O primeiro webinar de 2025, do fórum do ICFJ, trouxe os impactos das recentes decisões da Meta em acabar com o programa de moderação de conteúdo nos Estados Unidos. O anúncio foi feito por Mark Zuckerberg (dono do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp). Ele alega que os atos de censura vêm crescendo ao redor do mundo e critica as medidas tomadas na Europa, América Latina e China. Segundo o magnata, é chegado o momento da empresa “voltar às raízes” e retirar tantos filtros, em prol da liberdade de expressão.
Pensando nos desdobramentos do anúncio no jornalismo brasileiro, Natália Leal, diretora-executiva da agência de checagem e educação midiática, Lupa, conversou com Daniel Dieb sobre a nova configuração do combate à circulação de notícias falsas e discursos de ódio para a comunidade fact-cheking. É o que você acompanha agora, pelo vídeo e resumo da conversa.
O anúncio esperado
A Meta tem acabado gradativamente com seus programas de apoio aos jornalistas ao redor do mundo e dificultado o acesso aos relatórios, por isso, a decisão não foi uma surpresa para a comunidade e já era esperada pelo alinhamento com a política atual dos Estados Unidos. “Desde que o Trump sinalizou, no início de 2024, que sua plataforma de governo estava conectada aos interesses do Vale do Silício, nós já sabíamos que a não moderação de conteúdo aconteceria em algum momento”.
Para Leal, o que surpreendeu foi o prazo da medida ocorrer exatamente no dia seguinte à homologação do Trump, e não da sua posse. Outra situação impactante foi a agressividade do vídeo de Zuckerberg que coloca a moderação de conteúdo como censura e diz querer se livrar dos checadores de fatos. “É um momento de muitos dilemas, inclusive existenciais, de qual é o nosso papel. É importante ter sangue-frio e não jogar tudo para o alto. O jornalismo é resistência e precisamos manter o princípio da profissão em mostrar o que quer ficar oculto. Precisamos do engajamento das pessoas”.
O que mudou com a nova diretriz
A jornalista explica que, de maneira geral, estão sendo encerrados, apenas nos Estados Unidos, os programas de verificação de fatos independentes. A checagem será substituída por “notas da comunidade”, nas quais os usuários sinalizam conteúdos indevidos.
É importante salientar que as organizações de checagem independentes no mundo e no Brasil, como a Lupa e Aos Fatos, continuam exercendo o seu trabalho. “Com as regras novas, a Meta passa a permitir discursos de ódio. Frases racistas, homofóbicas, xenofóbicas e de intolerância religiosa passam a ser admitidas. Nós (checadores) devolvemos a informação verdadeira para a plataforma, mas qualquer atitude a partir daí, como apagar o post ou diminuir o alcance, é por conta deles”, afirma Leal, que acredita no afrouxamento na moderação de conteúdo e na diminuição da veiculação pela Meta da notícia checada.
Ainda é difícil dimensionar o impacto dessas medidas no Brasil e no mundo. É preciso acompanhar os desdobramentos das recentes decisões. “Durante o ano de 2025, a expectativa é que os brasileiros continuarão vendo a verificação de fato dentro das plataformas. Os contratos seguem ativos”.
Por outro lado, ela pondera que o trabalho existia antes do programa da Meta e vai continuar existindo. Além disso, a nova política pode ser uma oportunidade de fortalecer outras frentes. “O que fazemos dentro da Meta é enxugar gelo. O combate à desinformação é multissetorial, a checagem sozinha não vai resolver. A educação midiática, formas diferentes de distribuição e projetos para levar informação para a audiência são importantes”, ressalta.
A dinâmica do lucro
Para Leal, a decisão tem a ver mais com questões econômicas do que concordar com o teor dos discursos de ódio, que conhecidamente geram engajamento. “As plataformas são empresas pouco transparentes que têm seu algoritmo protegido por sigilo industrial. O que elas querem é aumentar o tempo de permanência do usuário”.
A jornalista destaca que a Meta já drenava os investimentos desde 2022, quando acabou com alguns programas de apoio ao jornalismo. O pronunciamento de Zuckerberg aumenta a visão de que jornalistas têm interesses escusos. “Vivemos um momento em que um gigante fala dos checadores de maneira hostil e os coloca num patamar de censores. Isso é falso e prejudicial à visão da sociedade do nosso trabalho”, afirma.
Diversidade de fontes para depender menos das plataformas
A Lupa investe desde 2020 em diversidades de fontes de receitas e editais que permitem manter a estrutura da agência, fortalecendo parcerias empresariais, com marcas e organizações de checagens. “A ideia é diminuir cada vez mais a participação do programa na nossa receita. A Lupa não sofrerá um impacto financeiro”, explica.
Apesar da sustentabilidade financeira, preservar a saúde mental da equipe é uma preocupação pela expectativa do aumento dos ataques aos jornalistas. “Temos ações preventivas para a revisão da segurança digital, o apoio de escuta ativa e auxílio psicológico, além da transparência na gestão, com fóruns internos de discussão para dar a segurança de que a Lupa não vai fechar. A prioridade é preservar o nosso time”.
Foto: montagem Canva