Guia para o tratamento justo de freelancers pelas redações

Nov 20, 2024 em Freelance
Woman in front of a colorful computer in a well lit kitchen

Você terminou a sua matéria, cumpriu com o prazo e entregou exatamente o que te pediram para escrever. Mas você pode ficar vários meses sem receber o pagamento porque a revista não vai publicar o texto até uma certa data no futuro. Ainda pior, a matéria pode ser engavetada por causa de uma mudança no noticiário, fazendo com que você receba apenas metade do que foi combinado.

Estes pagamentos atrasados ou parciais seriam inaceitáveis em outras áreas, mas para jornalistas freelance eles são muito comuns.

Donna Ferguson, jornalista radicada no Reino Unido e membro do comitê da Women in Journalism, organização que promove igualdade e diversidade na mídia, testemunhou repetidamente ao longo de 12 anos de trabalho freelance práticas injustas de remuneração. Reconhecendo a necessidade de mudanças, Ferguson e a Women in Journalism se juntaram a Lily Canter e Emma Wilkinson, fundadoras da comunidade Freelancing for Journalists, e à jornalista Anna Codrea-Radodefensora dos direitos dos freelancers, para lançar um novo guia de boas práticas para organizações que trabalham com jornalistas freelance.

"Eu simplesmente pensei que seria bom ter um documento que as pessoas pudessem consultar e dizer para os editores: é assim que uma boa organização deve se portar", explica Ferguson. 

Publicado em setembro, o guia foca em três áreas principais: pagamento; sugestão de pautas e redação; e diretos dos freelancers. O conteúdo serve como um recurso prático para que freelancers lutem por um tratamento melhor e negociem condições justas, ao mesmo tempo em que oferece aos editores um modelo para estabelecer colaborações respeitosas e transparentes. 

"É apenas um passo pequeno, porque não temos de fato nenhum poder para fazer com que as empresas nos ouçam", diz Ferguson. "Mas eu espero que ele ajude a acabar com práticas ruins e encoraje as boas práticas."

Por que editores devem estar atentos

O guia foi criado para encorajar os editores a se envolverem na construção de um futuro melhor para todos, segundo as autoras, e tem a intenção de beneficiar tanto editores quanto freelancers. Por exemplo, um ambiente de trabalho justo e transparente pode ajudar as redações a atraírem e reterem colaboradores de confiança, que ficam mais motivados a dar o seu melhor quando se sentem valorizados e respeitados. Implementar processos claros de pagamento e diretrizes acessíveis para a sugestão de pautas também pode ajudar os freelancers a reduzir o vai e vem na comunicação com editores que pode tornar lento o processo de publicação. 

O objetivo é contribuir com um setor mais saudável e sustentável. Conforme disse Anna Codrea-Rado no release à imprensa, "a função central do jornalismo é responsabilizar os poderosos, no entanto um sistema falho desvaloriza os freelancers que realizam esse trabalho essencial".

Para promover uma imprensa diversa, justa e robusta, é fundamental melhorar a forma como são tratadas as pessoas que desempenham um papel vital no setor, de acordo com as autoras. "O que precisamos não é só de freelancers, mas de mais editores e funcionários saindo em defesa dos freelancers", diz Ferguson. Afinal, com as perdas de vagas em curso no jornalismo, eles também podem se ver fazendo trabalho freelance um dia – inclusive, Ferguson já foi editora.

Impacto global

Muitos jornalistas, particularmente mulheres, se atraem pelo trabalho freelance devido à flexibilidade, mas muitas vezes enfrentam instabilidade financeira por causa de condições de trabalho imprevisíveis e injustas – um problema global na área.

Embora o guia tenha sido desenvolvido no Reino Unido e inclua alguns aspectos específicos da região, tais como referências à lei de pagamentos atrasados e dívidas comerciais, a maioria das mudanças propostas pode ser facilmente aplicada em redações do mundo todo, diz Ferguson. "Mesmo que você trabalhe em outra parte do mundo, o guia pode servir pelo menos como uma referência."

No Reino Unido, o guia já obteve apoio de organizações como o Sindicato Nacional dos Jornalistas e da Journo Resources. O documento oficial também foi compartilhado com editores em várias revistas e jornais de alcance nacional e com a Sociedade de Editores do Reino Unido. Jornalistas também podem entrar em contato com a Women in Journalism caso tenham compartilhado o material com um veículo específico.

No futuro, o plano é continuar promovendo padrões justos, encorajando as redações a questionar práticas prejudiciais que foram normalizadas por tanto tempo e criando um entendimento comum sobre como freelancers e editores podem trabalhar juntos de forma mais eficaz.

Principais recomendações

Fim dos pagamentos parciais

Uma recomendação é acabar com os pagamentos parciais feitos a matérias que foram encomendadas, mas que não vão ser publicadas, na maioria das vezes por razões que estão fora do controle do freelancer. O guia argumenta que o trabalho entregue no prazo e conforme foi acordado deve ser sempre pago integralmente, tal como seria em qualquer outra profissão.

Pagamentos em dia

As autoras também recomendam acelerar o processo de pagamento, enfatizando que ele deveria começar tão logo o trabalho seja enviado, em vez de esperar até a publicação, para evitar atrasos. "Eu fiz trabalhos que levaram um ano para serem publicados e eu tive que esperar um ano para ser paga", diz Ferguson. "Talvez os editores não saibam o que é passar por isso". 

Transparência nos valores pagos

O guia pede que as organizações listem abertamente os valores padrão ou mínimos pagos a freelancers e se comprometam a revisá-los regularmente. Apesar do aumento no custo de vida, muitos freelancers estão vendo os valores estagnarem ou mesmo diminuírem. "É deprimente pensar que, com 12 anos de experiência e muitos prêmios, estou recebendo menos hoje do que quando escrevi minhas primeiras matérias", acrescenta Ferguson.

Diretrizes claras para sugestão de pautas

As publicações devem fornecer diretrizes claras e informações de contato para o envio de sugestões de pauta. "Isso tornaria o setor menos opaco e muito mais fácil para freelancers, principalmente para mulheres e jovens, para ter confiança na hora de enviar sugestões para jornais nacionais ou grandes publicações", diz Ferguson.

Além de pagamentos e sugestões de pauta, as recomendações abordam áreas importantes como proteção, seguros, políticas de autoria e licenças de direitos autorais.

Para mais detalhes, o guia está disponível no site da Women in Journalism.


Foto por Surface via Unsplash.