Jornalista do Mês na IJNet: Leigh Cuen

por Jessica Weiss
Oct 30, 2018 em Jornalista do mês

A cada mês, a IJNet apresenta um jornalista internacional que exemplifica a profissão e usa o site para promover sua carreira. Se você gostaria de ser apresentado, envie um e-mail com uma curta biografia e um parágrafo sobre como usa os recursos da IJNet, aqui.

Este mês destacamos a jornalista digital Leigh Cuen, coorganizadora da ONA Jerusalém, o único grupo liderado por jornalistas israelenses, palestinos e internacionais no Oriente Médio.

Cuen, que é originalmente da Califórnia e mora em Tel Aviv, já escreveu para a Al Jazeera Inglês, Salon.com, The Jerusalem Post, Yedioth Ahronoth (Ynet), Culture Magazine, San Francisco Public Press e World Literature Today. Sua redação criativa apareceu no Museu Internacional da Mulher, Poetica Magazine, Dagda Publishing e War, Literature & the Arts.

Cuen conversou com a IJNet sobre por que é fundamental para o jornalistas freelance construir uma rede profissional, suas perspectivas sobre a cobertura do Oriente Médio e como a escrita literária informa seu trabalho como jornalista.

Como você usa a IJNet?

Eu uso a IJNet para encontrar oportunidades em todo o mundo e trocar habilidades com colegas jornalistas. Através do site da IJNet, descobri o Seminário Mídia em Conflito em Israel em 2013. Esse seminário provou ser uma oportunidade inestimável para encontrar diversos jovens jornalistas. Colaborei com vários desses colegas em reportagens mais tarde para organizações locais e internacionais.

Através da IJNet, eu também aprendi sobre oportunidades no Festival Internacional de Jornalismo em Perugia, Itália. Essa conferência ampliou meu círculo de contatos profissionais e me deu uma nova perspectiva sobre os desafios que jovens jornalistas enfrentam no cenário digital.

A parte mais crucial de sobreviver como freelancer é encontrar uma maneira de desenvolver relacionamentos profissionais sem trabalhar no mesmo escritório. Freelancers precisam de mentores e colegas de trabalho, a fim de aumentar suas habilidades e acesso. Especialmente se você é um jornalista viajante, é crucial fazer parte de uma rede global como a IJNet.

Qual é o seu maior orgulho em sua carreira como jornalista?

Tenho muito orgulho de uma reportagem investigativa que escrevi sobre poesia revolucionária síria para Al Jazeera Inglês por dois motivos: o conteúdo por si mesmo e o jeito que eu descobri essa história.

Entrei em contato com uma das escritores da Síria como poeta e fã, alheia ao seu trabalho político. Nós conversamos sobre poesia e identidade. Ela mencionou alguns trabalhos recentes de outros poetas sírios. Eu comecei a fazer telefonemas e chamadas de Skype com escritores sírios na clandestinidade e no exílio. Eu não sabia o que estava procurando. Só fazia as perguntas e escutava. Não me propus a escrever notícias, análise política ou um artigo de interesse humano. Deixei os fatos me guiarem ao coração da história. Eu verifiquei a narrativa de todos, mas eu nunca tentei defini-los. É demorado, mas para mim, contar histórias orgânicas é o mais gratificante.

Que conselho daria a um aspirante a jornalista?

Não espere por aprovação ou validação. Não espere até que alguém lhe ofereça um trabalho profissional por um preço justo. Se você quer ser um jornalista, faça sua pesquisa. Em seguida, saia e comece a fazer perguntas. Certifique-se de verificar todos os seus fatos. Se ninguém vai publicar o que você escreve, comece um blog.

Não tente corresponder as expectativas de outras pessoas. Não escreva sobre moda se você quer escrever sobre esportes. Não deixe ninguém lhe dizer o "jornalismo de verdade" é. Saiba como reconhecer propaganda e sempre criticar a si mesmo. Você decide quão crível o seu trabalho vai ser. Então gaste o tempo extra.

Toda história tem um ponto fraco. Esteja ciente do seu. A melhor maneira de lidar com preconceitos pessoais é dar nome a eles. Admita quando você não tem todas as informações, quando está envolvido em uma história ou quando um dos lados se recusaram a comentar sobre o assunto. Se você é sincero sobre o que não sabe, os leitores podem confiar em você.

Não aceite rótulos como [por exemplo] escrever sobre estupro é um "assunto de mulher" ou que a guerra é apenas um tema político. Se um editor acha que sua história não é relevante para ele, volte para a prancheta. Você precisa fazer o seu leitor sentir a história. Essa é a única maneira de fazer que o leitor esforce para compreendê-la. Leia, ouça, estude, faça perguntas e defina o sucesso para si mesmo. Assuma o controle de sua própria carreira.

