O malabarismo entre notícias, pandemia e o cuidado com os filhos

Aug 3, 2020 em Reportagem sobre COVID-19
Renata Feldmann e os dois filhos

A rotina mudou. Os filhos estudam de casa, o cuidado com a higiene triplicou e as notícias sobre coronavírus têm destaque diário. Estar na linha de frente da pandemia reportando ou assessorando o que acontece é desafiador. 

“Mais triste do que ter contato com uma overdose de notícias ruins e tanta dor, é ver que mesmo com informação há uma quantidade de pessoas que parecem cegas, negam a pandemia e não tomam qualquer cuidado, colocando elas próprias e a comunidade em perigo”, diz Renata Feldmann, editora da GloboNews em Brasília. 

Feldmann continua trabalhando na redação. Mas agora há vários procedimentos. “Quando chego tenho que higienizar computador, teclado, telefone, cadeira, mesa de trabalho, fone de ouvido. O distanciamento foi adotado e dois computadores ao meu lado ficam vazios. Para comer ou beber água, tenho que sair da redação e ir num local isolado. Às vezes, a máscara dificulta a comunicação, mas tem que usar”, diz.

Para alguns jornalistas, que estão desde março trabalhando de casa, o trabalho aumentou. “As pessoas nos acionam o dia inteiro via WhatsApp, e-mail, telefone. Inclusive meu ramal da CNI foi transferido para o celular. Não tem hora, nem dia”, explica João Pimentel, assessor de imprensa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

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Cris De Lamônica, assessora de imprensa da Secretaria de Projetos Especiais do Governo do Distrito Federal, conta que chegou a emagrecer e ter insônia. “No início foi mais difícil porque eu tinha trabalho sábado e domingo. O chefe ligava e achava que, em casa, eu estava disponível a qualquer hora. Eu tive que impor certos limites. Final de semana só se for muito urgente. Se der para esperar até segunda-feira, eu não mexo no sábado e nem fico trabalhando até muito tarde. Meu limite é sete da noite”, diz.

Cris Lamônica ajudando seu filho a estudar
A jornalista Cris De Lamônica ajuda seu filho Bernardo na tarefa da escola virtual. Foto: Arquivo pessoal.

 

Pais e mães jornalistas também tiveram que se adaptar para ajudar os filhos nas aulas online. “Confesso que é um pouco difícil. Às vezes eu estou atendendo algum jornalista, em vídeo, fazendo um texto, e minha filha pede atenção para tirar dúvida”, conta Pimentel, pai de cinco filhos com idades entre 1 ano e 24 anos. A mulher dele voltou recentemente a trabalhar fora, então na maior parte do tempo, Pimentel faz mesmo malabarismo entre trabalho e filhos, ainda que tenha uma pessoa em casa ajudando.

“Acompanhar as aulas online pra mim se tornou desafiador. Tenho tendência a querer resolver tudo rapidamente, então preciso me segurar pra não assumir tarefas do meu filho mais novo. Também acho difícil acompanhar as tarefas passadas pela escola de forma digital, tanto que às vezes vejo que tem uma lista de deveres acumulados que não vi”, diz Feldmann, com filhos de 9 e 13 anos de idade. Ela é separada do pai deles e foi preciso introduzir uma nova logística. “Ficarem sozinhos por um período de até quatro horas foi uma novidade introduzida pela pandemia”, conta.

Lado positivo do confinamento com os filhos

O marido de De Lamônica também está trabalhando de casa. Eles tiveram que comprar um computador para o filho de 9 anos. Ela explica que as aulas online estão dando mais certo do que as presenciais.

“No início, eu tinha que ficar junto o tempo todo para ele conseguir focar, não ficar mexendo no chat durante a aula, não ficar com o microfone aberto e atrapalhar a professora”, conta. “Bernardo tem TDAH, é hiperativo, ele não consegue se concentrar na sala de aula, muito por causa do barulho. Em casa ele está bem mais focado, com notas melhores. Até nosso relacionamento melhorou,” afirma.

João Pimental com quatro de seus filhos
João Pimentel passa mais tempo com seus filhos, com idades entre 1 e 24 anos, desde o início da pandemia. Foto: Arquivo pessoal.

 

Pimentel descobriu que também se sente mais focado ao trabalhar em casa: “Porque no escritório tem gente que vai na sua mesa conversar com você, tem pausa para cafezinho, muitas reuniões presenciais e ainda o ruído do ambiente. Redação, mesmo assessoria, é um pouco ruidosa, jornalista é muito comunicativo, então tá sempre tendo barulho.”

E o que os três jornalistas dizem para os filhos sobre a pandemia? Eles evitam que as crianças assistam noticiários mas conversam abertamente sobre os cuidados e a gravidade da doença. E tentam tirar o melhor proveito das circunstâncias. 

De Lamônica conta que está orgulhosa do sucesso do filho nas aulas online. “Ele fazer aula no escritório que fica num local central, ajudou. E deixamos o som da aula alto para verificar se tudo está bem”, explica. 

Pimentel, pela primeira vez na vida, consegue fazer todas as refeições com as crianças e até brincar de bola no fim do dia. “Inclusive tenho muito mais contato com o bebê: trocando fralda e colocando pra dormir”, diz.

E os meninos de Feldmann aprenderam a arrumar a casa. “Passamos a cozinhar mais juntos, a ler mais juntos, a inventar. Se divertir dentro de casa e não se entediar é bem mais difícil. Mas estamos conseguindo”, conclui. “Claro que tem dias em que tá todo mundo de mau humor mas o isolamento têm favorecido a proximidade familiar. Essa convivência intensa têm bem mais prós do que contras."


Fabiana Santos é brasileira e mora em Washington. Ela é jornalista freelance, produtora e editora de vídeos, e responsável pelo site Tudo sobre minha mãe.

Imagem principal: Renata Feldmann com seus dois filhos. Arquivo pessoal.