A investigação sobre a gigante estatal de importação alimentícia da China que colabora com desmatamento no Brasil

por Sasha Chavkin and Poliana Dallabrida
Oct 18, 2023 em Reportagem de meio ambiente
Brown tree log on green grass field during daytime.

A Rede de Investigação de Florestas Tropicais (RIN na sigla em inglês) perguntou aos bolsistas de 2022 sobre as metodologias inovadoras por trás de suas reportagens de impacto. A seguir está uma versão resumida do guia de reportagem completo publicado no site do Pulitzer Center.


Um estudo de 2021 da WWF descobriu que as importações da China correspondiam à maior fatia do desmatamento tropical provocado pelo comércio internacional do que os Estados Unidos e a Europa combinados. Esta investigação explorou como quantidades massivas de produtos de risco florestal estavam entrando na China.

Nós focamos na China Oil and Foodstuffs Corporation, conhecida por Cofco. Essa empresa estatal tem receitas anuais de mais de US$ 110 bilhões e seu braço de comércio de mercadorias, a Cofco Internacional, importa grandes volumes de soja, azeite de dendê e outros produtos do Brasil, Indonésia e outros países com floresta tropical.

Nossa hipótese era que, apesar das promessas públicas, as cadeias de suprimentos da Cofco ainda estavam contaminadas pelo desmatamento. Nós suspeitávamos que a Cofco não estava fazendo a análise necessária em seus fornecedores para excluir fazendas que derrubaram florestas, e que não estava fazendo cumprir adequadamente as políticas de cadeia de suprimentos com as quais tinha se comprometido no papel.

 

Cofco warehouses in Mato Grasso, Brazil.
Depósitos da Cofco em Mato Grosso receberam soja plantadas em áreas desmatadas do estado por meio de contratos com intermediários. Crédito: Sasha Chavkin / Repórter Brasil

Ligando a empresa ao desmatamento

Nós encontramos os primeiros sinais de que a cadeia de suprimentos da Cofco estava contaminada pelo desmatamento a partir de documentos disponíveis publicamente e de relatos de grupos ambientais. Queríamos lançar um olhar mais profundo para a exposição da Cofco ao desmatamento em suas cadeias de suprimento de soja no Brasil.

Para fazer isso, nós extraímos documentos públicos que nos deram uma amostra das vendas de produtores de soja para a Nutrade Comercial Exportadora, empresa intermediária que fornecia grãos à Cofco Internacional e outros comerciantes no Brasil. A Cofco não divulga seus fornecedores de soja, mas esses documentos possibilitaram identificar seus fornecedores indiretos - os produtores que não tinham uma relação direta com a Cofco, e que em vez disso vendiam o produto a comerciantes locais que, por sua vez, o vendiam para a Cofco. 

Com a lista dos fornecedores diretos da Cofco em mãos por meio da análise desses documentos de vendas, nós começamos a investigar os crimes ambientais relacionados a esses produtores. Nós fizemos isso pesquisando pelos fornecedores em bases de dados públicas, tais como a lista de embargos impostos pelo IBAMA e embargos impostos na esfera estadual pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA). Nós também pesquisamos os nomes desses fornecedores indiretos em bases de dados com informações de propriedades, tais como o Sigef, sistema de registro de dados de terra do Incra, e o CAR, Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural. 

Nossa análise da Cofco e de 86 de seus fornecedores de soja no Mato Grosso descobriu que 15 fornecedores tinham sido multados ou embargados por violações recentes. Pelo menos cinco e até 11 desses 15 fornecedores estavam sob embargo ativo durante o período em que a Cofco realizou negócios com eles. Era importante verificar se o embargo estava ativo no momento em que a soja foi comprada. 

Outra ferramenta importante que usamos foi o recurso "área plantada de soja" do Global Forest Watch. Ela nos permitiu ver se a soja estava sendo cultivada dentro de áreas que haviam sido desmatadas. Em um dos nossos principais casos envolvendo o proprietário de terras João Luiz Lazarotto, o recurso nos forneceu fortes indícios de que ele tinha não só desmatado a floresta (polígono vermelho) como também convertido a terra em plantações de soja (verde oliva na imagem da direita).

