As mudanças tecnológicas de produção e distribuição de conteúdo têm impactado os meios de publicação. Estar por dentro das discussões sobre o alcance das plataformas e sua regulamentação é fundamental para qualquer jornalista ou organização que queira sobreviver nesse novo cenário. Para tratar do assunto, o Fórum da IJNet e do ICFJ (International Center For Journalists) convidou Paula Miraglia, fundadora e CEO da Momentum, centro de pesquisa com parcerias nacionais e internacionais que estuda e propõe soluções que impactem nas interseções entre jornalismo e tecnologia. “A Momentum discute o futuro do jornalismo que viu seu modelo de receita se transformar e não conseguiu se recuperar. Temos uma assimetria gigantesca de poder entre a indústria jornalística e as plataformas”, pontua Miraglia. Segue aqui o vídeo do webinar com Daniel Dieb e na sequência um resumo da conversa.
A sustentabilidade do jornalismo
A dependência das plataformas para distribuir a notícia, a transformação do modelo de receita e a diminuição da confiança com os ataques políticos à credibilidade da profissão são pontos levantados que ilustram a crise do jornalismo. Refletir e propor soluções que repensem o alcance e remuneração pelas big techs é urgente. “Essas questões são levantadas por poucas agências que discutem a atribuição de valor para o conteúdo produzido pelas organizações. O poder de decisão está nas mãos de pessoas fora da comunicação. Isso determina quem vai prosperar, ser lido e impactar o debate público”, ressalta.
O debate em torno do direito autoral e o uso do conteúdo jornalístico, sem remuneração, para treinar modelos de inteligência artificial é destaque. “O New York Times está processando a Open AI pelo uso indevido dos seus conteúdos. Como essa questão se dará no Brasil?” Miraglia afirma que é comum as empresas de tecnologia assinarem contratos de licenciamento com poucos e grandes veículos, uma tendência que acarretará uma concentração maior das empresas de mídia brasileira remuneradas, que terão mais chances de aparecer nas buscas.
A solução envolve o desenvolvimento de ações conjuntas entre empresas de mídia e associações, com o objetivo de regulamentar e combater a baixa remuneração oriunda das big techs e empresas de IA. “O único caminho que podemos ser bem-sucedidos é da cooperação. Acordos individuais são vitórias limitadas. Não há garantia de renovação. O ecossistema de mídia tem que se unir para fazer essas negociações”. Casos mundiais, como a Dinamarca, que extinguiu a negociação individual com as empresas de tecnologia, são exemplos de negociações coletivas para o uso do conteúdo que merecem ser copiados. Este modelo está sendo estudado pela União Europeia.
O debate regulatório
A CEO da Momentum explica que a internet se consolidou e o poder das big techs está muito explícito. “A perspectiva de regulação fica cada vez mais desafiadora. Poderes privados estão moldando o debate público. Temos uma dependência estrutural das plataformas”. Miraglia ressalta a necessidade de regulamentação, mas sem ficar de fora das inovações. “Quem regula demais não é capaz de inovar. Na Europa, a regulação foi mais eficiente, com moderação e punição, mas com menor poder de inovação do que nos Estados Unidos, onde o controle é quase inexistente.” Achar um equilíbrio, no Brasil, nessa equação é fundamental, tendo em vista os estragos dos sucessivos ciclos eleitorais sem controle. “Uma boa regulamentação dá conta de reduzir essas assimetrias e resguardar a inovação a serviço do interesse público”, afirma.
Outra questão fundamental é repensar a relação das mídias com o branded content (estratégia de produção de conteúdo que traz os valores essenciais de uma marca, sem aparentar ser uma propaganda). “Ele é uma chave para a sustentabilidade, mas falta transparência quando um jornal faz um branded content sobre a Uber, por exemplo, ao mesmo tempo em que discute a regulamentação dos mototáxis”, explica.
A regulação das mídias com o uso das inteligências artificiais na produção do conteúdo também foi abordada. “É fundamental, do ponto de vista do consumo de notícia, que haja a transparência de informar que um texto foi produzido por inteligência artificial. A relação que um veículo resolve ter com a audiência diz da sua credibilidade”.
O poder do Brasil no mercado
O Brasil é relevante no debate sobre tecnologia e redes sociais. “Estamos entre os maiores do mundo em padrão de uso. Um mercado importante que poderia investir no desenvolvimento de tecnologia, não para substituir essas plataformas, mas aumentar as opções e poder se colocar em um lugar mais independente e com maiores possibilidades de negociação com as empresas de tecnologia”. A afirmação de Miraglia vem do exemplo dado pela Indonésia, que desenvolveu tecnologia própria e chegou a um patamar em que pode escolher pelo licenciamento de conteúdo entre as empresas internacionais e as próprias do país, focado em modelos de desenvolvimento nacional. “Para fazer debate regulatório é imprescindível se aproximar da indústria e pensar a tecnologia além de um serviço, mas em produtos que possam impactar na comunicação”, afirma.
A especialista explica que, no Brasil, a questão tem avançado significativamente entre governo, academia e sociedade civil. “É importante que nossa visão seja refletida no mercado global. Para isso, precisamos mapear o que estamos produzindo academicamente e criar conexões”. Além disso, destaca que a nossa indústria precisa de uma visão própria de modelo de negócios e de como impactar leitores mais jovens. “Precisamos discutir infraestrutura pública e uma internet que seja aberta para pensar o mundo em outros termos. Por mais que pareça utópico, essa discussão permite a democratização do acesso”.
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