No mundo contemporâneo, as redes sociais estão entre as principais formas de obtenção de informação por parte dos indivíduos. Entretanto, essas plataformas acabam servindo como meios de desinformação devido à própria natureza dos seus algoritmos, que privilegiam conteúdos que geram audiência e engajamento.
No início deste ano, a Meta (empresa dona do Facebook e Instagram), anunciou várias mudanças nas políticas de suas redes como o fim da checagem de fatos por parceiros, substituindo-o por um sistema de “notas da comunidade”, semelhante ao do X (ex-Twitter). Também foram flexibilizadas as regras que limitam discursos de ódio e reduziu-se o alcance dos filtros automáticos que derrubam conteúdos.
Big Techs e a extrema direita
Essas medidas têm impacto especial no Brasil, terceiro país que mais consome redes sociais no mundo, de acordo com levantamento da Comscore, e têm gerado preocupação entre especialistas e parlamentares brasileiros.
Sergio Amadeu, sociólogo professor da UFABC e pesquisador CNPq com ampla atuação na defesa da democratização da comunicação, alerta que há um uma comunhão de interesses entre a extrema direita e as Big Techs, já que a desinformação e os discursos de ódio são lucrativos para essas plataformas.
"A desinformação, em geral, está ligada ao discurso de ódio e esses conteúdos geram muito engajamento. Assim, as plataformas passam a ser muito úteis aos projetos políticos da extrema direita mundial", explica. Ele alerta que as plataformas buscam conteúdos que engajem para coletar cada vez mais dados dos seus usuários e, desta forma, fazer com que eles sejam atingidos por conteúdos específicos de quem realiza marketing nelas.
Com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, que historicamente se beneficia da desregulamentação e falta de moderação nas redes, as Big Techs encontraram no governo norte-americano um aliado para expandir seus interesses globalmente. Isto ficou evidente durante sua posse, quando os principais CEOs dessas empresas ocuparam locais privilegiados.
Um claro exemplo desta união no Brasil ocorrerá no dias 20 e 21 de fevereiro quando o PL (Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro) realizará o seu 1º Seminário Nacional de Comunicação, com a presença de representantes da Meta, Google e TikTok, segundo o partido.
A presença das plataformas no evento da extrema direita ocorre quase um mês após a ausência delas em audiência pública organizada pela Advocacia-Geral da União (AGU). O encontro teve como objetivo debater a decisão da Meta de encerrar o seu programa de checagem.
Projetos parados no legislativo brasileiro
O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que foi relator do PL das Fake News (PL 2630/20), também critica as mudanças nas diretrizes das redes sociais. "As mudanças, especialmente a desregulamentação e o fim das checagens de fatos, representam um retrocesso perigoso para a democracia e para a convivência civilizada no ambiente digital", afirma. Ele alerta que a renúncia das Big Techs a responsabilidades básicas, como a moderação de conteúdos, contribui para a proliferação de práticas criminosas e discursos de ódio.
A Câmara dos Deputados chegou a aprovar em abril de 2024 requerimento de urgência para votar o projeto direto no Plenário. Porém, em junho daquele ano, o presidente da Câmara decidiu criar um novo grupo de trabalho para construir um novo texto de consenso, que até hoje não foi elaborado.
“Hoje existe quase uma simbiose entre o virtual e o real, de modo que não faz sentido que condutas vedadas no ambiente físico ocorram livremente no virtual. A atitude da Meta só reforça essa minha convicção, até porque ela tomou partido de um governo na disputa geopolítica, de maneira que não há como se falar em neutralidade”, defende Silva.
Como não existe segmento econômico imune à regulação, o deputado diz que cabe ao Legislativo cumprir seu papel e criar o arcabouço legal adequado para a regulação desse segmento, o que foi tentado nos debates sobre o PL 2630.
Na omissão do Legislativo, se provocado, o Judiciário é obrigado a fazer a interpretação do tema à luz da Constituição. “É o que está acontecendo na ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade ) sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), julgamento que deve ser retomado em breve”, diz o deputado.
Silva também menciona a influência de figuras como Donald Trump e Elon Musk nesse cenário. "A ascensão de figuras como Donald Trump, que historicamente se beneficiou da desregulamentação e da falta de moderação nas redes sociais, influencia as decisões das Big Techs. No caso específico do X (ex-Twitter), Elon Musk tem adotado posturas que claramente agradam a setores da extrema-direita, transformando a plataforma em um espaço onde discursos extremistas e desinformação circulam livremente", diz.
As intenções da Meta
Joel Kaplan, o novo vice-presidente de assuntos globais da Meta e conhecido republicano que serviu como vice-chefe de gabinete na Casa Branca durante o governo de George W. Bush, explicou em nota pública divulgada pela empresa as razões por trás das mudanças nas políticas da Meta.
"Começando pelos EUA, estamos encerrando nosso programa de verificação de fatos via parceiros e migrando para um modelo baseado em Notas da Comunidade. Permitiremos que as pessoas se expressem mais, eliminando restrições sobre alguns assuntos que são parte de discussões em voga na sociedade e focando a moderação de conteúdo em postagens ilegais e violações de alta severidade", afirma o documento.
Kaplan também ressalta a intenção da Meta de priorizar a liberdade de expressão quase absoluta. "As plataformas da Meta são construídas para serem lugares em que as pessoas podem se expressar livremente. Isso pode ser um pouco caótico. Em plataformas nas quais bilhões de pessoas podem ter voz, tudo o que é bom, ruim e feio está exposto. Mas isso é a livre expressão", diz.
Políticas e ações contra a desinformação
Amadeu defende a criação de políticas públicas para fortalecer o jornalismo de qualidade e combater a desinformação. "O governo brasileiro deveria ter não só um ímpeto para regulamentar, mas também de criar políticas públicas de financiamento do jornalismo autêntico de qualidade", afirma. Ele sugere a criação de editais para financiar alternativas às plataformas controladas pelas Big Techs, além de investimentos em educação midiática no ensino médio e fundamental, agências de checagem e em projetos jornalísticos baseados na cobertura do Brasil profundo onde existem os “vazios informacionais”.
Silva reforça a necessidade de uma abordagem multifacetada para enfrentar o problema. "A migração para plataformas alternativas, como o Bluesky, pode ser uma solução interessante, mas não é suficiente. Precisamos de uma abordagem que inclua a regulação democrática das plataformas digitais, a promoção de alternativas descentralizadas e a educação midiática da população", afirma.
Ambos concordam que o momento é crítico e que a falta de regulação das plataformas representa uma ameaça à democracia. "O problema não é técnico, mas político. Ele consiste em organizar apoio financeiro a iniciativas de entretenimento, cultura e jornalismo que não estejam sob o controle dessas grandes corporações", afirma o pesquisador do CNPq.
Questionado se há a possibilidade de um projeto de regulamentação das Big Techs ser aprovado ainda este ano, o deputado afirma: "A democracia brasileira não pode esperar. É difícil fazer previsões neste momento, mas acredito que ainda há espaço para avançarmos neste ano, especialmente diante dos recentes acontecimentos que evidenciam os riscos da falta de regulação".
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