Jornalistas da América Latina dão conselhos para investigar o crime organizado

por Santiago Villa
Jul 30, 2024 em Jornalismo investigativo
Magnifying glass looking at money

O dinheiro ilícito do tráfico de drogas é apenas uma fração do que os conglomerados criminosos multibilionários da América Latina depositam em paraísos fiscais pelo mundo. Extração ilegal de ouro, exploração de madeira na Amazônia, tráfico humano, corrupção governamental e extorsão criam fontes de receita lucrativas para organizações cujos interesses financeiros, clientes e cúmplices abrangem o mundo todo.

Jornalistas especializados em rastrear as finanças e operações do crime organizado compartilharam métodos, ferramentas e protocolos de segurança para investigar o crime organizado durante o webinar "Investigando o alcance global das atividades ilícitas na América Latina", realizado pela Rede Global de Jornalismo Investigativo (GIJN na sigla em inglês).

Participaram do webinar Bianca Padró Ocasio, que trabalha no Ojo Público, plataforma peruana de jornalismo investigativo;  Joseph Poliszuk, do Armando.info, um dos poucos veículos especializados em jornalismo investigativo sobre a Venezuela; Lilia Saúl, do Projeto de Reportagem sobre Crime Organizado e Corrupção (OCCRP); e Luiz Fernando Toledo, cofundador do Data Fixers. O encontro foi moderado pelo fundador e diretor da Connectas, Carlos Eduardo Huertas.

A melhor prática para investigar o crime organizado: colaboração

Ambiciosos, os projetos de reportagem sobre o crime organizado transnacional são normalmente colaborativos, envolvendo várias redações de diferentes países. Mas como esses projetos têm início? Como você pode determinar com quem colaborar e dar os primeiros passos para construir uma relação de confiança?

"Os melhores parceiros são aqueles que estão de fato interessados em trabalhar com você", disse Toledo. Ele sugeriu buscar potenciais colaboradores para assegurar que você pode oferecer algo que os interesse e que eles tenham algo que você precisa, como habilidades, contatos, fontes ou estarem localizados em um região de interesse. "O jornalismo colaborativo é sobre confiança, compartilhamento radical e disponibilidade. Se uma dessas coisas não existir, não há colaboração bem-sucedida", acrescentou. Poliszuk, por usa vez, sugeriu rascunhar um documento detalhando as responsabilidades de cada parceiro e expectativa de gastos de recursos desde o princípio.

Os jornalistas também lembraram algumas das boas práticas para proteger a privacidade das pessoas, como ter atenção a quais nomes omitir ao lidar com documentos legais ou vazados. Por exemplo, quando trabalharam na NarcoFiles, uma colaboração massiva que expõs mais de sete milhões de e-mails vazados da Procuradoria Geral da Colômbia, todos os veículos concordaram em publicar somente os nomes e informações de pessoas já acusadas ou sentenciadas. "A coisa mais importante que devemos lembrar como jornalistas investigativos é que não somos as autoridades, a polícia ou promotores", disse Saúl, explicando que o objetivo da NarcoFiles era mostrar a escala e a prevalência transnacional do crime organizado latino-americano.

Dissecando o crime organizado por meio da reportagem tradicional

Apesar dos avanços nos grandes modelos de linguagem, no aprendizado de máquina e em softwares de geolocalização, os jornalistas investigativos ainda contam com métodos tradicionais de reportagem, como transformar em informantes pessoas com informações valiosas. "Você precisa entender quem é o informante em potencial e como você pode obter com ele as melhores informações", disse Poliszuk. Uma boa forma de começar, segundo ele recomendou, é analisar as redes sociais da pessoa e entender seu círculo social e conexões.

Padró Ocasio disse que o Ojo Público enviou dezenas de pedidos de acesso à informação sobre garimpo ilegal de ouro na região da Amazônia, a maior delas para autoridades de mineração de países latino-americanos na bacia amazônica. "Algumas respostas foram muito boas, principalmente no Peru e no Brasil, onde há leis sólidas que exigem uma resposta dentro de dez dias", explicou a jornalista. "Nós perguntamos sobre investigações em empresas ou mineradoras locais específicas, a quantidade de equipamentos apreendidos, quais empresas estavam envolvidas e onde elas estavam localizadas", acrescentou.

