A importância da linguagem no Jornalismo em Saúde

Aug 7, 2022 em Diversidade e Inclusão
Médica e instrumento de escuta

Em uma reportagem, como você apresenta quem tem diabetes ou obesidade? E quem tem Aids? A linguagem vem sofrendo grandes mudanças para definir melhor, e sem estigmas, uma pessoa com determinada doença. Por isso, profissionais de saúde e jornalistas aumentaram a discussão sobre o tema para melhorar a comunicação.

Para quem tem Aids, por exemplo, a decisão de não utilizar o termo “aidético” já ficou muito bem estabelecida, porém o mesmo não acontece para as Doenças Crônicas não Transmissíveis, ou DCNTs (terminologia adaptada da CCNTs - Condições Crônicas não Transmissíveis).

O ponto de partida desta cadeia de informação é que a mudança de linguagem precisa partir de quem está na ponta do processo, que são os profissionais de saúde, como explica Andrea Levy, coordenadora da publicação ‘Linguagem Importa!’ e co-fundadora da ONG Obesidade Brasil.

“Muitas mudanças no mundo da saúde começam nos profissionais de saúde, ou seja, quem estuda o assunto. A publicação gratuita ‘Linguagem Importa!’ foi idealizada para divulgar as terminologias mais adequadas entre os profissionais de saúde, para que eles iniciem o processo quando falam com a imprensa e com os pacientes", diz Levy. "É preciso assumir essa nova forma mais assertiva e respeitosa de falar com as pessoas”.

Sobre o "Linguagem Importa!"

O "Linguagem Importa" estimula a adoção de terminologias mais assertivas, com tabelas de diversas patologias e a sugestão da forma mais adequada de uso. Os termos aparecem de forma comparativa, entre o uso recomendado e não recomendado, acompanhado das respectivas justificativas de cada expressão.

Entre as terminologias que vem se modificando bastante estão os “obesos” ou “gordos”, que devem ser substituídas por “com obesidade”. Segundo a justificativa, o uso dos termos “obeso” ou “gordo” está associado a um estereótipo estigmatizante, perigoso e errado de que o peso, o sobrepeso e a obesidade seriam condições voluntárias e, por isso, resultado (ou culpa) de escolhas da pessoa. A obesidade não é um traço imutável, mas um estado que pode ser alterado, diz o documento.

Outra expressão muito usada ainda é o “insulinodependente”. A recomendação é usar ‘pessoa com diabetes tipo 1 ou 2 em uso de insulina’. Na área das complicações do diabetes não é mais recomendado utilizar pé diabético e sim úlcera ou infecção no pé.

O ‘Linguagem Importa!’ foi resultado de uma parceria do Fórum DCNTs, com diversos segmentos, 26 instituições e lideranças nacionais e internacionais dos setores público, privado e terceiro setor, assim como sociedades científicas internacionais como a International Diabetes Federation (IDF), a World Obesity Federation (WOF), a American Diabetes Association (ADA) e a Diabetes UK.

Parceria dos profissionais de saúde e a mídia

Levy reforça a importância do papel do profissional de saúde porque ele é um replicador para o público leigo e para os jornalistas: “Fiquei muito feliz ao perceber que os jornalistas, que já tiveram acesso ao material, prontamente começaram a usar as novas nomenclaturas em todas as mídias”. Ela enfatiza ser fundamental a divulgação do conteúdo para que mais profissionais de imprensa possam adotar a mesma conduta, fazendo a diferença na forma de abordar o tema.

Para a Dra. Hermelinda Pedrosa, membro consultivo do Fórum de DCNTs e assessora de Relações Governamentais da Sociedade Brasileira de Diabetes (2022-2023), a mídia tem um papel extremamente importante para disseminar a proposta. “A imprensa, em todos os seus segmentos, pode repassar e incorporar os preceitos do material. Através da empatia, e compreensão de uma doença-condição crônica não transmissível, é possível ter um cunho motivador, respeitoso e antes de tudo inclusivo", diz Pedrosa. 

A endocrinologista cita como exemplo o uso da expressão "portadora", para quem tem diabetes. Ela explica que se não há transmissão é incorreto se expressar assim. “O cenário de doenças transmissíveis parece ainda estar arraigado em todos os níveis, inclusive entre os profissionais de saúde”.

A engenheira Juliana Lessa que tem diabetes tipo 1, não se importa com o termo “diabética”, mas não acha correto de ser tratada como portadora de diabetes.  “Não gosto da expressão portadora, porque não porto nada a não ser minha chave, carteira, meu documento etc. Acho que desqualifica quem tem diabetes", considera Lessa. "Mas também precisamos ter atenção ao nível de educação em um país do tamanho do Brasil, porque é preciso usar formas de linguagem para que qualquer um possa entender do que está sendo falado”. Ela integra a equipe voluntária de uma publicação voltada ao diabetes (Revista EmDiabetes) e tem um blog sobre insulina (Insulina Portátil). Ela procura informar sobre a doença da forma mais simples possível para não estigmatizar quem tem diabetes.

Expressões negativas atrapalham o doente

Vanessa Pirolo, jornalista, integrante do Coalizão Vozes do Advocacy em Diabetes e Obesidade e com diabetes tipo 1,  explica que é papel das assessorias de imprensa e de comunicação auxiliarem na disseminação de uma linguagem adequada. “A imprensa, às vezes, utilizada termos inadequados pelo desconhecimento do editor ou do repórter, que não teve a orientação adequada das fontes", diz Pirolo. "Aidético, diabético e obeso são formas inadequadas de se referir às pessoas que tem aquela patologia. A doença não define a pessoa. É preciso um processo de reeducação das próprias fontes para que isso não continue acontecendo”.

Pirolo acredita que é preciso trabalhar para uma sociedade que defina as pessoas pelo que elas são realmente e não pelo que elas têm. Esse é o mesmo pensamento da Dra. Claudia Pieper, educadora em diabetes pela International Diabetes Federation (IDF) e coordenadora do Departamento de Transtornos Alimentares da SBD.

Para Pieper, as palavras fazem parte do gerenciamento do diabetes. “Ao ouvir repetidamente expressões negativas que sobre si mesmo e sua doença começam a acreditar nisso. Ninguém tem escrito na testa que é “diabético”. Mas esta palavra pode levar ao pensamento de uma doença  grave, sem cura. E ter diabetes, não significa estar doente. A linguagem é uma ferramenta essencial na comunicação” .


Foto de Patty Brito no Unsplash