Iniciativa sul-africana ajuda a conectar redações com especialistas mulheres

Dec 7, 2022 em Diversidade e Inclusão
African women discussing a project on a couch

Na África, apenas 22% das pessoas vistas, ouvidas ou lidas no noticiário são mulheres, de acordo com o estudo Global Media Monitoring Project 2021. Fontes mulheres são especialmente menos visíveis em questões como política e economia, que frequentemente dominam a cobertura jornalística no continente.

A falta de fontes mulheres não alimenta somente a desigualdade; ela também dá espaço para um noticiário enviesado. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 46% das matérias publicadas pela mídia estimulam estereótipos de gênero.

"Persiste o fato segundo o qual tanto a mídia impressa quanto digital continuam a retratar imagens estereotipadas de mulheres", diz o estudo. Por exemplo, depois de Tobi Amusan quebrar o recorde nos 100 metros com barreiras feminino no Mundial de Atletismo em julho, o veículo nigeriano The Nation focou a cobertura nos planos de casamento da atleta em vez de destacar sua conquista ou inspiração para outras atletas jovens.

"Para serem verdadeiramente iguais, as mulheres precisam ser vistas e ouvidas", diz Valerie Msoka, ex-editora-executiva da Associação de Mulheres da Mídia da Tanzânia.

Reduzindo as diferenças 

Uma organização de mídia sem fins lucrativos da África do Sul chamada Quote This Woman+ (QTW+) fez a curadoria de um banco de dados de mulheres especialistas na África para que os jornalistas possam contatá-las. "A [QTW+]  me permitiu encontrar vozes femininas para as minhas matérias, para além das fontes de sempre", diz o jornalista freelancer sul-africano Shaun Smillie. "As fontes recomendadas são de alta qualidade e especialistas em suas áreas. Além disso, é muito fácil entrar em contato, elas estão dispostas a falar e frequentemente dentro do prazo."   

A ideia da QTW+ surgiu quando a fundadora e diretora Kath Magrobi descobriu a Women Also Know Stuff, uma organização dos Estados Unidos com uma base de dados online buscável de mulheres cientistas políticas, que foi criada para que os repórteres de política pudessem acabar com a diferença de gênero em suas fontes.

"Eu percebi que algo similar poderia funcionar na África do Sul, então com a proximidade das eleições nacionais e de províncias da África do Sul em 2019, a QTW+ nasceu. Eu fiz duas grandes mudanças [em relação ao Women Also Know Stuff]: a curadoria de uma base de dados de especialistas de todas as áreas e inclusão de pessoas de outros grupos marginalizados dentre as especialistas do banco de dados", diz Magrobi. 

"O '+' no nosso nome representa líderes, especialistas, ativistas e formadores de opinião da comunidade LGBTQIA+, pessoas com deficiência, moradores de áreas rurais e quem é marginalizado na grande mídia por qualquer outra razão."

O banco de dados, que começou em 2019 como uma planilha com 40 fontes, agora tem mais de 600 especialistas africanas e outros especialistas de grupos sub-representados. A base de dados é atualmente usada por mais de 1.000 jornalistas que citaram especialistas listadas no QTW+, incluindo repórteres de veículos estrangeiros como The New York Times, BBC e Al Jazeera

Os jornalistas que usam a base de dados precisam se cadastrar para fazer parte da comunidade. Já as especialistas listadas são indicadas por instituições acadêmicas, organizações de mídia e outras especialistas. Depois de receber o consentimento delas, a equipe do QTW+ pede às potenciais fontes que forneçam dados biográficos bem como detalhes acadêmicos e profissionais, os quais são verificados independentemente antes da fonte ser adicionada ao banco de dados.

A base de dados é focada no Sul da África e em outras partes da África anglófona, incluindo Gana, Nigéria e Quênia. Devido à pandemia de COVID-19, as especialistas de saúde são no momento as mais citadas dentre as fontes da QTW+. 

Desafios

Apesar do alcance crescente do projeto, persistem os desafios para dar uma voz a mulheres e outros grupos marginalizados na mídia que se equipare aos homens. "Mesmo com acesso aos dados da QTW+, ainda é difícil convencer as especialistas a se arriscarem e falar com os jornalistas, a não ser que seja 100% alinhado com a área de estudo delas. No entanto, especialistas homens estão preparados para falar sobre uma ampla gama de assuntos com confiança suprema", diz Magrobi.

A QTW+ está elaborando um treinamento gratuito para as especialistas da base de dados chamado "Women Own the Spotlight" (Mulheres são donas dos holofotes) para lidar com essa questão. O curso inclui simulação de entrevistas e habilidades de apresentação, dentre outros recursos, com o objetivo de educar as fontes sobre como se representarem na mídia. 

"Vivemos em uma sociedade na qual, por inúmeras razões — culturais, religiosas, sociais, psicológicas, até educacionais — as mulheres não estão habituadas a se dirigirem voluntariamente ao microfone quando a oportunidade lhes é oferecida", diz Magrobi, acrescentando que a QTW+ também organiza rotineiramente cursos para jornalistas sobre reportagens sensíveis a questões de gênero.

A QTW+ já realizou debates em eventos profissionais, incluindo a Conferência Africana de Jornalismo Investigativo e a Rede de Inovação Cívica Tecnológica, com o objetivo de educar jornalistas e estudantes de jornalismo sobre a necessidade de reduzir a desigualdade de gênero na mídia.

Magrobi admite que "as falhas técnicas da plataforma são uma barreira de entrada"; a QTW+ trabalha no momento para assegurar que a plataforma seja mais amigável aos usuários, o que em contrapartida vai trazer mais publicidade. Em junho, a QTW+ recebeu recursos do Desafio de Inovação da Google News Initiative para atualizar e renovar a tecnologia do banco de dados.

A QTW+ é parte de um objetivo global maior de destacar vozes femininas no continente e nos vários veículos. "O uso de especialistas mulheres como fontes na mídia africana aumentou significativamente na comparação com dez anos atrás, diz Ijeoma Okereke-Adagba, responsável por programas no Centro de Inovação e Desenvolvimento do Jornalismo

"Isso se deve ao debate contínuo sobre a participação feminina na África. Com iniciativas como a QTW+, o banco de dados SourceHer da [organização] Mulheres Africanas na Mídia, o Code4Africa e outras organizações da sociedade civil na linha de frente dessa discussão, a maioria das mulheres africanas estão vendo agora a necessidade de acrescentar suas vozes e perspectivas às questões de suas áreas de atuação que afetam a sociedade." 


Foto por Iwaria via Iwaria.com.