O que cidadãos de quatro países africanos pensam sobre liberdade de imprensa

por Jeffrey Conroy-Krutz
May 25, 2023 em Liberdade de imprensa
Newspapers hanging on a line in Dakar, Senegal

Em julho de 2022, o programa BBC Africa Eye lançou um documentário sobre as ações de gangues no noroeste da Nigéria. O material, The Bandit Warlords of Zamfara, analisava ataques a pequenas cidades, raptos e assassinatos que afligiram grandes áreas do país. Notavelmente, a produção incluía entrevistas com os ditos bandidos, que descreveram suas ações violentas e expuseram suas queixas.

O governo nigeriano respondeu furiosamente à exibição do documentário. O ministro da informação, Lai Mohamed, chamou o material de "a pura glorificação do terrorismo e banditismo". A Comissão Nacional de Radidofusão, que regula o setor no país, disse que o documentário "abala a segurança nacional na Nigéria".

A comissão emitiu multas no valor de 5 milhões de nairas (cerca de R$ 54.000) cada para a MultiChoice Nigeria Limited, a NTA-Startimes Limited e a TelCom Satellite Limited Trust Television Network pela exibição do programa. 

O documentário, e a reação do governo nigeriano a ele, acendeu um debate ferrenho sobre os limites das liberdades da imprensa. Alguns justificaram as multas, dizendo que a reportagem da BBC estava "se tornando uma ferramenta para terroristas". Outros condenaram a produção por "ocultar" a realidade para servir ao governo e minar o direito do público de aprender.

O debate vai no cerne de uma questão enfrentada por todas as democracias: quando, se é que alguma vez, o governo deve impor limites à mídia?

Em 2021, eu entrei para a equipe de pesquisadores do Afrobarometer em um projeto para entender o que os cidadãos pensam sobre a liberdade de imprensa. O Afrobarometer é uma organização de pesquisa pan-africana independente dedicada ao estudo da opinião pública. Em mais de um ano, nós focamos em quatro países: Costa do Marfim, Quênia, Nigéria e Uganda.

Nós descobrimos que a população nesses países não pode ser caracterizada simplesmente como a favor ou contra a liberdade de imprensa. As pessoas que apoiavam a democracia eram mais solidárias à proteção da mídia contra a interferência do governo. Mas esse grupo oscilava para a necessidade de censura em caso de discurso de ódio e informação falsa.

Questões controversas

Outros países africanos também enfrentam questões controversas sobre liberdade de imprensa e democracia. Por um lado, dar poder a governos para limitar a mídia pode abalar democracias frágeis ao permitir que aqueles que estão no poder silenciem reportagens investigativas e vozes de oposição.

Por outro lado, a mídia livre traz problemas em potencial. Isso inclui desinformação, discurso de ódio e até estímulos à violência.

Nosso projeto buscou explicar como as pessoas de diferentes países africanos ponderam essas razões em potencial a favor e contra a limitação da liberdade de imprensa. As pessoas são mais solidárias aos limites a tipos específicos de conteúdo em relação a outros? E como as características das pessoas, como seu apoio à democracia, moldam suas atitudes em relação à mídia?

Essas perguntas são importantes diante do recente declínio do apoio à liberdade de imprensa na África, mesmo quando os ataques dos governos a essas liberdades aumentam. Por exemplo, em 2022, dezenas de jornalistas foram presos na Etiópia, e mais de 120 ataques a redações e profissionais foram registrados na República Democrática do Congo. E novas leis em países como a Tanzânia perseguem a mídia independente e estrangeira, muitas vezes sob o pretexto de lidar com desinformação e mensagens divisivas.

Limitar liberdades para proteger a democracia?

Para responder às nossas perguntas, nós fizemos entrevistas com especialistas em mídia, usando pesquisas por telefone representativas da população nacional e grupos focais. Também analisamos dados de pesquisas nacionalmente representativas feitas pelo Afrobarometer em quatro países em 2019 e 2020.

As atitudes relativas à democracia afetam a forma como as pessoas se sentem em relação à mídia. Aqueles com uma visão positiva da democracia e que rejeitam alternativas não democráticas se mostraram mais propensos a concordar com a afirmação seguinte:

A mídia deve ter o direito de publicar quaisquer opiniões e ideias sem controle do governo.

Os céticos na democracia se mostraram mais propensos a concordar com a afirmação alternativa:

O governo deve ter o direito de evitar que a mídia publique coisas que ele desaprove.

Nós fomos mais fundo, apresentando diferentes tipos de conteúdo de mídia potencialmente problemático e medindo o apoio à censura do governo para cada um deles. 

Os que apoiam a democracia foram mais propensos a se opor à censura de mensagens que o governo desaprova. Em outras palavras, apoiar a democracia, mais uma vez, significava apoiar o direito da imprensa de compartilhar conteúdo que venha a desagradar quem está no poder. 

Porém, nós encontramos resultados muito diferentes quando se tratava de dois outros tipos de conteúdo: discurso de ódio e informação falsa.

Nesses casos, as pessoas mais comprometidas com a democracia eram as mais propensas a apoiar a censura. Apoiar a democracia significava apoiar restrições àquilo que a mídia pode dizer.

Justificar a censura para os fins democráticos

Normalmente, nós associamos censura com autoritarismo. O que explica então por que as pessoas que mais apoiam a democracia serem também as mais solidárias a certos tipos de censura?

Nós sugerimos que os africanos nos países estudados na verdade consideram que limitar certos conteúdos é necessário para defender a democracia. Um total de 60% dos respondentes da nossa pesquisa telefônica nos disseram que a mídia dissemina muito discurso de ódio. Tal linguagem pode prejudicar o bem público ao gerar violência e desordem. Mas também pode levar à discriminação e outras violações de direitos centrais para a democracia.

Conforme nos disse o participante de um grupo focal em Lagos:

A caneta foi feita para escrever. Mas eu também posso usá-la para ferir alguém. Por isso, se eu não usá-la adequadamente, ela se torna algo ruim.

Os participantes do nosso estudo tinham preocupações similares em relação à informação falsa. Mais de 60% falaram que ela é um problema. Como nos disse um ugandense do distrito de Rwampara, a mídia hoje 

só quer saber de negócios, tanto que está sendo conhecida por informar sobre fatos pouco pesquisados e em outros casos mentir abertamente.

A democracia requer cidadãos informados, o que a informação falsa enfraquece. É fácil ver por que tantas pessoas comprometidas com a democracia veem a censura como um passo necessário.

Caminhos complicados à frente

Muitos dos nossos participantes enxergam de fato os perigos de dar poderes ao governo para censurar a mídia. A maioria dos que apoiam a democracia pendeu para o lado de apoiar o direito da mídia de produzir conteúdo sem grandes limitações. Como disse um participante queniano:

Se não tivermos cuidado com isso, a erosão contínua da liberdade de imprensa vai seguir e vai terminar mal.

Está claro para a maioria que a democracia não pode sobreviver sem uma imprensa livre. O desafio é que, aos olhos de muitos cidadãos, a democracia não consegue sobreviver com ela também. Encontrar o equilíbrio certo entre liberdade e limites segue sendo um dos grandes desafios enfrentados pelas democracias modernas.


Jeffrey Conroy-Krutz, professor assistente de ciência política da Universidade Estadual do Michigan

Este artigo foi republicado a partir do The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

Foto por Ewien van Bergeijk - Kwant via Unsplash.