Fome, guerras, violência, polarização. As notícias e o pessimismo associados a elas convidam a repensar abordagens que façam a sociedade pensar que existe um mundo melhor ao qual aspirar.
Essa foi a premissa defendida pelos especialistas que participaram do Fórum Pamela Howard de Cobertura de Crises da IJNet para falar sobre jornalismo de soluções e o papel que ele pode assumir perante audiências apáticas e saturadas de conteúdo polarizante, dentre outros temas.
A conversa virtual teve a participação de Jonathan Gutiérrez, jornalista venezuelano e coordenador na América Latina da Solutions Journalism Network; Camille Padilla, jornalista porto-riquenha fundadora do 9millones.com; Carolina Gil, instrutora de jornalismo de soluções, e Stella Bin, argentina editora de newsletters e podcasts da Infobae.
"Há um viés a favor das notícias negativas. Com base nesse modelo reiterativo, estávamos deixando de contar outras histórias, falar de outros temas. Quais histórias são essas? Aquelas em que se resolve uma necessidade social", explica Gutiérrez. Ele afirma que o jornalismo de soluções permite ampliar a agenda e contar histórias inspiradoras de comunidades que se articulam para resolver problemas. "São histórias que podem inspirar outras pessoas e deixar uma sensação nos leitores de que algumas mudanças são possíveis e que nem sempre está tudo ruim."
Os promotores do jornalismo de soluções alertam para que esta modalidade não se confunda com um jornalismo leve ou carregado de otimismo, mas ressaltam que é importante deixar de demonizar a notícia positiva.
"Costuma-se pensar 'isso não vou divulgar porque é uma notícia bonita sobre algo, é mostrar o lado bom. Isso não é jornalismo, não é o lado bom da vida'. O jornalismo de soluções consiste em aproximar os cidadãos de ações que estão ao seu redor. É um jornalismo de serviço assim como aquele que investiga a corrupção", comenta.
Padilla acrescenta que o jornalismo de soluções tem um elemento de participação comunitária.
"É preciso esperança porque em países onde a corrupção e os governos autocráticos são abundantes, precisamos saber que há poder no nível local. Em Porto Rico, apesar de sermos uma colônia dos Estados Unidos, há comunidades que estão se unindo para fazer sistemas de participação democrática no nível local."
De acordo com Gutiérrez, a abertura para abordagens do jornalismo de soluções não anula a cobertura tradicional de fenômenos negativos. O jornalista relata que um trabalho dele sobre crianças que morreram em rotas migratórias lhe abriu a possibilidade de falar sobre iniciativas que ajudam essa população.
"Eu me perguntei: será que existe alguém que está fazendo algo para mudar essa realidade e dar apoio a populações vulneráveis vítimas de migração forçada? Achei programas extraordinários que vão além das meras intenções, que estão respondendo mais além das urgências de modelos sistemáticos de resposta. Não se trata apenas de denunciar o problema, mas sim de se perguntar o que está sendo feito para resolvê-lo", explica.
Uma ponte para explicar o complexo
A mudança climática e os complexos fenômenos do clima podem deixar as audiências paralisadas. Primeiro, por incapacidade de entender os temas técnicos e científicos, e segundo, por causa da negatividade associada à maioria das notícias sobre esses assuntos.
Gil Posse investiga temas de saúde e mudança climática, e acredita que as soluções normalmente estão "ancoradas em debates complexos", mas existe uma oportunidade e um espaço para contar histórias a partir da perspectiva do jornalismo de soluções.
"Há um grande terreno para a investigação formal e acadêmica que pode ajudar o jornalismo e impulsionar um jornalismo de soluções construtivo que auxilie a audiência na tomada de decisões embasadas, que mostre que o mundo é complexo, mas há respostas surgindo para enfrentar os problemas."
Reconstrução da democracia
Após viver na própria carne a situação política da Venezuela, Gutiérrez vê com esperança a possibilidade de usar o jornalismo de soluções para contar histórias e "reconstruir o tecido social" de seu país.
"A mídia e a agenda informativa foram vistos como emblemas da polarização. É certo que há uma realidade política e social muito complexa. O país tem uma fissura que fez muitos danos e fraturou a sociedade, e isso quebrou a democracia. Hoje estamos documentando e contando histórias do processo de reencontro social e como essas pessoas que antes eram inimigas hoje fizeram as pazes. Está acontecendo um processo fascinante de reconstrução do tecido social e é aí que está a base da recuperação da democracia na Venezuela. São histórias que tocam a minha vida, da minha família e dos meus amigos. O jornalismo de soluções, com sua perspectiva, abre o diálogo e propõe discursos que não são polarizantes", conclui.
Se você quer saber mais sobre jornalismo de soluções, pode visitar o site da Solutions Journalism Network e aprender mais sobre o tema. Você também pode ler algumas matérias que usam o enfoque de soluções para a produção de reportagens:
- Mulheres que quebram as regras: soluções para a pobreza menstrual
- As pessoas podem solucionar a mudança climática? A França resolveu descobrir
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Imagem por Tara Winstead via Pexels.