Iniciativa com comunidades locais para combater informações falsas nos EUA

Mar 14, 2024 em Combate à desinformação
Map of the United States

O declínio do jornalismo local criou um vácuo de informação nos EUA. Em seu lugar, as pessoas se voltaram para as redes sociais, onde cresce a desinformação.

Um relatório de 2020 do First Draft analisando a disseminação de conteúdo falso em cinco estados dos EUA argumenta que "toda desinformação é local". O estudo descobriu que fotos enganosas de protestos, informações falsas sobre medidas de segurança em saúde, teorias sobre vigilância do governo, dentre outras, eram na maioria das vezes disseminadas por meio de grupos privados em redes sociais e aplicativos de mensagens. Por sua vez, influenciadores, funcionários eleitos e candidatos a cargos políticos amplificaram essas alegações falsas.

O ressurgimento de um ambiente de notícias locais pode desempenhar um papel fundamental no combate a essa situação. "A esperança é que o jornalismo local de alta qualidade possa embasar a deliberação democrática, desmentir alegações falsas e restaurar os sentimentos de confiança e de comunidade que ajudam a manter longe teorias da conspiração", diz um relatório do Carnegie Endowment for International Peace publicado em janeiro.

Veja a seguir como três veículos dos EUA trabalham com as comunidades locais servidas por eles para combater a disseminação de informações falsas.

Center for Media Engagement, Universidade do Texas em Austin

Em 2022, Natalie Jomini Stroud, diretora do Center for Media Engagement da Universidade do Texas, identificou um problema sério: as redações estavam com dificuldade de detectar desinformação com circulação local, impedindo que esses conteúdos fossem refutados por elas.

"Se eu pensar nas nossas vulnerabilidades aqui nos EUA em 2024, eu realmente acho que precisamos pensar localmente", diz Stroud. "Nós fizemos algumas entrevistas com redações para tentar entender quais são suas práticas no momento para descobrir algo que possa ser útil."

Stroud e sua equipe de pesquisadores e programadores do Center for Media Engagement estão colaborando com a Univision, City Bureau, The Des Moines Register e o Detroit Free Press, em conjunto com pesquisadores da Universidade do Michigan, para construir uma ferramenta para combater a desinformação local. Membros da comunidade vão poder usar a ferramenta para denunciar desinformação suspeita sobre questões locais por meio de um site ou aplicativo, fornecendo informações sobre a plataforma onde o conteúdo foi visto, detalhes e links relevantes e imagens. As redações vão então usar um painel interno para organizar e administrar os casos enviados.  

A ideia é que isso ajude os jornalistas a identificar assuntos sobre os quais informar mais amplamente, diz Stroud. Por exemplo, se uma pessoa compartilhar uma postagem com informação imprecisa sobre votos pelo correio, as redações podem publicar um conteúdo explicativo sobre o assunto que aborde o tema com eficácia e desminta a desinformação.

"Qualquer pessoa que estiver pesquisando a questão no futuro vai encontrar uma fonte de jornalismo local com autoridade fornecendo aquela informação", diz Stroud.

A ferramenta vai ser implementada antes das eleições de 2024 nos EUA, selecionando redações locais para testar seu uso e eficácia com os leitores. "Quando você lança um produto, as pessoas podem usá-lo de novas formas que você sequer pensou", diz Stroud. "Nossa esperança é que isso ajude as redações tanto a se antecipar quanto reagir à desinformação que pode circular dentro das comunidades."

The Documenters Network, City Bureau

Quase metade dos conselhos de governo local nos EUA não têm um repórter sequer para cobrir suas reuniões. Para preencher essa lacuna, o City Bureau criou a Documenters Network, que engloba organizações jornalísticas locais que treinam e pagam a população para participar e cobrir as audiências públicas.

Essas pessoas, chamadas de documentadoras, publicam notas, conteúdos em redes sociais e relatórios multimídia. Essa informação também fica disponível publicamente no site da Documenters Network. Nos últimos sete anos, a rede treinou 2.800 pessoas que completaram juntas mais de 6.400 tarefas.

"No mundo da desinformação, eu acho que uma das coisas mais importantes que os documentadores fazem é garantir que seus vizinhos, amigos e parentes, pessoas que vivem em suas comunidades, saibam o que está acontecendo localmente e saibam que há olhos e ouvidos confiáveis acompanhando o que está acontecendo no governo local", diz Max Resnik, diretor de serviços de rede da The Documenters Network. 

A iniciativa conseguiu criar um laço de confiança entre redações e suas audiências por meio da prioridade dada ao recrutamento de documentadores pertencentes às comunidades que eles irão cobrir. Isso permitiu que as redações identificassem melhor o tipo de informação que se espalha localmente e quem se engaja com ela.

Entre os seus impactos, a cobertura feita pela The Documenters Network das audiências públicas fez com que os conselhos locais e comitês atualizassem regularmente suas agendas, criando maior transparência sobre seus procedimentos. Os documentadores também criaram suas próprias redações locais, por exemplo em Cleveland, Akron e Indianapolis. Em Harvey, Illinois, Amethyst Davis, que fazia documentações para o Tiny News Collective, lançou o hiperlocal Harvey World Herald.

Detroit Free Press

Antes da eleição presidencial de 2020 nos EUA, o Detroit Free Press contratou uma repórter de desinformação para engajar diretamente com comunidades locais e grupos online onde estavam sendo espalhados conteúdos falsos. 

"Nós queríamos olhar para as redes de desinformação e queríamos entender não só o que era verdade ou não, mas quem estava divulgando isso e como essas pessoas poderiam estar conectadas a outras organizações", diz Anjanette Delgado, editora-executiva do veículo. 

Por três meses a partir de outubro de 2020, a repórter de desinformação, Ashley Nerbovig, ficou ativa em 11 aplicativos de mensagens e redes sociais, incluindo Telegram, WhatsApp, WeChat, Instagram, Twitter e Yelp. Ela entrou em grupos fechados, com nomes como "Michiganders por Trump", "Michiganders por Bernie" e "Michiganders contra vacinas" para identificar onde a desinformação circulava.

As conversas nos grupos não incitavam violência, mas pressionavam os membros dos grupos a vigiarem a eleição e os processos em torno dela, observa Nerbovig. Havia clamores para monitorar novas cédulas que estavam sendo entregues em um dos centros de votação de Detroit, preocupações com invalidação de votos e com votos de pessoas mortas no Michigan. 

"Antes da eleição, havia um clima de simplesmente estabelecer as bases ou preparar o terreno para criar suspeitas em torno da eleição", diz Nerbovig.

Ao identificar os assuntos que as pessoas estavam discutindo, o Detroit Free Press criou então conteúdos explicativos, artigos longos e vídeos para abordar e desmentir qualquer conteúdo falso que estivesse sendo disseminado. A equipe também envolveu os usuários nas redes sociais nesses esforços.

"Se alguém está tuitando algo que é falso, não é o bastante só ter uma matéria corrigindo aquela informação", diz Delgado. "Nós vamos até a postagem e respondamos dizendo 'olha, na verdade não é assim'". 


Foto por Domino via Unsplash.