Mas respostas a pedidos de acesso à informação podem ser incompletas ou não fornecer uma visão geral, por isso elas devem ser verificadas por meio de triangulações e comparações com estudos universitários, pesquisas e fontes de dados específicas. Por exemplo, a equipe de Padró Ocasio cruzou dados de exportação de ouro declarados por cada país com dados alfandegários dos EUA e da União Europeia.

O crime organizado e crimes ambientais estão cada vez mais interligados. Cartéis e grupos armados combinam o tráfico de drogas com o tráfico de espécies selvagens, mineração ilegal e extração ilegal de madeira. Áreas da Amazônia brasileira se tornaram polos do crime, tornando difícil entender as novas estruturas globalizadas da América Latina sem considerar a imensa floresta. Toledo sugeriu, ao investigar crimes ambientais no Brasil, usar sites ricos em dados como a base de dados de certificação da Forest Stewardship Council (FSC) e a base de dados de multas do IBAMA. Extrair e cruzar esses dados pode gerar informações valiosas sobre empresas, grupos e pessoas monitoradas.    

Para tratar dados em uma escala extraordinária, Toledo recomendou usar o ChatGPT para revisar o código quando sua equipe estiver utilizando ferramentas como Python ou R.

Preservando a segurança ao investigar o crime organizado

O crime organizado foi um dos principais causadores de mortes de jornalistas fora de áreas de conflito em 2023, de acordo com o Comitê de Proteção aos Jornalistas. Investigar o crime organizado pode trazer consigo assédio, ataques hackers e até mesmo tentativas de assassinato.

Ao trabalhar em áreas com a presença do crime organizado, Padró Ocasio recomendou garantir que a equipe tenha contatos confiáveis para avaliar a segurança da região. "Nós baseamos muitas das nossas decisões de reportagem em relatórios de ONGs que investigam a mineração ilegal; também entramos em contato com a comunidade local e organizações indígenas nos principais locais que visitamos", disse Padró Ocasio. Já Saúl detalhou a abordagem tripla de segurança usada pelo OCCRP durante o projeto colaborativo NarcoFiles, o que envolveu combinar segurança digital, editorial e física/psicológica. Todos os jornalistas que colaboraram na reportagem receberam treinamento em protocolos de segurança digital, uso de VPN, protocolos de roteamento de internet e a plataforma de comunicação Signal.

A segurança editorial foi fortalecida por meio do estabelecimento de protocolos para lidar com informações sensíveis, facilitando a análise e o aconselhamento legal para todos os jornalistas, além da centralização da coordenação do projeto com o editor do OCCRP na América Latina, Nathan Jaccard.

Eles também estabeleceram um comitê de segurança física para responder a potenciais ameaças durante a investigação. Os jornalistas foram encorajados a reportar ao comitê quaisquer atividades suspeitas ou ameaças diretas. Eles ainda foram aconselhados a terem atenção ao seu bem-estar emocional, devido à possível exposição a vídeos violentos no conjunto de emails da procuradoria recebidos no vazamento da NarcoFiles. Saúl também enfatizou a importância de sempre deixar um colega saber onde você vai estar e quais fontes você planeja encontrar. 

Por fim, os veteranos deram dicas aos jovens jornalistas ávidos para provar o seu valor na desafiadora área da reportagem de crime organizado: aprenda a ler, usar e dominar planilhas, saiba como acessar documentos públicos, pratique o que você aprendeu ao trabalhar em um projeto, analise mais profundamente empresas que são ativas na internet e nas redes sociais, leia veículos independentes e participe de conferências relevantes. "Há sempre algo novo para aprender", disse Toledo.


Foto por Noelle Otto via Pexels.

Este artigo foi originalmente publicado pela GIJN e republicado na IJNet com permissão.