 

Deforested area was cultivated with soybean on a map.
Fazenda União II, de João Luiz Lazarotto, no Mato Grosso, teve 650 hectares desmatados em 2017 (polígono vermelho). A área desmatada foi cultivada com soja (em verde) no ano seguinte, de acordo com a base de dados da Global Forest Watch. Crédito: Planet Labs & Global Forest Watch

 

Nós revisamos as políticas da cadeia de suprimentos da Cofco e descobrimos que os casos que havíamos identificado pareciam violar os vários compromissos da companhia, incluindo seu Código de Conduta, Código de Conduta do Fornecedor, Política de Fornecimento de Soja Sustentável e Política de Fornecimento de Azeite de Dendê Sustentável.

Cobertura em campo

Para confirmar nossa análise e fazer uma cobertura das condições em campo, nós visitamos três fazendas em Mato Grosso que identificamos como fornecedoras da Cofco envolvidas em desmatamento e pedimos entrevistas com os proprietários.

Uma das nossas entrevistas mais importantes foi com Lazarotto, um próspero proprietário de terras que, conforme mostraram as imagens de satélite, desmatou 650 hectares de floresta em sua propriedade em 2017. Lazarotto tinha permissão legal para desmatar a área, mas suas ações violaram as condições da Moratória de Soja, um acordo entre os principais comerciantes de soja para não comprar o grão crescido em terras recém-desmatadas na Amazônia. A Cofco é signatária da Moratória de Soja.

Quando falamos com Lazarotto, ele admitiu abertamente ter desmatado a terra em questão. Ele reclamou que seu maior comprador, o Grupo Amaggi, se recusou a comprar a soja crescida na área recém-desmatada de sua propriedade por causa da moratória. Mas a Cofco, sua segunda maior compradora, ainda estava fazendo negócios como de costume e não o tinha pedido para remover a soja cultivada na terra desmatada.  

 

Sasha Chavkin interviewing Joao Luiz Lazarotto.
Sasha Chavkin entrevistando João Luiz Lazarotto no escritório da Fazenda Lazarotto, no Mato Grosso. Crédito: Giovanny Vera / Pulitzer Center

Respondendo a negações

Para nossa surpresa, a Cofco respondeu ao nosso questionamento inicial alegando que nunca tinha comprado soja de nenhuma das três fazendas em questão. Quando mandamos os recibos mostrando as aquisições, a Cofco mudou seu posicionamento. A empresa disse que tinha comprado desses proprietários de terra, mas que suas compras tinham vindo de seções da propriedade que estavam registradas separadamente das zonas desmatadas. Ela disse que as seções estavam de fato em fazendas diferentes e que, portanto, não tinha comprado soja cultivada em terra desmatada.

Especialistas nos disseram que as alegações não faziam sentido se as fazendas em questão ainda eram uma mesma operação. Eles disseram que dividir a terra em diferentes registros era uma estratégia para burlar o sistema. Isso permitiu aos proprietários de terra que derrubaram florestas vender seus produtos sinalizando suas vendas como vindo da seção "limpa" da fazenda.

Mas ainda precisávamos mostrar evidências de que essas fazendas eram uma única operação. Usamos imagens de satélite do Planet Explorer (com acesso especial por meio do programa NICFI) para demonstrar visualmente que as propriedades eram realmente uma única fazenda devido à falta de limites entre as regiões registradas diferentemente.

Outra evidência fundamental foram os silos de grãos. Nós descobrimos que os únicos silos de grãos na propriedade estavam na seção "limpa" da fazenda – o que quer dizer que os grãos eram provavelmente misturados e todos sinalizados como originados da zona conforme.

The image of Lazarotto’s property shows that its only grain silos are in the upper left corner of the farm. and a closeup of the silos.
Esquerda: A imagem da propriedade de Lazarotto mostra que os únicos silos de grãos estão no canto superior esquerdo da fazenda. Direita: imagem aproximada dos silos. Crédito: Planet Labs.

Este artigo foi originalmente publicado pelo Pulitzer Center e republicado aqui com permissão.

Foto por roya ann miller via Unsplash.