Jornalista queniana: 'Às vezes, como jornalistas, somos ativistas'

Nov 7, 2019 em Temas especializados
Rose Wangui

Quando Rose Wangui começou como estagiária na NTV em 2000, ela rapidamente percebeu que algo estava errado. As histórias cobertas eram todas iguais — política, notícias de última hora, tribunais — não havia histórias humanas. As vozes das pessoas, especialmente as de fora da cidade, estavam completamente ausentes da narrativa convencional.

"Eu queria mostrar aos espectadores algo que eles nunca viram, algo que nunca tiveram", disse Wangui. “Decidi me concentrar mais em histórias de interesse humano e ir a algumas das áreas mais remotas do Quênia.”

Quando ela lançou essas ideias para os editores do departamento de televisão do Nation Media Group, com sede em Nairóbi, no entanto, eles foram rápidos em recusar. Como jovem funcionária que trabalha nos bastidores, ela não tinha experiência em reportagem, e eles não queriam conceder fundos a ela.

Sem desistir, Wangui pagou os custos de um carro e uma câmera do próprio bolso, viajando para comunidades remotas e marginalizadas para contar suas histórias. Não demorou muito para que editores e públicos-alvo percebessem o valor.

"Sempre que fazemos histórias de interesse humano, as pessoas dizem: 'Essas são os tipos de histórias que queremos ver, queremos ver mais disso'", explicou Wangui. “A última coisa que querem ver é política. Querem algo com uma nova perspectiva, algo diferente, algo pelo qual possam se capacitar e inspirar.”

Agora repórter em tempo integral, ela aborda tópicos difíceis e tabus na sociedade queniana, como saúde materna e infantil, escravidão sexual de meninas, mutilação genital feminina (MGF) e desafios para pessoas intersexuais.

Suas reportagens detalhadas e entrevistas abrangentes provocaram debates nacionais e inspiraram mudanças. Por exemplo, depois de reportar sobre os desafios que as mulheres nos condados do norte enfrentam ao viajar para o hospital para dar à luz, um governador construiu novas maternidade e liberou ambulâncias gratuitas.

A cobertura desses tópicos não é fácil. Ela entrevista vítimas de trauma e pessoas que sofreram perdas terríveis, o que pode lhe afetar emocionalmente. No entanto, para Wangui, é importante permanecer "neutro e forte" nesses momentos.

“Você só precisa se concentrar, fazer perguntas e obter suas respostas. Por mais que você se emocione, você não deixa transparecer", ela disse. "Imagina sua vítima é emocional e, como jornalista, você é emocional?"

Ao mesmo tempo, Wangui incentiva outros jornalistas a concentrarem sua energia na construção de empatia e conexão com suas fontes, especialmente nos momentos mais difíceis. "Isso me ajuda muito", acrescentou.

Antes de ser homenageada no Jantar de Premiação do ICFJ com o Prêmio Knight de Jornalismo Internacional, Wangui passou em nosso escritório, onde conversamos sobre suas reportagens, conselhos para cobrir tópicos delicados e se jornalistas podem atuar como ativistas.

IJNet: Como é o seu processo ao mergulhar em histórias difíceis? O que os jornalistas podem aprender com a sua reportagem sobre esses tópicos sensíveis?

Wangui: Sou jornalista há 12 anos e, ao longo dos anos, tive oportunidades de viajar por todo o país. Pude criar muitos contatos ao longo dos anos, e alguns dos meus entrevistados se tornaram meus amigos pessoais. Trata-se de confiar e construir essa confiança entre você e as comunidades.

Eu acho que paixão também tem um papel muito importante. E dedicação. Pessoalmente, sou muito apaixonado pelo que faço, que é fazer a diferença na vida das pessoas. Independentemente dos obstáculos ou desafios, quando há paixão, você sempre estará focado em seguir adiante.

A compaixão também desempenha um papel muito importante quando você está tentando ouvir as histórias das pessoas e realmente quer que elas abram seus corações para você e contem alguns de seus segredos profundos e histórias pessoais.

Às vezes, ser uma mulher tem muitas vantagens. As pessoas tendem a confiar nas mulheres com suas histórias, diferentemente dos homens.

Por que ser mulher é uma vantagem?

Muitos jornalistas do sexo masculino tendem a evitar crianças, problemas das mulheres, problemas que lidam com a saúde reprodutiva, daí as mulheres fazem esse tipo de história. Os homens nunca contam esse tipo de história como jornalistas. Para as mulheres, é muito fácil, mesmo quando você está falando sobre MGF e quer pedir a alguém que conte sua história. Seria difícil se abrirem para um repórter homem. Para uma mulher é mais fácil.

Você tem algum conselho para jornalistas que estão fazendo matérias em que os espectadores ou as fontes são vítimas de trauma?

A coisa mais importante a fazer primeiro é pesquisar e conhecer seu tópico. Se é uma prática cultural, você precisa conhecer mais sobre a comunidade, por que ela pratica, há quanto tempo faz isso e o que faz e o que não faz. A pesquisa ajudará você a analisar muitas coisas, elaborar uma lista de perguntas, conhecer os ângulos de sua história e as pessoas que você realmente deseja entrevistar.

Também é bom criar confiança ao longo dos anos. Confie em alguém que você acha que pode ajudá-lo a identificar bons assuntos, o que ajudará na sua narrativa. A pesquisa também é muito importante para criar confiança com a comunidade.

Como você aborda as sensibilidades culturais em torno da MGF ao reportar sobre o tópico?

É importante quando estou contando histórias sobre mutilação genital feminina. A MGF foi banida em 2001, faz muito tempo, mas nunca tínhamos leis e ainda estava acontecendo. O projeto de lei anti-MGF foi promulgado em 2011, portanto, sempre que estou fazendo essas histórias, sempre trago as leis, dizendo que "a mutilação genital feminina é contra a lei". Temos todas essas leis para quem é pego praticando MGF ou levando sua filha para MGF.

Eu também sempre tento ser equilibrada. Eu tento explicar por que a comunidade está fazendo isso. Para alguns, as meninas são vistas por seu valor social. Depois de cortadas, são consideradas elegíveis para se casar. E se você for cortada, isso significa que seus pais receberão muito dinheiro.

Quando você conta essas histórias, e elas levam a grandes mudanças, você sente que assume um papel de ativista? Deveria ser?

Às vezes, os jornalistas são como ativistas, especialmente quando você é realmente apaixonado pelo que faz. Por exemplo, eu fiz matérias sobre MGF repetidas vezes. Depois que aprendi como a prática é prejudicial e as complicações que a acompanham, percebi que não podemos apenas fazer uma matéria e depois ficarmos calados. A mídia desempenha um papel muito importante em termos de mudança na percepção das pessoas. Quando você começa a contar as histórias, estamos ajudando a sociedade a entender as implicações e, ao mesmo tempo, mudando as percepções das pessoas e criando consciência.

Às vezes, como jornalista, você diz: "Eu sou a voz dos que não têm voz" ou "agente de mudança". Quando você está escrevendo histórias, está tentando pressionar por mudanças e criar consciência. Às vezes, como jornalista, você pode ser um ativista e também ser imparcial e equilibrado.


Foto principal cortesia de Rose Wangui