ucrânia e a invasão russa. São 70 organizações de mídia em 75 países.

Foto por krakenimages via Unsplash.