Os jornalistas do México precisam de boas notícias. Depois de uma década de violência crescente contra colegas mortos por seu trabalho, eles precisam de um sinal de que algo bom está por vir. Será que o atual momento de transição presidencial do país poderia ser esse sinal?
Em dezembro, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador (AMLO) se tornará presidente do México depois da maiores eleições na história do país. Com 30,1 milhões de votos, o AMLO recebeu o maior número de votos já contado em uma eleição. Apesar da popularidade do AMLO, há uma certa cautela sobre a mudança a seguir. Para jornalistas em missões perigosas, essa incerteza é particularmente grande. Embora seja muito cedo para saber com certeza o impacto do AMLO na segurança dos jornalistas, organizações internacionais e mexicanas começaram a especular e oferecer recomendações ao novo presidente.
O México é um dos países mais perigosos para jornalistas no mundo. De acordo com o Índice de Impunidade do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), o país está em sexto lugar, atrás de países que estão atualmente em zonas de guerra ativas. Noventa por cento dos crimes cometidos contra jornalistas ficam impunes. Em 2017, 21 jornalistas mexicanos foram assassinados com total impunidade. A maioria dos afetados são jornalistas locais em estados dominados por cartéis de drogas, reportando especialmente sobre crime, corrupção e política.
É importante notar que muitos desses assassinatos são realizados com o conhecimento e até a participação de oficiais públicos, diz Jan-Albert Hootsen, correspondente mexicano do CPJ. "A linha entre o crime organizado e os funcionários públicos, especialmente em nível local, pode ser muito difusa."
O contexto da eleição histórica deste ano exacerbou essas tensões. A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e sua parceira mexicana, Propuesta Cívica, monitoraram o avanço da vitória do AMLO, registrando 45 ataques contra jornalistas de janeiro a maio de 2018. Candidatos, partidários políticos e equipes da campanha foram os principais responsáveis, e vários buscavam posições de poder: “Os oito candidatos que cometeram ataques estavam concorrendo a prefeito, governador ou senador.”
O México já possui um marco institucional e legal para proteger jornalistas. No entanto, diz Hootsen, "o grande número de ataques mortais e não mortais contra os repórteres nos diz que este quadro não está funcionando."
Se as declarações do AMLO no início deste ano (e a confiança de seus apoiadores) são alguma indicação, sua administração pode sinalizar uma mudança radical. “Nós vamos cuidar de jornalistas porque eles estão sob um estado de extrema ameaça. Eles não podem mais escrever livremente porque estão sob ameaça. Sob meu governo, eles terão liberdade plena”, disse o então candidato em janeiro.
As administrações anteriores expressaram sentimentos semelhantes, sem tomar medidas concretas para apoiar a imprensa mexicana. A questão agora é se as afirmações do AMLO são retórica de campanha ou emblemáticas da política real.
"Ele falou sobre [a segurança da imprensa], mas, como muitas das propostas de políticas do presidente eleito, são longas em termos gerais e muito escassas em detalhes", disse Hootsen. "Acho que é cedo demais para expressar otimismo ou pessimismo sobre as intenções do AMLO."
Até certo ponto, limitar a violência contra os jornalistas só é viável através da contenção da violência geral. De acordo com a pesquisa do CPJ, os dois números sobrem e descem em paralelo. No entanto, em 28 de maio deste ano, o RSF, o CPJ e o Artigo 19 do México enviaram um documento à equipe de campanha do AMLO, expressando suas preocupações de segurança e fazendo recomendações de políticas concretas para mitigar as ameaças à imprensa.
"O próximo presidente do México... precisará tornar essa política um elemento importante do programa do governo para reverter essa tendência mortal", disse Emmanuel Colombié, diretor do escritório do RSF na América Latina.
Os elementos da política recomendada incluem o reforço do mecanismo federal de proteção aos jornalistas e o combate à impunidade, especialmente por meio da concessão de mais recursos para investigar e solucionar esses crimes através do Gabinete do Procurador Especial para Crimes de Liberdade de Expressão (FEADLE, em espanhol).
Também inclui procedimentos novos e padronizados para investigar crimes contra jornalistas, bem como mecanismos aprimorados para monitorar a dimensão psicológica das ameaças aos jornalistas. Em uma nota relacionada, o relatório enfatiza a importância de coordenar com a Comissão Executiva de Atenção às Vítimas (CEAV) para avaliar o risco em escala nacional.
Contudo, não houve menção à segurança da imprensa no “Proyecto de la Nación”, o documento de 461 páginas do AMLO sobre seus planos para a presidência.
Hootsen também observa que o AMLO indicou que não avançará com uma proposta de reforma constitucional que tornaria o Procurador Geral mais independente, o que é preocupante, diz Hootsen, “porque uma das razões pelas quais os níveis de impunidade são tão altos é que o México não tem realmente um judiciário independente.”
No entanto, quando se trata de mudar o status quo para os jornalistas, os elementos negativos da política talvez sejam menos significativos do que a atitude geral do público mexicano em relação ao futuro de seu país. Os mexicanos estão mais preocupados do que nunca em erradicar a corrupção, e fazer disso uma prioridade foi uma parte importante da campanha do AMLO. Caso ele cumpra com suas promessas, os jornalistas locais que têm feito esse trabalho há décadas (e sua segurança) seriam inestimáveis para esse progresso. Ainda é muito cedo para conhecer o impacto do AMLO, mas muitos mexicanos permanecem cautelosamente otimistas.
"Acho que há grandes mudanças a vir", disse o professor Gaston Melo, ex-vice-presidente da Televisa e ex-conselheiro do governo. “Tivemos 50 anos de sociedade civil tentando romper as barreiras da oligarquia e mudar o status quo, mas acho que esta é uma oportunidade muito rara e única para esse país, tanto para os jornalistas quanto para o governo.”
Lisa Martine Jenkins é uma jornalista atualmente baseada na Cidade do México. Ela cobre relações internacionais e questões ambientais. Siga-a no Twitter.
Imagem principal sob licença CC no Wikimedia Commons via ProtoplasmaKid. Gráfico cortesia do RSF.