Liberdade de expressão na Guatemala ameaçada após prisão de jornalista premiado

Aug 8, 2022 em Liberdade de imprensa
Zamora

No dia 29 de julho, a polícia invadiu a redação do jornal elPeriódico, na Guatamela, confiscou equipamentos de impressão, computadores e arquivos, e manteve vários funcionários detidos no local a noite toda. No mesmo dia, policiais prenderam José Rubén Zamora, jornalista internacional de renome e presidente do elPeriódico, em sua casa, na Cidade da Guatemala, sob acusações de "possível lavagem de dinheiro".

Organizações de liberdade de imprensa, da sociedade civil e jornalísticas do mundo todo, incluindo o Comitê de Proteção aos Jornalistas, o International Press Institute e o Centro Internacional para Jornalistas, dentre outras, condenaram a prisão de Zamora e demandaram a sua libertação imediata. O secretário-adjunto dos Estados Unidos para assuntos ocidentais pediu "total respeito aos processos legais sob a lei guatemalteca e segurança pessoal" para Zamora e os jornalistas do elPeriódico.

Zamora, um crítico frequente do cada vez mais autocrático governo do presidente guatemalteco Alejandro Giammattei, chamou sua detenção de "perseguição política" e disse que se for preciso "pagar o nosso amor pela Guatemala com a prisão, aqui vamos nós".

Dias depois da prisão, as autoridades congelaram as contas de Zamora e do elPeriódico, ameaçando a capacidade do jornal de continuar funcionando.

Com a liberdade de imprensa sob ataque não só na Guatemala, mas na América Latina, a prisão de Zamora e a invasão do elPeriódico representam mais um sinal problemático do futuro do jornalismo na região.  

Ataques ao elPeriódico e à mídia independente 

A prisão de Zamora é a mais recente tentativa das autoridades guatemaltecas de silenciar a imprensa. Desde que o presidente Giammattei foi eleito, em 2020, ocorreram 350 ataques contra jornalistas e seu trabalho, de acordo com a Associação de Jornalistas da Guatemala. Incidentes incluem assédio judicial, discurso de ódio, retórica estigmatizante proferida pelo gabinete da presidência e violência policial. A Guatamela ocupa a posição de 124 dentre 180 países no mais recente ranking do índice de liberdade de imprensa da Repórteres Sem Fronteiras.  

O elPeriódico já está acostumado com essa repressão da mídia independente. "Este não é o primeiro ataque de censura que sofremos na nossa história. [O governo] já fez mais de 10 ataques contra os nossos jornalistas, contra o jornal em geral e contra os diretores [desde 2003]", disse à IJNet Juan Diego Godoy, editor do elPeriódico. Em maio, funcionários do governo fizeram acusações criminais contra Zamora e outros dois jornalistas do veículo em retaliação a uma reportagem sobre o papel indeterminado na Autoridade Eleitoral da Guatemala e supostas ligações com a corrupção da funcionária do governo Dina Bosch Ochoa.

Ataques cibernéticos ao site do elPeriódico também são frequentes, de acordo com Godoy. "Temos sido vítimas de ataques de hackers — ataques complexos e muito bem forjados e orquestrados feitos por grupos contra o nosso site. Sofremos pelo menos um ataque pesado por mês", diz. 

A prisão de Zamora e a invasão à redação do elPeriódico são uma tentativa não só de intimidar e censurar o jornal como também de cessar o funcionamento da publicação de vez ao provocar sua ruína financeira.

As acusações de lavagem de dinheiro "visam censurá-los antes de tudo, mas também de prejudicá-los financeiramente para forçar o encerramento das operações", diz Héctor Coloj, coordenador da Associação de Jornalistas da Guatemala. "Acreditamos que as ações contra [Zamora] são um plano de vingança criado pelo presidente Alejandro Giammattei e a Procuradora-Geral María Consuelo Porras Argueta, devido às investigações, críticas e publicações que a mídia faz sobre possíveis atos de corrupção na presidência."

A Procuradora-Geral María Consuelo já sofreu sanções do Departamento de Estado dos Estados Unidos por "corrupção significativa". Rafael Curruchiche, chefe da Promotoria Especial Contra a Impunidade e responsável por ordenar a prisão, foi incluído no mês passado na "Lista Engel", compilação feita pelo governo dos Estados Unidos que identifica nomes "corruptos e antidemocráticos" na região.  

Coloj acrescenta que os eventos do dia 29 de julho também sinalizam para uma potencial nova era de assédio político contra os jornalistas na Guatemala. "Teme-se que o caso de Zamora seja o começo de um processo de caça indiscriminada à mídia, jornalistas e comunicadores críticos do regime Giammattei."

Liberdade de imprensa na região

Com a liberdade de imprensa sendo atacada na Guatemala, os jornalistas estão olhando para as proximidades, na Nicarágua, em sinal de alerta. Godoy destaca o caso de Cristiana Chamorro, jornalista e líder de oposição na Nicarágua que, assim como Zamora, foi presa por acusação de lavagem de dinheiro e impedida de concorrer à presidência em 2021.

É uma tática empregada por autoridades no mundo todo: acusações fraudulentas de evasão de divisas e lavagem de dinheiro têm sido usadas para silenciar e descredibilizar jornalistas críticos ao governo nas Filipinas e no Vietnã, dentre outros.

"A questão da lavagem de dinheiro é um modus operandi de governos com aspirações ditatoriais para enfraquecer a liberdade de expressão", diz Godoy.

A comparação com a Nicarágua não poderia ser mais dura para a mídia da Guatemala. Na Nicarágua, ataques, assassinatos e prisão de jornalistas são crescentes devido a uma nova legislação, forçando muitos repórteres a se exilarem. 

Um ataque contra todos

É urgente que a sociedade civil se mobilize contra a prisão de Zamora, pede Godoy. Do contrário, a liberdade de imprensa vai continuar erodindo. "Todos os veículos estão envolvidos nisso", diz. "É um ataque contra todos, porque não somos os primeiros e não seremos os últimos." 

Ajuda internacional é especialmente crucial. "Organizações internacionais, principalmente em tempos difíceis como este, deveriam servir como amplificadoras das queixas feitas por organizações locais ou jornalistas relativas aos ataques contra eles", diz Coloj. "É importante que a comunidade internacional esteja consciente da violência contra a imprensa, a censura e a perseguição existentes."

Apesar da prisão de Zamora e do congelamento das contas do jornal, a equipe do elPeriódico continua suas reportagens sobre corrupção. Enquanto isso, os funcionários estão aprimorando medidas de segurança, principalmente de segurança digital.

"Estamos tristes e assustados pelos acontecimentos recentes, mas o jornal segue com a sua função", diz Godoy. "Mesmo com o nosso presidente ausente, vamos continuar a informar a verdade com nossas cabeças erguidas. Informar como sempre fizemos."


Foto por Sandra Sebastian.