LAI completa 10 anos no Brasil com desafios na transparência

Oct 17, 2022 em Liberdade de imprensa
Chave

A LAI (Lei de Acesso à Informação) completou dez anos como uma conquista importante da sociedade brasileira, mas ainda precisa superar obstáculos para a sua total implementação. Com o objetivo de regulamentar o direito de acesso a informações públicas assegurado pela Constituição, a legislação estabelece uma série de diretrizes a serem seguidas por diferentes esferas da administração pública.

“Ela foi um grande avanço fruto de um trabalho de advocacy feito pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) em parceria com outras instituições para buscar acabar com um déficit histórico, já que o Brasil foi o nonagésimo país a ter uma lei de acesso, enquanto outros já tinham há mais de cem anos”, afirma Katia Brembratti, vice-presidente da Abraji.

A lei permitiu a jornalistas e cidadãos realizar demandas por informação com muito mais sucesso. “Antes dela, dependia-se muito mais da boa vontade de servidores e assessores do que propriamente de procedimentos claros por parte dos órgãos para atender esse tipo de demanda. A LAI resolveu esse problema na medida em que tornou claro prazos, responsabilidades, direitos de recurso, direito a revisão de decisões e critérios mais claros para classificação de informações”, explica Bruno Morassutti, advogado, cofundador e coordenador de advocacy da Fiquem Sabendo, agência de dados independente especializada na Lei de Acesso à Informação.

Obstáculos ao uso da LAI

Durante seu período em vigor, a legislação vem impulsionando a transparência pública e iniciativas de governo aberto, embora enfrente obstáculos. Recentemente, ela tem sido ameaçada pela classificação equivocada de documentos públicos como sigilosos e pelo uso indevido da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) para negar pedidos de acesso à informação.

O fato do Brasil ainda não ter uma cultura de prestação de contas e transparência é outro obstáculo. “Existe um receio de divulgar informações e uma certa resistência de agentes públicos. Ao se negar uma informação você mantém o poder por parte de certas categorias”, diz o cofundador da Fiquem Sabendo. Por isso, segundo ele, é preciso treinar e investir na formação de servidores para que eles tenham capacidade de responder de forma rápida as demandas da população. “O fato da pessoa trabalhar dentro de um órgão público não significa que ela vai saber o funcionamento inteiro do órgão”.

Uma questão relevante em relação à utilização da lei é a falta de preparo por parte dos cidadãos e jornalistas para o uso da LAI. “Não é obrigação do cidadão saber como pedir uma informação e inclusive a lei de acesso diz que o serviço de informação ao cidadão tem que orientá-lo caso ele tenha dúvidas. Nós ensinamos a usar a lei de modo geral traduzindo o ‘juridiquês’ e a ideia é conscientizar o cidadão sobre como ele pode exercer os seus direitos”, afirma Morassutti. Em 2021, a Fiquem Sabendo lançou a WikiLAI, plataforma com guias, manuais e modelos de pedidos gratuitos que pretende ser o mais completo e atualizado guia sobre acesso à informação pública no país

A falta de regulamentação nos municípios também é um problema. “A LAI é muito mais deficitária e problemática na esfera municipal do que na esfera federal. A maior parte das cidades ainda não tem a regulamentação da lei de acesso”, diz Brembatti, que realizou pedidos de informação para as 645 prefeituras de São Paulo em levantamento para o jornal O Estado de S. Paulo, no qual constatou que dois terços delas desrespeitam a legislação.

Base de dados

Visando contribuir com o trabalho de transparência e acesso à informação, a Abraji, além de realizar cursos de treinamento na LAI para jornalistas, criou o projeto Achados e Perdidos, que reúne solicitações de cidadãos e respostas da administração pública feitas via lei de acesso, resultando em uma extensa base de dados. A base de dados pode ser alimentada por qualquer usuário e de março de 2017 até julho de 2022 a plataforma teve 149 mil visualizações de quase 49 mil usuários. O site inclui também uma seção de dúvidas sobre a lei e possui um chatbot (“repLAI”) que auxilia cidadãos a elaborarem recursos contra respostas negativas a pedidos de informação.

“Estabelecer espaços de diálogo entre a sociedade civil e agentes públicos que trabalham com transparência é extremamente necessário. Hoje temos essa troca por meio de protocolos de forma muito engessada. A partir do momento em que se criam espaços abertos para diálogos constantes e permanentes, isso permite que os entes públicos possam priorizar as demandas que a sociedade realmente tem mais interesse”, defende Morassutti.

Dicas para usar a lei 

Para quem deseja realizar pedidos usando a lei, os especialistas deixam algumas dicas:

- Faça cursos e treinamentos. Entidades como a Abraji costumam oferecer cursos gratuitos;

- Seja objetivo. Menos é mais;

- Faça pedidos de forma numerada em lista;

- Sempre peça que outras pessoas leiam o pedido antes de protocolar para saber se ele está claro. De preferência, fale com quem já tem experiência no uso da lei;

- Insista, recorra e não desista se não obtiver uma resposta.


Foto: Everyday basics no Unsplash