Na cobertura da eleição presidencial de 2018 no Brasil, a jornalista Giovana Fleck noticiou e testemunhou a disseminação da desinformação pela primeira vez. Foi quando ela decidiu que dados e política estavam destinados a serem sua especialidade.
"Foi a minha primeira vez cobrindo desinformação e vendo a desinformação sendo espalhada tão intensamente. Com essa experiência, entendi que tinha que me especializar um pouco mais e descobrir o que provoca esse tipo de comportamento e como as pessoas usam o jornalismo como uma ferramenta que pode evitar a desinformação de se espalhar tanto", diz Fleck.
Em 2019, Fleck decidiu se mudar para Amsterdã para aprender o máximo possível sobre a cobertura política fora do Brasil.
"No começo da minha carreira, eu sentia que precisava saber tudo. Eu pensei: preciso realmente mergulhar fundo dentro da cobertura política e preciso muito entender como tudo isso funciona em diferentes países", conta Fleck.
Apesar das dificuldades que acompanham o acesso a dados confiáveis, Fleck trabalhou como jornalista multimídia para produzir projetos investigativos atrativos sobre direitos humanos e política para diferentes veículos, incluindo o Global Voices e a BBC.
Nesta entrevista, Fleck lança luz sobre os obstáculos enfrentados por mulheres repórteres, os projetos favoritos nos quais trabalhou, o papel que os dados desempenham no seu trabalho, como a IJNet a ajudou a se tornar uma jornalista melhor e quais conselhos ela daria para outros jornalistas de dados.
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Quais obstáculos você enfrenta como uma repórter especialista em dados e jornalismo político?
Eu acho que, em termos de obstáculos, eu diria que basicamente o acesso à informação é algo hoje muito mais difundido do que quando comecei. Considero que uma coisa que a pandemia trouxe foi tornar tudo digital e a informação é muito mais acessível agora. Antes da COVID-19, tínhamos que realmente buscar cursos muito caros para melhorar nossas habilidades ou aprender um pouco mais.
Depois de me tornar uma repórter, eu diria que o maior obstáculo que enfrento é o medo de ser atacada. É algo tão comum, especialmente para mulheres repórteres e jornalistas. Estou sempre tentando me proteger o melhor que posso. Sempre tento me proteger digitalmente, proteger minha família, proteger tudo que posso.
Você trabalhou em inúmeros projetos, desde filmes a reportagens baseadas em pesquisas. Qual é o seu favorito e por quê?
Há um projeto que está no fundo do meu coração, que é a primeira produção que fiz como freelancer. Eu editei um documentário de um fotógrafo e cineasta brasileiro brilhante, dois na verdade, Lucas Landau e Lucas Dumphreys. Eles foram a um lugar remoto do Brasil afetado pelo rompimento de uma barragem.
Essa foi uma das maiores catástrofes do Brasil, mas naquela comunidade, especificamente, a barragem contaminou o rio todo e era uma comunidade de pescadores que não podiam mais pescar. As crianças não podiam usar o rio, então eles documentaram como a vida mudou naquela comunidade e como as coisas pioraram por causa disso e por causa do governo, que não deu atenção às necessidades específicas deles.
Qual o papel que os dados desempenham nas suas matérias e quais tipos de reportagens você fez para incorporar dados?
Normalmente, eu baseio meus estudos tanto em dados quantitativos quanto qualitativos. Tenho formação em jornalismo de dados e programação, mas eu vejo os dados como algo que não é apenas números em uma planilha, mas algo que também é mais tangível. Pode ser uma lista de reclamações feitas por um grupo de pessoas em uma área específica que você precisa lidar de uma forma mais qualitativa.
Acabei de ser indicada para dois prêmios no Brasil. Fomos os primeiros repórteres a investigar quanto dinheiro o governo brasileiro estava investindo em mulheres desde o início do governo Bolsonaro e vimos que R$ 400 milhões não entravam na soma total. Esse dinheiro nunca foi usado para as mulheres e basicamente voltou para o governo federal para nunca mais ser usado.
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Como ser aluna do programa de mestrado Erasmus Mundus te ajudou a se tornar uma repórter melhor?
Eu acho que a melhor coisa que o Mundus fez por mim foi me colocar em contato com pessoas de parte do mundo a quem eu nunca teria acesso e isso acontece em um ambiente que é muito social, mas também muito acadêmico. Estou em um tipo de ambiente onde posso fazer todos os tipos de perguntas, e com as pessoas te fazendo perguntas tem esse tipo de intimidade em que nada é proibido.
Eu acho que também mudou minha abordagem perante a colaboração. Eu fiquei muito mais aberta à colaboração com outros jornalistas depois do programa porque éramos incentivados a fazer as coisas juntos. No Brasil, fui ensinada a fazer o oposto. Fui incentivada a fazer as coisas sozinha e depois voltar para a redação para trabalhar sozinha.
Quais conselhos você daria para outros repórteres brasileiros que desejam focar em jornalismo de dados?
Não espere que o jornalismo de dados não vai envolver outras pessoas. Não espere que você vai ficar programando no seu quarto sem nunca falar com ninguém. Eu acho que as melhores matérias são aquelas que precisam de pessoas, e você conecta as coisas.
Eu [também] tentaria criar uma comunidade. Há recursos incríveis online, e você deve tentar entrar em contato com outras mulheres que trabalham com dados. Há muitas delas, especialmente no Twitter. Tem um grupo muito bom para pessoas que programam em Python chamado PyLadies. Você pode entrar em contato com elas e abordar a programação de um jeito mais tranquilo.
Foto cedida por Giovana Fleck.