Especialmente neste momento histórico de tensão, como é que a escrita criativa contribui para a sua perspectiva do conflito entre Israel e Palestina?

Na minha experiência pessoal, trabalhar como correspondente estrangeiro pode ser perigosamente explorador. A escrita literária pode liberta-lo dessas armadilhas através de uma intimidade implacável.

Quando escrevi para a Rede Palestina de Notícias em Belém, eu me hospedei com famílias palestinas em vez de ficar com fixadores em hotéis. Essas experiências foram uma lição de humildade.

Mais tarde, tive a grande sorte de morar com uma família israelense por alguns meses. Isso me obrigou a ver o meu trabalho através de seus olhos.

Percebi como às vezes palestinos e israelenses se sentem como animais em um zoológico. Repórteres estrangeiros andam por suas vidas e usam seus momentos de dor para ilustrar um ponto político. Centenas de jornalistas estrangeiros encheram Israel e Gaza na semana passada para documentar as atrocidades. Enquanto isso, relatórios da UNRWA [Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente] dizem que 45,2 por cento dos residentes de Gaza em idade de trabalhar estão desempregados. Um homem se virou para mim e disse: "Eles ganham um bom dinheiro com as nossas mortes."

Eu posso ver como israelenses e palestinos se sentem objetivados pela nossa indústria de mídia, que só se preocupa com eles quando estão lutando e mesmo assim não confiam neles para relatar suas próprias histórias.

O que estou dizendo aqui não é novo ou original. Na semana passada, Anjan Sundaram escreveu um artigo para o New York Times criticando a cobertura da mídia "ocidental" sobre eventos complexos. O premiado jornalista Simcha Jacobovici também escreveu um post no seu blog, culpando a mídia internacional pela escalada da violência na rua. Eu discordo do seu viés descarado contra o Hamas. Ele ainda está certo sobre uma coisa: em Israel/Palestina, nós aprendemos que o espetáculo é uma arma crucial. Em ambos os lados, esta guerra é feita para um público global.

Como pode um jornalista pode lidar com sua própria cumplicidade? Para mim, a escrita literária é uma forma de sair da minha pele e deixar meus próprios motivos para trás. Eu tento me tornar outra pessoa, ver o mundo através de seus olhos.

No início deste ano, eu escrevi um poema com base no que uma avó israelense me contou sobre seu casamento em 1948. Sentamos em seu cozinha. Ela me serviu uma compota (uma sopa de fruta gelada). Pedaços de maçã passaram por minha língua. Ela me contou sobre um presente de casamento de sua amiga em Gaza, um agricultor de maçã. Ela disse que ele arriscou a vida para lhe dar um presente de casamento. Em seguida, ela arriscou sua vida para procurá-lo depois da guerra. Mas ela nunca o encontrou. Fica pensando se ele ainda está vivo em Gaza. Ela se sentiu impotente por sua ausência.

Se eu escrevesse esta história como jornalista, relataria o que especialistas dizem que aconteceu com muitos agricultores palestinos. Então eu iria listar quantas pessoas de Gaza tinha o costume de viajar todos os dias para trabalhar em Tel Aviv. Esta avó bonitinha se alistou ao Haganah, uma milícia judaica. Talvez eu usasse algumas de suas frases no artigo sobre como as pessoas se amam em meio ao conflito.

A manchete poderia ser: "As pessoas ainda são humanas, apesar da situação louca."

A inclinação jornalística para a análise serve a um propósito muito importante. O jornalismo precisa apresentar soluções. Mas, às vezes, especialmente em Israel e na Palestina, prejudica a narrativa categorizar o certo e o errado, ilegal contra legal. Tentar moralizar a história teria me colocado de volta nos meus próprios sapatos, como o observador, o jornalista sabe-tudo que usa fatos e números para fingir que tudo faz sentido. O distanciamento jornalístico teria drenado a verdade destas palavras.

A perspectiva literária me ajuda a entender a situação complexa por desarmar o meu desejo de escrever como um narrador onisciente. Na escrita criativa, eu posso ser apenas o personagem. Eu posso sentir, mesmo que não entenda. Às vezes, a história precisa ser sobre uma memória. Talvez seja uma memória de alguém que não está disposto a publicar em seu próprio nome. Talvez seja uma memória que poderia causar dor aos seus entes queridos se ele libertá-la.

Como Maya Angelou disse uma vez, "Não há maior agonia do que ter uma história não contada dentro de você". A escrita literária dá voz a histórias que as pessoas têm muito medo de contar.

Jessica Weiss é uma jornalista americana com base na Colômbia.