Olhando pela janela do quarto andar do meu escritório, eu consigo ver o prédio da Richmond Free Press — um lugar que fez história e onde ela continua a florescer.
Durante uma cerimônia [em fevereiro], a Sociedade dos Jornalistas Profissionais da Virgínia premiou os fundadores desta publicação de propriedade de negros com o prêmio George Mason. Ao ler sobre o tributo a eles, incluindo o falecido Raymond H. Boone Sr. e sua esposa Jean Paterson Boone, atual proprietária, eu senti uma conexão.
Isso me lembrou de todos os jornalistas negros que pavimentaram o caminho e romperam barreiras para futuras gerações de jornalistas negros. Somos um grupo que deseja ou já está trabalhando com jornalismo. Estamos trazendo uma perspectiva única para o noticiário ao adicionar nossas experiências, ao mesmo tempo em que testemunhamos e contamos histórias nessas comunidades diversas que, de outro modo, não seriam ouvidas. É praticamente como a história da imprensa negra no geral.
A imprensa negra nos Estados Unidos tem uma longa linhagem de publicações de propriedade de negros, umas poucas ainda existindo digitalmente, muitas com data de publicação original há quase dois séculos e décadas antes da abolição da escravidão.
Saber dessa história me dá um senso de orgulho e gratidão, mas também me lembra de algumas das primeiras jornalistas negras que escreveram para essas publicações de propriedade negra — já que elas não tinham outro lugar onde escrever. Com muitos fatores e experiências moldando minha jornada como jornalista, o que mais me inspira nelas são suas narrativas pessoais, coragem e persistência.
Dentre aquelas com as quais me identifico está a venerável Ida B. Wells. Nascida em meio à escravidão em 1862, no Mississippi, os pais de Wells se tornaram politicamente ativos durante o período da Reconstrução dos Estados Unidos e ajudaram a fundar a Rust College, a histórica faculdade de artes liberais negra. Wells frequentou a faculdade por pouco tempo, de acordo com um texto no site do National Park Service. Depois de perder os pais para um surto de febre amarela, Wells e suas irmãs se mudaram para Memphis. Mais tarde, ela estudou na Universidade Fisk, em Nashville.
Em 1884, uma viagem de trem para Nashville foi um momento de virada para ela. Os funcionários do trem queriam que ela deixasse o assento de primeira classe que ela havia comprado e fosse para o vagão onde estavam os negros. Ela se recusou. Depois de uma briga com os funcionários, Wells foi retirada do trem à força. Ela processou a empresa de trem e ganhou um acordo no tribunal, mas a decisão foi anulada pela Suprema Corte do estado do Tennessee.
Ela começou a escrever sobre raça e política no sul. Seu trabalho foi selecionado por muitos jornais negros e periódicos. Ela passou a trabalhar para o Memphis Free Speech (mais tarde renomeado The Free Speech and Headlight), e acabou se tornando coproprietária e editora.
Tempos depois, Wells mudou o foco da sua escrita para o antilinchamento e, em 1898, ela levou sua campanha e demandas de reformas para o presidente William McKinley. Wells também foi uma ativista incansável do direito de voto das mulheres e criou a National Association of Colored Women, cujos objetivos eram a dessegregação e direitos iguais para os negros nos Estados Unidos. Em 2020, Wells foi premiada postumamente com um Prêmio Pulitzer com menção especial por sua "reportagem excepcional e corajosa sobre a violência horrível e cruel contra afro-americanos na época do linchamento."
Outra jornalista notável foi Ethel L. Payne, que escreveu para a publicação de propriedade negra The Chicago Defender. O jornal foi publicado pela primeira vez em 1905 e teve uma edição impressa até 2019, mas ainda existe online como um semanário. Payne é conhecida como a "primeira dama da imprensa negra" e foi a primeira mulher negra a trabalhar como repórter para empresas de Washington.
De acordo com o site do Museu Nacional da História das Mulheres, Payne ingressou no jornalismo depois de trabalhar no Japão para o clube de Serviços Especiais do Exército. Durante a guerra da Coréia, apesar de o exército não ser mais segregado, funcionários negros continuavam a ser maltratados. Ela escreveu em um diário sobre suas condições, como eles suportavam insultos por causa de sua raça e sobre seus filhos mestiços que foram abandonados como órfãos. O trabalho dela atraiu a atenção de editores do Defender, que publicaram alguns de seus textos e acabaram oferecendo a ela um emprego de tempo integral.
Uma pioneira mais recente é Dorothy Butler Gilliam, cujo livro de memórias "Trailblazer: A Pioneering Journalist’s Fight to Make the Media Look More Like America" (Desbravadora: A Luta Pioneira de uma Jornalista para Tornar a Mídia Mais Parecida Com os EUA) detalhou suas experiências, as boas e as más, como a primeira repórter negra do The Washington Post. Ao compartilhar sua história, essa repórter corajosa apresenta o espectro da imprensa negra nos Estados Unidos, citando muitas publicações e repórteres, tanto homens quanto mulheres, com os quais ela criou alianças que a ajudaram a crescer.
Gilliam ingressou no jornalismo no início do movimento pelos direitos civis, ganhando experiência em publicações de propriedade negra, incluindo o Louisville Defender e o Tri-State Defender, ambos em sua cidade natal de Memphis. Gilliam se tornou mestre em jornalismo pela Universidade Columbia antes de ser contratada pelo Post. Ela cobriu direitos humanos, dentre outros temas, enquanto enfrentava racismo intenso na época. Suas primeiras colunas, conforme diz o resumo do livro, "registravam a época em que a grande mídia começou a cobrir a cultura negra." Ao longo de sua carreira de seis décadas, Gilliam encorajou jovens jornalistas e trabalhou para ajudar a diversificar as redações.
O número de histórias sobre jornalistas negras pioneiras que trabalharam na imprensa negra desde a Reconstrução poderia facilmente preencher centenas de páginas. A jornalista Bonnie Newman Davis, que trabalha na Richmond e é ex-repórter do Times-Dispatch, assumiu a tarefa de pelo menos fazer o registro dessas jornalistas que deixaram sua marca nas últimas cinco décadas.
Em seu próximo livro "The Evolution of African-American Women Journalists since 1970" (A Evolução das Jornalistas Afro-Americanas desde 1970), Davis fez uma antologia que inclui jornalistas negras que ingressaram na profissão desde o lançamento do Kerner Commission Report, em 1968. O relatório, feito pela Comissão Nacional de Distúrbios Civis, concluiu que "nossa nação está se transformando em duas sociedades, uma negra e outra branca — separadas e desiguais" e clamou pela expansão da ajuda a comunidades negras para prevenir ainda mais violência racial e polarização.
Combinando sua própria história e inspiração, Davis disse em um email que "como jornalistas negras, nossas histórias, dificuldades e triunfos são negligenciados, desprezados ou não são contados. (...) Nosso ambiente de trabalho nem sempre é convidativo e nossos leitores/audiência podem ser brutais. Ao mesmo tempo, há muita alegria naquilo que fazemos — dando voz a quem não tem voz, falando de pessoas e comunidades que nem sempre são notícia."
É preciso contar nossas próprias histórias e celebrar nossas pioneiras — as Boones e todas aquelas que vieram antes, durante e quem nós somos hoje. Jornalistas negras criaram um legado duradouro para manter nossas vozes vivas e continuar o ciclo de excelência para a próxima geração.
Este artigo foi originalmente publicado pelo Richmond Times-Dispatch e republicado na IJNet com permissão.
Foto por Christina @ wocintechchat.com no Unsplash.