A crise dos Yanomami tomou o noticiário nas últimas semanas com reportagens que evidenciaram as péssimas condições de saúde dos indígenas. Uma delas joga luz sobre o desvio de remédios do SUS contra a malária que iriam para os Yanonamis, mas que no fim foram vendidos por garimpeiros na internet. A reportagem, publicada no InfoAmazônia, foi escrita por Fábio Bispo e Fred Santana, convidado do primeiro webinar de 2023 do Fórum Pamela Howard para Cobertura de Crises Globais.
Fundador do site de notícias Vocativo, Santana, que é de Manaus (AM), conversou com Alexandre Orrico, gerente de comunidade do Fórum, sobre como foi feita a apuração, jeitos de mitigar os riscos envolvidos e quais abordagens faltam ser feitas ao falar sobre desmatamento e Amazônia.
Santana conta que a denúncia dos desvios de remédios surgiu no segundo semestre de 2022, mas não sabia aonde esses remédios estavam indo. A descoberta veio a partir de uma investigação em grupos de WhatsApp, nos quais era feito o comércio de medicamentos contra a malária. O acesso aos grupos veio de a partir de uma premissa fundamental para a repórter, a construção de fontes. “É uma informação que vem de pessoas que querem denunciar esses grupos. Em algumas matérias que fiz, pessoas vieram a mim, sob condição de anonimato, dar dicas e acesso a esses grupos”, diz.
Segundo ele, as investigações sugerem haver mais gente envolvida no esquema, mas que precisa ter um nível muito alto de cuidado e apuração. “Eu não descarto a presença de mais pessoas por trás. O que eu descarto é que somente um rapaz, maqueiro, fez todo o esquema sozinho.”
Ao falar de segurança, a primeira dica de Santana é fazer parcerias, principalmente se o jornalista for freelancer e não trabalhar para um veículo. Ele ainda recomenda que sejam avisados outros profissionais e associações como a Abraji e o Ministério Público Federal caso você vá fazer a apuração em locais de risco ou se sofrer ameaças. Após a publicação da matéria sobre o desvio de remédios, chegou a receber ataques mais graves do que antes, quando eram mensagens mais relacionadas ao negacionismo climático. “Esse último caso foi o mais grave, mais de ataque pessoal mesmo.”
Outros olhares
Para dar conta do que ocorre na região Amazônica, é necessário contar outras histórias que ajudem a traçar a complexidade do contexto e das pessoas que vivem lá. Santana falou que há lógica simples por que é seguida por quem trabalha em garimpo, madeireiras, caça e afins. “É passado para essas pessoas que a Amazônia é uma região cheia de recursos inexplorados. E essas pessoas, que muitas vezes têm poucas condições econômicas, veem nessas atividades uma chance de melhorar de vida. Não existe o debate sobre mudança climática. O que se tem é: se a região é cheia de recursos, vamos explorá-la. Uma lógica simples para tentar solucionar e melhorar a vida”.
Esse cenário, se não compreendido, pode levar a colocar um grupo de pessoas uma caixa só, sem espaço para as nuances de cada um. Santana diz que, nas atividades ilegais, há pessoas com passagem pela polícia e maior grau de periculosidade, “mas que há também pessoas comuns que entram nessas atividades por questão de sobrevivência”. Nessa linha Santana fez uma comparação. “Criminalizar todas as pessoas do garimpo por conta do que está acontecendo é um erro tão grande quanto criminalizar todas as pessoas que vendem drogas. Mas os grandes responsáveis são os operadores, não o pequeno peixe.”
Vocativo
“É um equilíbrio muito frágil manter economicamente o projeto. Tenho minhas vantagens, sou homem sem filhos e sem ninguém para bancar. Por ser uma empresa de uma pessoa só, não tenho grandes despesas operacionais", explica Santana sobre o Vocativo, a mídia que ele administra. "Gostaria de ampliar, contar com uma equipe, mas infelizmente não é possível. Então, faço o que faço nesse equilíbrio, no tamanho que ele é. Gosto de pensar também que, se eu tiver êxito e torná-lo sustentável, outras iniciativas também terão esse sucesso.”
Foto-montagem Canva: arquivo pessoal Fred Santana + foto de Nathalia Segato no Unsplash