O último “7 de Setembro” no Brasil, data em que se celebra a independência do país, foi marcado por manifestações antidemocráticas. A começar pelos discursos do próprio presidente Jair Bolsonaro que atacou ministros do Supremo Tribunal Federal alegando que o STF pode “sofrer aquilo que não queremos”.
A crise provocada pelo presidente com os demais poderes da República afeta diretamente o jornalismo brasileiro. As manifestações do último feriado reuniram um público menor do que o esperado mas com faixas de protesto com pedidos de “intervenção militar”, “fechamento do STF” e “volta do AI-5” (Ato Institucional 5 que foi instituído em 1968 resultando, por exemplo, no fechamento do Congresso Nacional e das assembleias legislativas, com a instituição da censura prévia da imprensa e de produções artísticas). Todas estas demandas são inconstitucionais.
Proteção em telhados e discrição
Para quem está na rua cobrindo manifestações antidemocráticas há um clima de tensão. “Eu evitaria usar qualquer logotipo de imprensa”, diz o jornalista Leandro Demori, do The Intercept Brasil, “E é importante que as redações ofereçam proteção aos colegas”. A orientação de não deixar aparecer o nome da empresa jornalística já é seguida, por exemplo, na TV Globo Brasília: crachás e canopla dos microfones são removidos na maioria das aparições em público.
“O meu primeiro conselho para quem está trabalhando nesse momento é estar o mais informado possível para não ser pego de surpresa. Tentar ser discreto para evitar exposição. E calçar um tênis confortável para poder enfrentar tudo isso”, diz Raquel Porto Alegre, repórter da GloboNews em Brasília, que cobriu a mais recente manifestação do telhado da Biblioteca Nacional, observando do alto o movimento dos apoiadores do governo pela Esplanada dos Ministérios.
“A gente tem recebido insultos na rua, as pessoas estão sempre agredindo a gente de alguma forma. A orientação da empresa é que a gente se retire do local imediatamente sempre quando sentir risco para a nossa integridade”, diz Porto Alegre. “Eu acho bem difícil trabalhar nessas circunstâncias. Tenho um sentimento bem ruim de estar em constante estado de alerta. A gente nunca sabe o que pode acontecer. É sempre um clima de tensão.”
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Medidas judiciais
De acordo com o Sindicato de Jornalistas do Distrito Federal pelo menos dez jornalistas, repórteres fotográficos e cinematográficos sofreram algum tipo de agressão enquanto trabalhavam cobrindo a manifestação do dia 7 de setembro na Esplanada dos Ministérios. Alguns tiveram que deixar o local sob escolta policial. Houve também relatos de profissionais da mídia que precisaram recorrer às forças de segurança e passaram por revista policial e constrangimento. As intimidações de manifestantes que apoiam o atual governo continuaram no dia seguinte. Em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília, jornalistas de duas emissoras de tv tiveram que deixar o local escoltados.
A direção do Sindicato dos Jornalistas do DF considera que a situação se agrava porque além do reforço na segurança pública ser insuficiente tanto na esfera federal quanto distrital, muitos representantes da segurança pública são benevolentes com os manifestantes. “O material que mostra a ação dos manifestantes bolsonaristas será encaminhado à Secretaria de Segurança Pública, de quem cobraremos medidas cabíveis”, diz a coordenadora-geral do Sindicato dos Jornalistas do DF, Juliana César Nunes. “Também colocamos nossa assessoria jurídica à disposição dos colegas que queiram registrar boletim de ocorrência”.
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De acordo com Nunes, o sindicato vem pressionando as instâncias competentes para haver proteção e garantia de trabalho. Depois de uma denúncia do sindicato, um parecer do Ministério Público Federal considerou que existem riscos aos jornalistas que cobrem o Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência, e pede providências ao governo federal.
Um manual prático de segurança para jornalistas
A rede de coletivos Jornalistas Livres criou até mesmo um manual para a segurança dos profissionais que cobrem manifestações. O material foi produzido pelos jornalistas Eduardo Tkacz, Laura Capriglione e Marcelo Cricci. “Nosso intuito é que este manual tenha uma circulação expressiva afim de tornar a cobertura dos atos um ambiente mais seguro para os jornalistas nesses tempos de forte repressão da mídia”, explica Cricci.
Veja aqui o Manual para a Segurança dos Jornalistas, de acordo com os Jornalistas Livres:
1. Não saia sem documentos.
2. Sinalize aos amigos onde estará. De preferência, vá ao ato acompanhada(o).
3. Não deixe o seu celular sem bateria. Leve um carregador.
4. Cuide para que seu celular não seja roubado. Ele é sua ferramenta de trabalho.
5. Se houver repressão, jamais olhe para o lado em que a polícia está atacando. Deixe que a câmera do seu celular “olhe” e registre a ação da polícia.
6. Use sempre em manifestação o crachá dos Jornalistas Livres.
7. Não discuta com policiais.
8. Não aceite provocações de bolsonaristas.
9. Se um agente policial atacar algum manifestante, ou grupo, tente gravar a placa da viatura, nome no uniforme e o número do batalhão (deve estar na viatura e/ou no uniforme).
10. Em caso de prisão, grite seu nome para que os companheiros possam localizá-lo posteriormente.
11. Nunca abandone um companheiro que esteja sendo detido. Mantenha-se calmo e o acompanhe até a viatura.
12. Tenha sempre à mão o telefone da Comissão de Direitos Humanos da OAB (em São Paulo é o 11 3291-8212) e use-o quando necessário.
13. Um policial não pode pegar o celular ou apagar imagens, nessa situação o ideal é ir até a delegacia e acionar os advogados ativistas, mas nunca entregar o aparelho.
Foto: Gerd Altmann no Pixabay
Fabiana Santos é editora de Português da IJNet, em Washington-DC. Especialista em TV e midias sociais. Mestranda em Relações Interculturais.