Quando se formou em jornalismo, há cerca de dez anos, a gaúcha Glaucia Damazio estava indecisa sobre o rumo da carreira. Resolveu então deixar a vida agitada de Porto Alegre (RS) e voltar para a casa dos pais, em Garopaba, no litoral sul de Santa Catarina. A região é repleta de belezas naturais, e foi colonizada por imigrantes açoreanos que chegaram no século XVII. Hoje Damazio mora na Praia do Rosa, na mesma região, e não tem dúvidas de que encontrou o que buscava: “Eu sempre fui good vibes. Me identifico muito com o estilo de vida daqui. É bastante natural, tranquilo, com menos gente, menos carros. Me transformei e quis modificar a comunidade à minha volta.”
Damazio criou um jornal impresso com notícias locais, voltado para os moradores da região. Em 2021, a ideia inicial migrou para a internet e virou o Guia Saberes da Praia, com dicas de turismo sustentável. O objetivo era divulgar negócios que priorizassem a defesa do meio ambiente, além de conscientizar os visitantes que lotam as praias durante o verão. Motivada a encontrar organizações que pudessem abraçar o projeto, ela procurou por oportunidades de parcerias e editais de financiamento, e foi aí que descobriu o programa de fellowship do ICFJ: "Estava pesquisando outras formas de incentivo financeiro para o Guia quando encontrei o ICFJ. Não conhecia ninguém que tivesse participado do programa, não tinha qualquer referência. Mesmo assim decidi arriscar.”
O idioma não foi empecilho
Damazio foi uma das quatro fellows brasileiras na edição Fall 2021, que teve início em agosto do ano passado. Ela conta que estava há algum tempo sem praticar o inglês, e que saiu desanimada da entrevista. Por isso ficou surpresa com a notícia da aprovação: “Eu saí de lá arrasada. Achei que estava super preparada, ensaiei, e quando chegou na hora, eu não me lembrava de absolutamente nada! Gaguejei, esqueci as palavras, foi uma derrota total!", lembra Damazio. "Saí da entrevista pensando: se eu for aprovada agora, tem alguém lá em cima que está querendo, porque foi um fiasco!”
Hoje ela avalia que a banca se interessou pelo projeto porque o viés era o da sustentabilidade: “Acredito que eles tenham gostado da ideia. É muito necessário que a gente comece a ver na mídia todos os dias esse tipo de conteúdo, porque muita coisa precisa ser transformada. Ou é sustentabilidade, ou é extinção em massa!”.
Salto qualitativo a partir da mentoria
O período de mentoria ajudou a amadurecer e expandir a proposta. A jornalista foi orientada pela consultora do ICFJ Adriana Garcia, especialista na área de empreendedorismo digital. Garcia encorajou Damazio a dar um passo mais ousado: a criação da Comunidade Saberes e do Coletivo EcoLab, que prestam serviços na área de comunicação e orientam os empreendedores sobre como é possível tornar os negócios mais sustentáveis e alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU - Organização das Nações Unidas. A fellow comemora o salto qualitativo do trabalho: “Passamos de criança a adulto com a ajuda do ICFJ. Nós tínhamos uma marca forte, mas precisávamos de um planejamento de negócios, desenvolver estratégias. O ICFJ ajudou a formar a comunidade, que atua hoje em várias frentes. A comunidade ainda não é madura o suficiente, mas caminhamos em seis meses o que sozinha eu levaria anos para conquistar.”
As semanas de embedment também trouxeram vários ensinamentos que contribuíram para aperfeiçoar o projeto. Glaucia acompanhou a rotina da AJ+Español - braço da Al Jazeera voltado para a comunidade hispânica e latinoamericana. Escolheu a área de mídias sociais, onde observou principalmente o processo de produção de vídeos e conteúdos para o Instagram. A imersão no dia a dia da redação mostrou à jornalista que não existem mais barreiras para a comunicação no mundo digital: “Consegui vender uma pauta sobre permacultura que foi publicada por eles. Entendi que um jornalista pode propor reportagens sobre temas locais, de qualquer lugar do mundo.”
Propósito de vida
Segundo a bolsista, quem é aprovado no ICFJ deve ter em mente que a gestão do tempo é prioridade para cumprir o programa. Ela conta que foi difícil conciliar as tarefas de estudante com as obrigações em casa e no trabalho: “Eu tinha que trabalhar oito horas por dia, e ainda tinha que lavar roupa, cuidar da família. Eu ainda estava construindo minha casa no mesmo período, então ficava das 6h às 8h na obra, depois assistia aula, depois trabalhava...foi bastante puxado pra mim”.
Apesar das dificuldades, ela ficou satisfeita com o resultado final e afirma que a experiência serviu de trampolim para um voo mais alto: "A gente recebe tanto conhecimento, são tantas formas de expandir a maneira de olhar para o projeto, que passei a ser mais crítica. Daí parei e pensei: calma, é um bom trabalho. Algumas coisas poderiam ter sido diferentes, sempre dá para melhorar, mas é apenas o começo de um longo trabalho.”
Glaucia aconselha os futuros candidatos a acreditarem em suas ideias e a manterem o foco em seus objetivos, “Saber escrever é técnica, você aprende, mas o que você precisa ter é um propósito, uma motivação que vai além da escrita. Busque lá no fundo do seu coração a resposta: para que você veio ao mundo? Que bandeira você gostaria de levantar?" argumenta Damazio. "Porque quando o bicho estiver pegando, quando você estiver pensando em desistir, haverá algo maior que te move.”
Foto: Arquivo pessoal Glaucia da Rosa Damazio