O Sri Lanka vem enfrentando consideráveis turbulências políticas e econômicas em tempos recentes.
Uma grande crise econômica, que começou em 2022 e desencadeou protestos generalizados que levaram à renúncia do então presidente Gotabaya Rajapaksa em julho daquele ano, perdura até hoje.
A próxima eleição presidencial do país, em 21 de setembro, é um momento significativo que vai dar uma ideia importante da direção que o Sri Lanka vai tomar nos próximos anos.
Para saber mais sobre o que jornalistas podem esperar das próximas eleições, a dinâmica política do país e outros temas, eu conversei com Munza Mushtaq, jornalista experiente que já escreveu para uma ampla gama de publicações, incluindo Nikkei Asia, Al Jazeera e Los Angeles Times.
Confira a seguir o que ela tem a dizer.
O que jornalistas precisam saber sobre a próxima eleição presidencial do Sri Lanka?
Até então, nas eleições presidenciais, o Sri Lanka historicamente presenciava uma batalha entre dois candidatos pela liderança. Porém, pela primeira vez, nós temos quatro líderes políticos influentes disputando a presidência – o presidente em exercício Ranil Wickremesinghe, o líder da oposição Sajith Premadasa, o líder do Partido Nacional Popular (NPP) Anura Kumara Dissanayake e Namal Rajapaksa – sendo três deles favoritos (Anura, Sajith and Ranil).
A Commissão Eleitoral já informou aos seus funcionários para que estejam preparados para uma segunda apuração de votos pela primeira vez, diferentemente do passado, quando o vencedor era declarado logo na primeira contagem. De acordo com a Lei de Eleições Presidenciais de 1981, um candidato precisa assegurar mais de 50% dos votos totais para vencer a eleição.
Se nenhum candidato atingir a maioria no primeiro turno, os dois candidatos com o maior número de votos vão para uma segunda contagem. Portanto, pode haver um atraso na divulgação dos resultados desta vez, caso seja necessário fazer uma segunda contagem.
Quais as principais questões envolvidas na eleição?
Esta é uma eleição crucial porque é a primeira desde que o país mergulhou em uma turbulência econômica e instabilidade política após os protestos de 2022, que demandavam mais responsabilidade e reformas. Cada candidato apresentou propostas políticas que objetivam tirar o Sri Lanka dessa crise econômica contínua.
O presidente Wickremesinghe enfatizou a importância de continuar a reestruturação econômica apoiada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), alertando para uma crise econômica mais profunda caso seus esforços sejam interrompidos.
Paralelamente, tanto Premadasa quanto Dissanayake, embora apoiem o acordo com o FMI, ainda não apresentaram alternativas concretas para a recuperação econômica. Apesar de eles terem afirmado que o programa do FMI vai "continuar", ninguém sabe ao certo o que esperar ou o que eles podem vir a introduzir ou tentar mudar, nem se tais medidas podem potencialmente tirar o programa dos trilhos. Também vale notar que o Sri Lanka já passou por 16 programas do FMI no passado e fracassou em atingir os objetivos de todos eles.
Muitos srilankeses têm pedido mudanças desde o início da crise econômica. Pela primeira vez, Anura Kumara Dissanayake, do NPP, identificado como um populista de esquerda, conseguiu tração significativa nos últimos meses devido a contínuas promessas de combate à corrupção, uma demanda importante dos protestos de 2022 e que tirou Gotabaya Rajapaksa da presidência. Uma porção notável da geração mais jovem, junto com um segmento significativo de eleitores populares, parece favorecer Dissanayake como parte de sua demanda por mudanças em relação aos políticos tradicionais.
O quanto está sendo dada atenção à relação do Sri Lanka com o FMI?
O FMI tem sido uma questão central nessa eleição presidencial, com muitos candidatos tentando conquistar o apoio dos eleitores oferecendo alívio dos pesados encargos fiscais e medidas de austeridade criadas por Wickremesinghe. Eu acredito que, de várias formas, essa eleição vai servir como um referendo das políticas de reestruturação econômica comandadas por Wickremesinghe e o FMI, e que causaram dificuldades generalizadas, incluindo um regime severo de impostos e medidas de austeridade que pioraram para muitos a crise do custo de vida.
Em muitos eventos de negócios, os principais candidatos asseguraram aos eleitores que não vão comprometer o programa do FMI, admitindo a importância dele para a recuperação econômica do Sri Lanka e o caminho em direção à estabilidade. Porém, se a história servir de exemplo, os governos não conseguem subsidiar ou reduzir impostos eternamente sem criar grandes problemas financeiros, como ficou demonstrado durante a presidência de Gotabaya Rajapaksa, apesar das muitas promessas feitas nas eleições de 2019.
Você tem alguma recomendação de segurança para jornalistas?
O trabalho de um jornalista envolve cobrir o sentimento da população, mas grandes aglomerações podem rapidamente se tornarem voláteis durante eventos com carga política. Portanto, é crucial manter uma distância segura de potenciais pontos críticos e ter estratégias de fuga claras se a situação escalar, especialmente em multidões tumultuadas.
A política frequentemente está presente nesses eventos, e é inteligente ficar perto dela. Pode haver casos em que protestos descontrolados levem ao uso de jatos de água ou gás lacrimogêneo, então é importante estar preparado para tais cenários.
Além disso, após o fim da votação, às 16h, pode haver a imposição de toques de recolher para manter a ordem. Jornalistas sempre devem carregar suas credenciais ou RG para a fácil identificação enquanto estiverem trabalhando na rua.
Qual sua opinião sobre o modo como a mídia e repórteres estrangeiros estão fazendo a cobertura da campanha até o momento?
Essa eleição atraiu atenção considerável, principalmente porque vai acontecer depois de uma crise econômica. Há muita coisa em jogo, e as expectativas das pessoas por reforma, responsabilização e mudanças estão orientando boa parte do debate. É essencial capturar esses sentimentos com precisão. Essa eleição pode inclusive definir a direção futura do Sri Lanka, e para fazer uma cobertura eficaz disso, é importante que jornalistas estrangeiros se conectem com os sentimentos das ruas ao informarem a situação para o mundo.
Eu acho que é importante que os repórteres estrangeiros cobrindo essa eleição tirem um tempo para conversar com uma gama ampla de pessoas, não só as vozes de sempre. Envolva-se com comunidades, entenda a realidade do dia a dia e tenha uma ideia do que os srilankeses comuns estão pensando.
Muitas vezes, fazer a cobertura de longe, contando com observações superficiais, pode resultar em uma cobertura vaga ou incompleta que deixa passar a essência do que as pessoas estão verdadeiramente vivendo.
Esta entrevista sofreu pequenas edições.
Foto por DIRON j via Pexels.